Discurso no Senado Federal

CRITICAS A POLITICA ECONOMICO-SOCIAL DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • CRITICAS A POLITICA ECONOMICO-SOCIAL DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/1997 - Página 17548
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, FALENCIA, MODELO, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), PRECARIEDADE, SERVIÇOS PUBLICOS, ESPECIFICAÇÃO, SAUDE, TRANSPORTE, HABITAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • CRITICA, LIBERALISMO, ECONOMIA, POLITICA, EFEITO, EXCLUSÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei hoje algumas considerações que devem ser precedidas de um esclarecimento.

Dois personagens povoam o meu modesto discurso. Um eu extraí de um famoso livro de George Orwell, que descreve uma sociedade futura em que um ditador televisivo domina o comportamento dessa sociedade, em que a técnica domina os seres humanos, em que os próprios adjetivos que qualificam as pessoas passam a ser retirados da mecânica.

O outro personagem não se sabe também se pertence à mitologia. Penso que sim. É o chupa-cabra. O Estado de S.Paulo de ontem, em sua página A-18, cita quatro técnicos que têm opiniões discordantes a respeito do fantástico animal que tem se apresentado em diversos países, principalmente da América Latina: no México, na Venezuela, na Argentina e no Brasil. Por coincidência, países em que o projeto do FMI, de destruição da sociedade, de sucateamento, está em curso.

Aqui no Senado, o atual Presidente do Banco Central, disse, respondendo a uma pergunta feita por mim, que quando se acredita em uma determinada teoria tem-se que aplicá-la até o fim. Aqueles que transformaram, como disse John Arthur Thomas Robinson, a Economia em uma religião, repetem e correm o risco de aprofundar a destruição de sociedades inteiras em nome das verdades eternas.

Quantos morreram em busca da libertação do Santo Sepulcro? Quantos foram queimados para purificar suas almas? Quantos morreram quando a América foi invadida por aqueles que, em nome da aura sacra faces, da fome sagrada do dinheiro, mataram, destruíram civilizações inteiras: incas, maias, astecas e outras.

Vou falar sobre dois personagens fantásticos, míticos.

As televisões, comandadas por um poderoso e envergonhado, por isto oculto "Grande Irmão" - que é o ditador da utopia de George Orwell -, inoculam no telespectador a ideologia da eficiência, as virtudes dos baixos salários e dos vencimentos miseráveis, reduzindo os cidadãos a coisas, a qualquer coisa, no maravilhoso e moderno Brasil da reeleição, tão bem pavimentado pelo primeiro período governamental. No maravilhoso mundo novo do PSDB-PFL, uma eficiência paulista entregará às espertas Golden Cross os doentes que, tendo pago durante toda uma vida para sustentar o sistema de saúde pública, são obrigados a fugir dos corredores da morte em que foram transformados os hospitais públicos para os maravilhosos atendimentos médicos prometidos pelo "mercado".

Sucateado o serviço público de saúde, os planos privados prometeram um atendimento eficiente, sem filas e sem doenças hospitalares, com jatinhos e ambulâncias dotados de UTIs móveis. Os cidadãos duplamente enganados custam a perceber que o sistema privado que explora a doença-mercadoria não tem fila porque não oferece atendimento. A triagem dos doentes a serem atendidos é feita por especialistas em interpretação dos contratos draconianos que reduzem a um mínimo os assegurados realmente atendidos no universo cada vez maior dos que serão seguramente lesados. Fugindo do fogo, os pacientes, pacientíssimos brasileiros, caem na brasa da livre iniciativa médico-hospitalar.

O governo do desgoverno, da desconstitucionalização, do desemprego, da desnacionalização, da desestruturação da produção, da estatização das dívidas dos bancos privados quebrados, da destruição das empresas estatais doadas por financiamentos do BNDES, adotou um mesmo modelo, que aplica com a máxima eficiência sobre todos os setores da vida social. O Governo adota o desgoverno das malhas rodoviária e ferroviária, deixa esburacar, deixa enferrujar, para justificar a neoversão do laissez-faire, laissez-passer, que o também liberal Dr. Quesnay ensinou a Luís XIV, em meados do século XVIII; miserabiliza as pensões e aposentadorias públicas e, incompetente, incapaz de administrar os serviços sociais, se transforma no maior corretor do sistema hospitalar, das empresas de aposentadorias paralelas, das empreiteiras das estradas de rodagem que recolhem os pedágios extorsivos, e das Encol que privatizaram as prestações da casa própria a que se sujeitaram aqueles que desanimaram de morar em casas financiadas pelo BNH, pela Caixa e por sistemas públicos de financiamento tão eficientemente falidos pela estratégia do desgoverno privatizante. Depois de privatizar o assalto aos mutuários da casa própria, as Encol globalizam o resultado da rapina, internacionalizando o "lucro" das construtoras "falidas", isto é, remetendo o dinheiro roubado para os paraísos fiscais.

