Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLENCIA, A LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO E EXPRESSÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS. ATO DE PROTESTO, HOJE A TARDE, NO CENTRO DE SÃO PAULO, DA TORCIDA GAVIÕES DA FIEL, MARCANDO SUA REAÇÃO A SUSPENSÃO JUDICIAL DE SUAS ATIVIDADES LIGADAS AO FUTEBOL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLENCIA, A LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO E EXPRESSÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS. ATO DE PROTESTO, HOJE A TARDE, NO CENTRO DE SÃO PAULO, DA TORCIDA GAVIÕES DA FIEL, MARCANDO SUA REAÇÃO A SUSPENSÃO JUDICIAL DE SUAS ATIVIDADES LIGADAS AO FUTEBOL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/1997 - Página 25580
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, VIOLENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FUTEBOL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • QUESTIONAMENTO, CONSTITUCIONALIDADE, DECISÃO JUDICIAL, PROIBIÇÃO, PRESENÇA, INSTITUIÇÃO ESPORTIVA, FUTEBOL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OFENSA, DIREITOS, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ORGANIZAÇÃO.
  • ANUNCIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OPOSIÇÃO, DECISÃO JUDICIAL.
  • DEFESA, ORGANIZAÇÃO, CIDADÃO, EXPECTATIVA, INICIATIVA, MEMBROS, INSTITUIÇÃO ESPORTIVA, COMBATE, VIOLENCIA.

           O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Emilia Fernandes, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de falar, hoje, sobre uma questão que muito tem preocupado a sociedade brasileira, em São Paulo em especial, mas também em outros lugares do Brasil. Refiro-me à violência, à liberdade de organização e de expressão, obviamente um dos pontos fundamentais da nossa Constituição, e às torcidas organizadas.

           Houve muitas cenas de violência em nosso futebol. Em inúmeras ocasiões, torcidas como a do São Paulo, a do Palmeiras, a do Corínthians, a do Santos e a da Portuguesa, por exemplo, em São Paulo, e, nos outros Estados, a do Internacional, a do Grêmio, a do Flamengo, a do Vasco, a do Fluminense, a do Botafogo, enfim, as torcidas dos grandes clubes de futebol acabaram exibindo cenas de violência em defesa de seus times, de seus jogadores, mas, infelizmente, com abusos que levaram, em alguns episódios, algumas pessoas, minoritárias nas torcidas ou até mesmo não componentes das mesmas, a realizarem atos de vandalismo.

           Quando Luiza Erundina de Sousa era Prefeita de São Paulo, houve um momento em que os próprios ônibus públicos municipais passaram a ser objeto de depredação. A Prefeitura, que colocava os ônibus com maior facilidade nos estádios do Morumbi e do Pacaembu, de repente percebeu que aqueles ônibus, logo após as partidas, acabavam sendo objeto de depredações. Então, foi tomada uma atitude por parte da Prefeita e de seus secretários municipais - na época, o responsável pela área de comunicações era Chico Malfitani -, que resolveram entrar em contado direto com as torcidas organizadas, como, por exemplo, com a Gaviões da Fiel.

           A partir daquele diálogo, as torcidas resolveram adotar, elas mesmas, atitudes mais civilizadas, de não violência por parte de todas as pessoas. Com isso, praticamente foi eliminada a violência contra os ônibus. Quero registrar isto, tendo em vista a decisão tomada nesta semana, que gerou grande preocupação em São Paulo: um juiz resolveu proibir a torcida Gaviões da Fiel de estar presente, com seu uniforme e sua banda de música, nos estádios de futebol.

           Será que isto está de acordo com a Constituição, garante o direito à liberdade de expressão e de organização?

Na medida em que se quer proteger a população de quaisquer atentados de violência contra os cidadãos, obviamente essa seria uma ação correta. Por outro lado, se essas torcidas passarem a ter uma atitude que seja exemplo de civilidade, de movimentos pacíficos; se puderem transformar as suas ações em manifestações de alegria ou de tristeza, conforme o resultado dos jogos de futebol de seus respectivos times, conduzindo-se de forma exemplar e dando maior brilho às manifestações que constituem as grandes tradições do esporte brasileiro, teremos de dar até as boas-vindas à organização das torcidas dos times.

Hoje leio na Folha de S. Paulo um artigo de Rubens Aprobato Machado, que, como Presidente em exercício da Federação Paulista de Futebol, baixou uma resolução quebrando a espinha dorsal de organizações que, segundo ele, haviam desvirtuado seu propósito. Por isso, ele acabou proibindo o acesso e a permanência, nos estádios de futebol, de grupos de pessoas com a mesma indumentária ou portando materiais identificadores de agrupamentos.

