Discurso no Senado Federal

DISCUSSÃO DO COMPORTAMENTO DA IMPRENSA NO PAIS. NECESSIDADE DE PRINCIPIOS ETICOS QUE NORTEIEM A PROGRAMAÇÃO DA TELEVISÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • DISCUSSÃO DO COMPORTAMENTO DA IMPRENSA NO PAIS. NECESSIDADE DE PRINCIPIOS ETICOS QUE NORTEIEM A PROGRAMAÇÃO DA TELEVISÃO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 29/10/1997 - Página 23075
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • ANALISE, FUNÇÃO, IMPRENSA, DEMOCRACIA, DEFESA, LIBERDADE DE IMPRENSA, NECESSIDADE, CONTROLE, ABUSO, DESRESPEITO, CIDADÃO, PESSOA DEFICIENTE, PORNOGRAFIA.
  • DEFESA, INSTRUMENTO, GARANTIA, DIREITO DE RESPOSTA.
  • ATRASO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, EMPRESA DE RADIO E TELEVISÃO, ORGANIZAÇÃO, ENTIDADE, AUTONOMIA, INICIATIVA PRIVADA, LIMITAÇÃO, EXCESSO, IMPRENSA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cada dia ganha mais interesse no Brasil uma discussão que se está processando dentro e fora do Parlamento sobre o papel da imprensa numa sociedade democrática, sobre o comportamento da imprensa, sua atitude, sua forma de examinar os fatos e de emitir opiniões sobre eles, seja pelo rádio, televisão ou jornais. Ninguém pode ignorar que esse debate está muito vivo aqui no Parlamento, tanto na Câmara como no Senado, e são posições colocadas freqüentemente, alguns entendendo que se deve deixar tudo como está; outros, imaginando que há necessidade de aperfeiçoar instrumentos que tornem a imprensa cada vez mais democrática.

Essa discussão é muito importante no sentido de se assegurar plena e total liberdade de imprensa, o que não significa dizer que se possa conviver pacificamente com abusos dela. Nesse particular, não me refiro tanto à questão dos políticos ou das pessoas que são criticadas pela imprensa, que têm suas condutas reprovadas, que têm seus defeitos, suas imperfeições apontadas, às vezes com dureza, com acidez, pela imprensa; refiro-me, mais especificamente, sobre os programas de rádio e televisão. Isso se refere mais à mídia eletrônica, principalmente à televisão, que, no meu modo de ver, atenta contra os princípios de uma sociedade que se quer respeitar e quer, sobretudo, respeitar e defender as suas crianças e seus adolescentes. Não se trata de censura, mas de reconhecer que há muitos abusos que ferem os princípios da sociedade brasileira. Não se trata de moralismo ou de falso moralismo, mas de defender valores que são caros à família e que são fundamentais, são básicos para uma sociedade que se pretende solidária, fraterna, impulsionada por princípios generosos.

Em fins do ano passado, tive a oportunidade de abordar desta tribuna este mesmo assunto, comentando inclusive programas de televisão que aviltam as pessoas, colocando sob ridículo os portadores de deficiências. Naquele momento, recebi uma promessa de representantes da ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão no sentido de que se cogitava instalar, no prazo mais curto possível, um órgão, uma instituição, que iria cuidar da auto-regulamentação desses programas para evitar os excessos, os abusos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, até agora nada foi feito. Se foi feito, não tomei conhecimento disso; quer dizer, a promessa caiu no vazio. Agora, novamente, alguns programas - inclusive, pesquisas de opinião apontam para esses excessos, para esses exageros condenáveis que expõem uma face absolutamente injusta em relação às pessoas, em relação a atitudes e a comportamentos -, por seus excessos, de maneira nenhuma, podem encontrar respaldo no princípio da liberdade de imprensa com a qual não podemos transigir. Não se trata de censura. Pesquisas de opinião mostram que grande parte do povo brasileiro, a imensa maioria, deseja uma interferência maior nesses programas para resguardar a sua qualidade e o seu conteúdo.