O Ministro Kandir, o exagerado, que, depois de inventar o calote aplicado por Collor, de praticar a desastrada desoneração do ICMS sobre produtos exportados, de anunciar um crescimento de 9% do PIB, declara que as privatizações foram tão eficientes que ultrapassam as da Inglaterra, da França e da Argentina, juntas. Espera-se que o resultado colhido por este Governo não seja igual ao que derrotou a Srª Tatcher, que expulsou Bucarán, el loco, do Equador, que assegura 23% de aprovação popular a Fujimori, el chino, e que fez Menem cair do Cavallo, que levou os coquetéis Molotov para as ruas da neoliberal Coréia do Sul, que levou os policiais militares brasileiros às greves, que rebelou os trabalhadores belgas e franceses "enxugados" pelo desemprego que atingiu 1 bilhão de trabalhadores em escala globalizada, etc.

Na propaganda que o Governo faz na televisão, quase não aparece mais a cara do poderoso Grande Irmão. As idéias neoliberais, compatíveis com a entrega de mais de 50 bilhões de reais para a eficientemente falida rede bancária privada, têm por objetivo desmoralizar os funcionários públicos sugados, aos quais o Governo deve 57% de vencimentos comidos pela inflação "residual" e não reposta. Diz a ditadura televisiva que só os ineficientes serão cremados, mas não conta que ineficiente é o funcionário que não trabalha com entusiasmo para destruir, para entregar, para sucatear, para privatizar, para "globalizar". A mesma propaganda neofascista, orweliana, aponta os frangalhos da atual Constituição, remendada de acordo com os propósitos neoliberais, como o empecilho para que o reino da eficiência cega, desumana e metálica, como o obstáculo para que o Plano Real possa dar certo. Depois de três anos de garantia de que o Plano Real está dando certo com a atual Constituição, para que uma nova Constituição que será urdida pelos Deputados eleitos em 1998 com poderes constituintes? Ou será que o Plano não está dando certo, que a Constituição impede que ele dê certo e, por isso, deve ser desconstitucionalizada?

A ditadura dos meios de comunicação, a compra de votos de Deputados, cooptação de políticos e banqueiros, de redução do "custo Brasil", o neonome do arrocho salarial e de vencimentos se coligam com a feitura de uma nova Constituição em 1999, que constitucionalizará o assalto aos direitos residuais dos cidadãos. O resultado do neoliberalismo submetido, periférico, subserviente, será a formação de uma sociedade modernosa, "pneumática" - (Orwell) - de cidadãos sem direitos, cidadãos objetos, sujeitos a deveres, obedientes e esvaziados, alienados.

A sociedade brasileira afirma sua infeliz dualidade por meio da coexistência das modernas formas de espoliação, de amnésia dos direitos adquiridos e do respeito à cidadania, de massificação e "cocacolização" das consciências por instrumentos acionados pela mídia estatal e pela mídia privatizada, incapazes de compreender o sentido e os instrumentos que provocam sua marginalização e sua alienação.

A modernidade estarrecida cria uma nova mitologia com que o imaginário coletivo expressa as relações sociais entre o governo despótico, autoritário, e as massas confundidas, anestesiadas. É o misterioso, oculto e perigoso chupa-cabras. Ele também assalta, tira o sangue das vítimas indefesas e mudas e expressa a sobrevivência de formas arcaicas, míticas, que se adaptam ao maravilhoso mundo novo, com o qual guardam profundas semelhanças. O "partido do chupa-cabras" não será, certamente, registrado para concorrer nas próximas eleições, mas é bem provável que ele continue a exercer seu poder fascinante e terrível sobre os cidadãos sem sangue e sem direitos.

Não pode ser mera coincidência o fato de o imaginário coletivo ter produzido a mesma figura do chupa-cabras nos países que adotaram as medidas alucinógenas que garantem que a melhor solução para o crescimento social é o empobrecimento coletivo; que a solução para o desemprego individual e setorial é a redução e o fechamento de oportunidades de trabalho e a importação de mercadorias subsidiadas; que a resposta para a saúde enferma e a educação abandonada é a redução de recursos sociais, conforme denúncia do Tribunal de Contas da União.

O México, a Argentina e a Venezuela padecem das conseqüências de planos clonados pela transgênese do FMI. O imaginário coletivo expressa o seu desespero criando a mesma figura, o chupa-cabras, que globaliza simbolicamente as relações sociais entre os espoliados e seus governos, governados pelo ritual neoliberal.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/1997 - Página 17548