Discurso no Senado Federal

VIOLENCIA DA POLICIA MILITAR DO ACRE NA DESOCUPAÇÃO DA FAZENDA BAURU.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO MUNICIPAL. :
  • VIOLENCIA DA POLICIA MILITAR DO ACRE NA DESOCUPAÇÃO DA FAZENDA BAURU.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/1996 - Página 13152
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO MUNICIPAL.
Indexação
  • DENUNCIA, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, AGRESSÃO, POSSEIRO, DESOCUPAÇÃO, PEQUENA PROPRIEDADE, MUNICIPIO, RIO BRANCO (AC), ESTADO DO ACRE (AC).
  • ELOGIO, TRABALHO, JORGE VIANA, PREFEITO, MUNICIPIO, RIO BRANCO (AC), ESTADO DO ACRE (AC), ASSENTAMENTO RURAL, FAMILIA, PROXIMIDADE, CIDADE.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, infelizmente, sou obrigada a trazer aqui, novamente, problemas de violência policial ocorridos no Estado do Acre.

Desta vez, trata-se do massacre praticado pela PM do meu Estado, num ato de despejo contra grupos de trabalhadores que estavam ocupando uma área de terra considerada improdutiva, da Fazenda Bauru. Uma violência desnecessária contra inúmeras pessoas que foram espancadas e arrastadas, mesmo após estarem algemadas. Mulheres, crianças, pessoas idosas, foram desrespeitadas, num ato de barbarismo, de violência, que não pode ser justificado sob qualquer hipótese, até porque perpetrado por aqueles que deveriam ir ao local não para aterrorizar os cidadãos, mas para lhes dar proteção e tentar uma saída para o impasse ali instalado.

Com o mandado de desocupação, assinado pela Juíza Regina Longuini, a Polícia Militar do Acre, fortemente armada, transformou a Fazenda Bauru, no município de Rio Branco, ocupada por trezentas famílias de sem-terra, num verdadeiro campo de batalha. Aquelas famílias ocupavam a área desde maio deste ano. O confronto durou mais de três horas.

No mandado judicial, a juíza alegou que se tratava de área produtiva. Segundo a imprensa local, a fazenda é improdutiva e estava, há muito tempo, abandonada, e não havia nenhuma benfeitoria, o que contraria a alegação da juíza e os arts. 5º, inciso XXIII, e 186 da Constituição Federal.

Barracos foram derrubados, móveis destruídos, homens e mulheres espancados, alguns foram arrastados pelo chão algemados, uma mulher grávida foi espancada a golpes de cassetetes. Cerca de 60 pessoas ficaram feridas e 2 presas. É este o resultado de mais uma liminar concedida para os "donos da terra".

Amanhã estarei encaminhando uma cópia das filmagens, feita pela equipe de reportagem que se encontrava no local e que conseguiu registrar as cenas estarrecedoras, para o Ministério da Justiça e para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a fim de que providências sejam tomadas no sentido de reparar a injustiça e a violência praticadas contra aquelas pessoas.

Esses acontecimentos reforçam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, três projetos de lei que apresentei a esta Casa, alterando artigos dos Códigos Civil, de Processo Civil e Penal, que versam sobre a questão da posse de imóveis rurais. Em todos os casos, fica patente a preocupação de fazer com que o instrumento legal corresponda às necessidades do tempo presente e explicite a função social da terra. Os três projetos que apresentei baseiam-se no dispositivo constitucional (art. 186) que diz que a terra deve cumprir com os requisitos da função social, ou seja, deve ser explorada adequadamente, dando respostas do ponto de vista social para as necessidades dos cidadãos, respeitando-se as leis ambientais e trabalhistas. Aquelas propriedades que não cumprem com essas determinações constitucionais devem, portanto, ser penalizadas, não sendo merecedoras da proteção do Estado, do Poder Público, nos moldes em que deve acontecer com aquelas que cumprem com a função social da terra.

Não é justo que o Estado desaloje pessoas e as espanquem, utilizando força policial, para dar cobertura a um proprietário que desrespeita as exigências constitucionais no que se refere a esse avanço fantástico da Constituição de 1988.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os esforços que devam aqui ser envidados no sentido de fazer com que a reforma agrária possa tornar-se uma realidade em nosso País ainda são pequenos, face ao volume de acontecimentos que têm ocorrido por este Brasil afora, onde pessoas, sem nenhuma esperança e condição de sobrevivência, são tratadas como marginais, para se dar proteção àqueles que, além de não contribuírem com o processo produtivo de geração de emprego e renda, de arrecadação de tributos, funcionam como molas propulsoras da violência e do desrespeito aos direitos humanos, agindo, muitas vezes, articulados com a própria Justiça, que carece - devo dizer -, em muitos casos, de sensibilidade e de respeito pela vida das pessoas.

Um juiz não pode estabelecer, do seu gabinete, que determinadas ações sejam levadas a cabo, sabendo que poderá afetar a vida das pessoas, causando prejuízos irreparáveis, como é o caso de assassinatos. As cenas ocorridas no Município de Rio Branco revelam acontecimentos dessa natureza e deixam a todos estarrecidos.

Sr. Presidente, quero aqui fazer um breve registro de que o Município de Rio Branco tem se esforçado, por intermédio do Prefeito Jorge Viana, em fazer um processo diferente. Em governos passados, tivemos a prática de se construir casas nas cidades, incentivando o êxodo rural, onde as pessoas, sem alternativa de sobrevivência nas florestas, nos seringais e nos projetos de assentamentos, ocupavam essas casas, sobrevivendo de atividades muitas vezes marginais, subempregadas, criando e aumentado o cinturão de miséria. O Prefeito Jorge Viana está tentando fazer algo inverso. Ao invés de estimular o êxodo rural, está identificando famílias na periferia da cidade que vivem em condições de completa miséria, sem emprego, sem condições dignas de moradia e assentando essas famílias próximo à cidade. Temos o exemplo do Pólo Agroflorestal da Prefeitura de Rio Branco que dista 15 quilômetros da cidade e que dispõe de eletrificação rural, escolas, posto de saúde, onde as famílias, de posse de apenas três a quatro hectares de terra, estão conseguindo uma renda familiar de até cinco salários mínimos. É uma concepção diferente de como resolver o problema de moradia. Para um Estado carente como o nosso, não basta construir casas para que as pessoas saiam da condição anterior, de colônias, de seringais ou dos ribeirinhos, e venham moram nas cidades sem perspectiva de vida. É fundamental que se faça algo que garanta a essas famílias viver com dignidade. É isso que o Prefeito Jorge Viana está fazendo, inclusive com louvor.

Editorial do jornal O Diário da Amazônia diz que a Prefeitura de Rio Branco é um exemplo para toda as prefeituras da Amazônia, pelo trabalho de reforma agrária que vem sendo realizado pelo Município. Se as cinco mil prefeituras deste País fizessem o que o Prefeito Jorge Viana vem realizando, com certeza estariam dando uma grande contribuição à reforma agrária.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/1996 - Página 13152