Recentemente, a nossa Colega Deputada Marta Suplicy teve a oportunidade de se manifestar sobre esse tema em um programa de grande audiência. De certa maneira, foi até incompreendida. Ninguém poderia dizer, Senador Eduardo Suplicy e nobres Colegas, que a Deputada Marta Suplicy é uma pessoa preconceituosa, movida por um falso moralismo. Pelo contrário, S. Exª tem tido a coragem de abraçar causas que muitos contariam até 10 antes de fazê-lo, porque tem segurança em relação àquilo que defende.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que essa liberdade geral não faz bem à sociedade. Procurei há pouco e não encontrei nenhum exemplar. Mas na Folha de S. Paulo há um comentário de um jornalista especializado em acompanhar e criticar programas de televisão: Nelson de Sá. Ele analisa programas concomitantemente em vários canais de televisão, onde são exibidas cenas que em nada ajudam a construir uma sociedade justa, inspirada nos melhores princípios da moral e do respeito aos seres humanos.

O Sr. Eduardo Suplicy (BLOCO/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (BLOCO PT-SP) - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª. aponta um fato que vem ganhando a atenção crescente da população brasileira, na medida em que praticamente todos nós - nossas crianças, nossos filhos, nossos familiares - assistimos à televisão. Aquilo que é exposto, sobretudo pelas principais emissoras de televisão, em rede nacional, acaba sendo objeto do comentário e das observações de todas as pessoas em cada lar, em cada família. Na competição entre as grandes emissoras, começam a surgir certos exageros que vêm chocando a opinião pública brasileira. São inúmeros programas que, de alguma forma, contrariam o respeito aos sentimentos dos seres humanos, ora das mulheres, ora dos homens ou das crianças. Em especial, o próprio Nelson de Sá, que V. Exª citou há pouco, no artigo de hoje, na Folha de S. Paulo, observa que, durante todo o fim de semana, além do esporte e do futebol, houve a apresentação de cenas eróticas que inclusive assustaram muitas pessoas. Por exemplo: no programa do Faustão, houve a apresentação de um restaurante japonês, no qual o sushi era servido sobre o corpo nu de moças muito bonitas, como se fossem um prato. Por longo tempo, a cena foi exibida e obteve um alto índice de audiência - foi o momento em que o programa do Faustão conseguiu sobrepujar um pouco a audiência do Gugu Liberato. Até onde vai esse apelo? Por outro lado, o Gugu, em seu programa, apresentou uma cena em que, fantasiado de mendigo, foi até embaixo de um viaduto e negociou com uma mulher o aluguel do seu neném. Primeiro, ofereceu R$5, depois, R$50 e, por fim, acabou pagando R$100, para que ele pudesse pedir esmola com a criança no colo. Esta cena chocou também a Deputada Marta Suplicy, que comentou comigo que aquilo parecia exploração da situação de miséria. O quadro, obviamente, é trágico. Até o próprio Gugu Liberato fez críticas tanto às autoridades governamentais do Executivo quanto ao Congresso por não estarmos todos preocupados em resolver a tragédia da miséria que assola grande parte da população brasileira. Ora, tivesse ele, em seu programa, promovido um grande debate sobre como resolver, como transformar aquela situação; ou, por exemplo, se trouxesse à baila projetos que estariam tramitando no Congresso Nacional, visando à erradicação da miséria ou ainda convidado pessoas do seu auditório a fazer comentários sobre a possibilidade de transformação dessa situação, aí seria uma outra coisa. Deixo aqui a sugestão.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Em caráter educativo.

O Sr. Eduardo Suplicy (PT/BLOCO-SP) - Como V. Exª mencionou, em entrevista ao Jô Soares, a Deputada Marta Suplicy propôs não absolutamente uma censura ou proibição, mas que houvesse uma preocupação por parte da sociedade, mencionada por V. Exª, de, organizadamente, influenciar as emissoras de televisão, visando a melhorar a qualidade das programações, o que propiciaria à população brasileira condições de transformação educacional para uma direção mais adequada e nunca ofensiva aos direitos da pessoa humana.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - O seu aparte me causa grande satisfação, porque está dentro da linha que procuro estabelecer ao longo do meu pronunciamento. Um veículo de comunicação tão poderoso como a televisão não pode deixar de observar certos princípios éticos que são peculiares à sua natureza. É isso o que queremos, inclusive porque a ABERT ainda não organizou esse tal conselho, esse instituto de auto-regulamentação.