Diz ele que, em decorrência, os atos de violência caíram quase a zero, como comprovam as estatísticas das autoridades policiais. Conclui ele em seu artigo que, como voltam ao noticiário essas torcidas, é conveniente conclamar-se tais organizações a mostrarem à sociedade, se tiverem, a sua face desportiva, pacífica e de estímulo à beleza do espetáculo, para buscar a sua absolvição perante o tribunal da opinião pública, porque sem isso não se pode permitir o retorno de uma situação já ultrapassada.

Srª Presidente Emilia Fernandes, acabo de conversar, por telefone, com o ex-Presidente e atual porta-voz da torcida Gaviões da Fiel, Alex Simão Luiz Araújo, que disse que, hoje à tarde, em São Paulo, haverá uma manifestação dessa que é a maior torcida organizada do País, que tem 58 mil sócios e promoverá esse ato de protesto no centro de São Paulo. A manifestação, chamada de festa cultural por seus associados, marca a reação da Gaviões à suspensão judicial de suas atividades ligadas ao futebol, determinada anteontem. Eles irão - inclusive, eles têm uma escola de samba - mostrar esse seu caráter pacífico, civilizado.

O porta-voz Alex convidou-me para, no dia 28, estar presente também numa outra manifestação. Infelizmente, tenho um compromisso em Ribeirão Preto no mesmo horário. Mas eu disse a ele que gostaria de expressar a minha opinião desta tribuna. Primeiro, se a Gaviões da Fiel - assim como todas as demais torcidas uniformizadas - quiserem dar um exemplo de civilidade, de organização colorida, uniformizada, com música, nos estádios de futebol, e de muito respeito à população e às demais torcidas, os espetáculos esportivos tornar-se-ão mais bonitos. Inclusive, se as pessoas souberem que essas torcidas organizadas vão-se portar de forma pacífica e civilizada, mais ainda terão vontade de assistir ao futebol com suas mulheres, seus filhos, suas crianças nos estádios. Ainda hoje, na Folha de S. Paulo, há uma foto de um típico torcedor, que, embora são-paulino, deixou de freqüentar os estádios e prefere assistir aos jogos pela televisão, pois, um dia, sua mulher foi ofendida no Estádio do Morumbi. Ora, na medida em que essas torcidas se dispuserem a dar o exemplo, muito melhor será o clima nos estádios.

Ainda neste último final de semana, houve um debate, pela Rádio CBN, no Rio Grande do Sul, entre as torcidas do Grêmio e do Internacional - a Senadora Emilia Fernandes saberá melhor do que eu sobre o fato, por ser gaúcha. Ouvi dos representantes de ambas as torcidas que, embora sendo muito rivais, elas têm procurado manter um clima de cordialidade, de civilidade e de não-violência nos estádios. Portanto, no Rio Grande do Sul, não se tem proibida a presença dessas torcidas organizadas nos estádios.

Quem sabe possam a Gaviões da Fiel e demais torcidas, como a do São Paulo, Palmeiras e Santos, torcida jovem e outras seguir esse exemplo do Rio Grande do Sul, onde as manifestações tão coloridas - a do Grêmio, azul, preto e branco e a do Internacional, vermelho e branco - sejam sempre bonitas e exemplos para as torcidas de outros estádios, a fim de que consigamos reduzir a violência em nossa sociedade.

Infelizmente, estamos assistindo diariamente em São Paulo a cenas de violência, de assaltos. É preciso que a nossa sociedade caminhe em sentido contrário. Para isso, precisamos resolver as causas, aquelas que estão relacionadas a tantas injustiças, às condições de miserabilidade. E tudo aquilo que puder colaborar para que o clima seja de maior civilidade e de menor violência é importante.

Portanto, quero saudar a atitude de uma torcida como a Gaviões da Fiel, que resolveu reagir no sentido de dar exemplo de colaboração para que haja um clima de paz nas torcidas.

Ressalto que a Gaviões da Fiel tem 28 anos e, em alguns momentos, tomou atitudes históricas. Em 1979, por exemplo, quando ainda se esboçava a campanha pela anistia geral, ampla e irrestrita, foi exatamente ela que levou ao Estádio do Morumbi, com 70 mil torcedores, onde jogavam Santos e Corínthians, uma enorme faixa pedindo a anistia, o que representou um fato político importante em defesa da liberdade de expressão.

É importante que a Gaviões da Fiel tenha o direito de existir como organização, sobretudo quando quer mostra-se pacífica, a fim de que os torcedores do esporte brasileiro, principalmente do esporte que é a nossa paixão, o futebol, manifestem-se nos nossos momentos de alegria e de tristeza de forma civilizada.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/1997 - Página 25580