Discurso no Senado Federal

DESCALABROS COM O TRANSPORTE AQUAVIARIO BRASILEIRO, DECORRENTES DE VICISSITUDES HISTORICAS E POLITICAS EQUIVOCADAS. NECESSIDADE DE UMA CORREÇÃO DE RUMOS NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO LLOYD BRASILEIRO.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • DESCALABROS COM O TRANSPORTE AQUAVIARIO BRASILEIRO, DECORRENTES DE VICISSITUDES HISTORICAS E POLITICAS EQUIVOCADAS. NECESSIDADE DE UMA CORREÇÃO DE RUMOS NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO LLOYD BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/1997 - Página 20118
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, POLITICA DE TRANSPORTES, MODERNIZAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, ANALISE, SITUAÇÃO, MARINHA MERCANTE, REDUÇÃO, UTILIZAÇÃO, NAVIO BRASILEIRO, PREJUIZO, PAIS, TRABALHADOR, EXCESSO, BUROCRACIA, ADMINISTRAÇÃO.
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO LLOYD BRASILEIRO (CNLB), IMPEDIMENTO, NAVEGAÇÃO, FROTA, INFERIORIDADE, ARRECADAÇÃO, LEILÃO JUDICIAL, DESCUMPRIMENTO, GOVERNO, COMPROMISSO, PAGAMENTO, DIVIDA, LIQUIDAÇÃO.
  • DEFESA, REEXAME, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, LOIDE BRASILEIRO.

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dentro do atual e dinâmico processo de globalização da economia e das relações sociais, em todos os planos, e na luta por uma integração do Brasil de forma cada vez mais competitiva, um capítulo especial deve ser concedido à questão dos transportes.

Como é do conhecimento de todos, a malha brasileira de meios de transporte é sofisticada. Porém, por vicissitudes históricas e políticas equivocadas, ela ganhou um sem-número de deformações que estão à espera de serem eliminadas para que possa propiciar rumos condizentes com a contemporaneidade. Um dos setores em que isso avulta com maior visibilidade é o do transporte aquaviário.

Para melhor situar a questão, basta dizer que, nas relações comerciais do Brasil com países de todo o mundo, 94% delas são feitas pela Marinha Mercante (pagamos anualmente algo em torno de US$ 5 bilhões a empresas estrangeiras). Contudo, hoje em dia, os navios com bandeira brasileira não transportam senão 4% das cargas transacionadas, o que demonstra uma imensa desvantagem para a nossa economia, não só contribuindo para maior desequilíbrio do nosso balanço de pagamentos e evasão de divisas para o exterior, como também pelos enormes prejuízos à indústria naval e aos milhares de trabalhadores que atuam nesse importante setor.

O descalabro com a Marinha Mercante é mais ou menos recente. Revendo dados de ontem, descobre-se que os navios brasileiros eram responsáveis, de 1967 a 1985, por 22% de todas as cargas transacionadas com o exterior, e a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, empresa centenária fundada em 1890, possuía uma frota superior a 80 unidades e contribuía com US$ 85 milhões/ano com os cofres da União, a título de impostos e dividendos. Nessa época, o Brasil era o segundo maior produtor mundial na construção naval. De abril de 1989 a agosto de 1990, com apenas vinte navios em tráfego, o Lloyd ainda gerava US$ 20 milhões mensais.

Ressalte-se também que o índice de sinistros em barcos tripulados por brasileiros é o menor do mundo, o que caracteriza nossa excelente formação profissional. Apesar disso, o salário do marítimo brasileiro é também um dos menores do mundo, menor até que dos marítimos de bandeira de conveniência, como os navios liberianos, panamenhos, indianos e outros que ostentam suas bandeiras para embarcações de propriedade de empresários que fogem dos impostos e taxas de seu país natal.

O atual Governo, dentro de sua política de privatização, colocou o Lloyd em processo de liquidação, por intermédio da Resolução nº 22, do Conselho Nacional de Desestatização. A empresa fica, por isso, impedida de navegar e de auferir suas receitas estimadas em US$ 10 milhões por mês, já que possui ainda uma frota de 15 navios utilizáveis.

Parece-nos ser necessário uma correção de rumos nesse processo de privatização, pois em menos de dois anos ele já consumiu mais de R$ 30 milhões, permitiu a perda de um dos melhores navios da frota brasileira - o N/M Lloyd Pacífico, estando o restante das embarcações à mercê de leilões judiciais. Pelo que se sabe, o valor que vem sendo arrecadado nesses leilões é muito inferior ao que poderia ser obtido em leilão extra-judicial por licitação, mesmo que se subtraiam os custos de pequenos reparos.

Exemplifiquemos com o caso do navio N/M Rio Branco, vendido judicialmente, que teve seu maior lance em R$ 350 mil e cuja avaliação judicial era de R$ 1,8 milhões. Essa depreciação de seis vezes a menos do preço que poderia ser obtido em hasta pública nos faz ver que através da venda por licitação o vendedor estabelece o preço mínimo de mercado, podendo auferir valores superiores a partir do estipulado no edital do processo licitatório, e manter controle sobre o patrimônio.

É bom lembrar que, além das perdas da venda em leilões judiciais, recairão sobre os cofres públicos da União, sucessora natural da empresa, logo que se consume a liquidação, todas as responsabilidades contratuais correntes além das multas.

Pelas informações disponíveis, sabe-se que com apenas R$ 28 milhões se poderia reformar a frota do Lloyd, e assim se evitaria que navios avaliados em R$ 150 milhões apodreçam sem programação comercial, para a venda ou para o uso. Não se conhece também as razões por que o Governo não libera o aporte solicitado pelo próprio liquidante da empresa, no valor de R$ 34 milhões, cujo objetivo seria sanear as dívidas judiciais que gravam a frota.

Como se sabe, a frota mercante nacional já tem uma idade média superior a 15 anos, necessitando, portanto, de renovação e incremento de tonelagem para enfrentar a dura realidade do mercado. Outra característica a ser considerada é a administração fragmentada e multifacetada da Marinha Mercante (sete ministérios tratam de diferentes aspectos do setor aquaviário brasileiro), o que afeta enormemente a possibilidade de uma gestão eficiente e eficaz.

Em face dessa realidade, acredito que seja mais sensato para o governo o reestudo do caso. Vale a pena liquidar o Lloyd? Como deve ser feita essa liquidação? A quem ela interessa e o que se deve investir nesse processo? Há muito desmistificamos a privatização - diferentemente de outros segmentos da esquerda -, e cremos mesmo que para se obter um Estado eficaz será realmente preciso privatizar. Mas é preciso que o governo tome as rédeas desse processo de forma consciente e não atendendo a compulsões irresponsáveis. Reforçamos nossa crença de que é preciso reformar o Estado para torná-lo eficiente, mas dentro de procedimentos transparentes e sem prejuízo para a sociedade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/1997 - Página 20118