Não podemos transformar a guerra pela audiência em um “vale tudo”, que termine obrigando-nos a assistir a programas de péssima qualidade e de conteúdo absolutamente duvidoso.

Portanto, essa é uma questão que permanece esperando uma resposta.

Por outro lado, há todo um debate sobre a lei de imprensa e sobre a lei de resposta. Muitos dizem que o que se cogita aqui, no Congresso, é uma lei da vingança! Quer dizer, Parlamentares focalizados pela imprensa, policiados nas suas atividades, nos seus votos, nos seus comportamentos iriam se insurgir quanto à liberdade de imprensa, para colocar uma mordaça na mesma! Não é disso que se trata. Deve-se fazer com que a imprensa observe algo que é sagrado, que é elementar, que é um direito ao contraditório, um direito de alguém que, ao se sentir ofendido, encontre um espaço igual àquele que serviu para o ataque, onde possa dar a sua versão, onde possa defender-se, onde possa apresentar a sua posição. Diz-se que não existe lei de imprensa na Inglaterra, não existe lei de imprensa nos Estados Unidos, mas existem mecanismos ágeis que promovem não só o rápido direito de resposta, mas as indenizações.

O próprio ex-Presidente Collor - não sei se estão lembrados - chegou a mover uma ação contra um órgão de imprensa da Inglaterra e recebeu uma indenização. Os recursos foram destinados a uma instituição de caridade, mas logrou resultado na ação que intentou perante a Justiça inglesa.

Portanto, o que se deseja aqui é preservar, é resguardar essa liberdade de imprensa. Não se trata de buscar mecanismos de censura, mas até aceitar privilégios da imprensa. A imprensa tem privilégios? Tem sim, senhor! Eu até os considero justos, mas eles existem. Fala-se tanto em imunidade tributária no papel, nos insumos que utilizam para imprimir os periódicos. Acho que esses privilégios devem até ser mantidos, uma vez que lhe proporcionam certa autonomia diante dos Poderes, para expressar-se com liberdade. No entanto, daí a aceitar o cerceamento da defesa, impossibilitar as pessoas de terem o mesmo espaço para apresentar sua versão há enorme distância. Por essa razão, se não é o caso de termos lei de imprensa, é o caso de termos ágil, expedito, rápido dispositivo para assegurar a todos o direito de resposta. E cada um deve buscar mediante os instrumentos já tradicionais da Justiça aquilo que achar conveniente para que se promova o reparo a uma ofensa que por acaso tenha recebido.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, a minha intenção neste momento é chamar a atenção do Senado para que não perca de vista esse problema. Não devemos ser movidos por nenhum tipo de retaliação, mas precisamos adotar uma atitude de independência, buscar o sentido de justiça, determinar marcos legais para que essas questões fiquem convenientemente solucionadas. Não tem sentido simplesmente colocarmos obstáculos à tramitação dos projetos, impedindo que eles sejam concluídos. Não devemos também apenas apontar falhas e lacunas aqui e ali, sem que as instituições responsáveis, que reúnem os órgãos da imprensa nacional, manifestem claramente quais seus posicionamentos diante desse assunto. Trata-se de problemas do mundo moderno, do mundo que tem na comunicação um dos principais instrumentos sobre os quais repousam as instituições modernas e o próprio princípio da democracia que devemos cultivar e fortalecer.

Era essa, Sr. Presidente, a intervenção que eu gostaria de fazer. Lembro particularmente à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT - que procure cumprir o que havia combinado, que era justamente organizar uma entidade autônoma, privada, que funcionaria como uma espécie de órgão de auto-regulamentação a coibir excessos, cenas indesejáveis, nada edificantes, que não promovem a educação nem o progresso moral do nosso povo. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/10/1997 - Página 23075