Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A GARANTIA DE RESPEITABILIDADE E DIGNIDADE AOS NOSSOS APOSENTADOS. TRANSCURSO, DIA 24 DE JANEIRO ULTIMO, DO DIA NACIONAL DO APOSENTADO. COMENTARIOS A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 33, DE 1995, DE REFORMA PREVIDENCIARIA.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE A GARANTIA DE RESPEITABILIDADE E DIGNIDADE AOS NOSSOS APOSENTADOS. TRANSCURSO, DIA 24 DE JANEIRO ULTIMO, DO DIA NACIONAL DO APOSENTADO. COMENTARIOS A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 33, DE 1995, DE REFORMA PREVIDENCIARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/02/1998 - Página 2520
Assunto
Outros > HOMENAGEM. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, APOSENTADO, PENSIONISTA.
  • ANALISE, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, IMPLANTAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, BRASIL.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, BRASIL.

           O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, missão cumprida! Este seria bom título para um certificado de reconhecimento da Nação a cada brasileira e brasileiro que no dia 24 de janeiro, viu transcorrer a data destinada a homenageá-lo como cidadã ou cidadão que empenhou as próprias forças na construção deste Brasil gigante e que pode receber uma merecida homenagem no dia a ele consagrado.

           O Dia Nacional do Aposentado, desta vez, assinalou o 75.º (septuagésimo quinto) aniversário de criação da Previdência Social em nosso meio e nos levou a refletir, mais uma vez, sobre a angustiante - e até humilhante - situação de milhões de trabalhadores que se esgotaram na labuta diária, sem saber que iriam receber aposentadorias ou pensões em níveis incompatíveis com o tratamento digno do qual são merecedores. Também nos levou a refletir sobre a situação da Previdência Social que, apesar de septuagenária, continua a padecer de vícios, desvios e falcatruas que sangram seus cofres e privam o sistema de recursos necessários ao bem estar dos seus veneráveis dependentes.

           Assim, o Dia Nacional do Aposentado pareceu-me mais um marco na permanente luta pelo respeito aos direitos individuais do que uma data festiva. Esse marco lembra-nos que, caso a defesa dos direitos mais que legítimos daqueles trabalhadores inativos fosse alvo da mesma energia e da mesma ênfase destinadas atualmente a garantir os direitos humanos para os predadores sociais, veríamos, por certo, concretizar-se o preito de gratidão que lhes devemos. Um preito de gratidão que se materializaria em estabilidade econômica e social para 22 milhões de aposentados, pensionistas e reformados, que recebem benefícios do INSS ou de órgãos da União, dos Estados e dos Municípios.

           Em todas as formas de associação humana que buscam um objetivo comum, como o lazer coletivo ou a produção de bens e serviços, sempre podemos identificar, entre as mais sólidas e eficientes, aquelas que se preocupam em garantir condições de respeitabilidade e dignidade aos seus veteranos. A sabedoria e a experiência dos mais velhos constituem fontes de orientação segura, com a qual diminuem os riscos de repetir erros ou de enveredar por rumos inconseqüentes. Até as sociedades humanas mais primitivas exortavam a solidariedade entre seus membros ativos e inativos, mesmo porque a passagem de uma categoria para outra acontecia e continua a acontecer implacavelmente com o passar do tempo.

           Aliás, a vida de cada um de nós se desenvolve em fases inexoráveis: a infância, a adolescência, a maturidade, a velhice, o estudo, o trabalho, a aposentadoria, cada qual com belezas e feiúras, alegrias e tristezas, problemas e soluções. Todos nós passamos ou passaremos por essas fases. A felicidade está em usufruir cada momento, saboreando o que há de bom e exorcizando o que não convém, até que se chegue à aposentadoria escoimada da sensação de inutilidade social. Por isso, a Gerontologia Social enfatiza a importância de qualquer atividade, de qualquer tipo, mesmo após a aposentadoria, para o ser humano poder manter-se sadio psíquica, física e socialmente até a mais avançada idade. Todavia, falar em atividade profissional para idosos em países como o nosso, num mercado de trabalho cada vez mais refratário até para o trabalhador com apenas 40 anos, chega a parecer despautério. Na realidade precisamos, assim, de um seguro social que garanta pelo menos as mínimas condições de vida digna aos segurados. Sei que isto é custoso nas circunstâncias atuais e as dificuldades opostas à reforma previdenciária aí estão a demonstrá-lo. Mas, não será impossível, se todos, especialmente nós, os legisladores, nos convencermos da necessidade de mudanças legítimas e batalharmos por elas.

           Respeito as teses da oposição, quando se contrapõem à Proposta de Emenda Constitucional n.º 33/95, conhecida como “Reforma da Previdência”, que o Executivo enviou ao Congresso Nacional em abril de 1995 e que, depois de aprovada na Câmara, veio ter a este Senado Federal no ano seguinte. Mas, preferiria, ao invés do imobilismo defendido por alguns setores, que sua grita reforçasse a idéia de que quaisquer alterações deverão contemplar apenas o porvir, reforçasse a idéia de que quaisquer modificações não podem sequer arranhar direitos de quem já se aposentou ou está prestes a se aposentar. Afinal, todos nós sabemos que os direitos inscritos na Constituição, inclusive os dos aposentados, resultaram de um longo, doloroso e irreversível processo de conquistas da sociedade e cabe especialmente a nós, legisladores, zelar pela sua inteireza.

           Para refletir sobre o que está acontecendo com nossa Previdência, socorro-me de dados e conceitos emitidos pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Reinhold Stephanes, em sucessivos pronunciamentos, assim como em brilhantes artigos publicados na imprensa. Sua Excelência, reconhecido internacionalmente como um dos mais experientes técnicos no setor que dirige, tem ressaltado que, na realidade, embora sendo um sistema nascido vulnerável, tendo sido suspenso na década de 30, a Previdência cumpriu sua função até aqui. O INSS, o maior organismo do sistema, que atende 90% da população, ainda acolhe privilégios e é vítima de fraudadores, mas conseguiu sobreviver, superando sucessivas crises econômicas nacionais, retração do nível de emprego nos piores anos de recessão e incompreensões corporativistas. Melhor que isso: nunca atrasou o pagamento de um único benefício, apesar de sua folha mensal eqüivaler a mais do que o PIB de vários países.

           Lembra ele que “a Previdência Social é um seguro social profundamente injusto”, pois, na forma como está sendo praticada, o maior ônus para mantê-la recai sobre os que se aposentam mais tarde, por idade, e ganham menos. Há outras distorções que reforçam aquela tese, como, por exemplo, o que acontece no campo. A grande maioria dos trabalhadores rurais, que não contribuiu para a Previdência, mas tem seus direitos assegurados constitucionalmente, deveria ser sustentada na forma de assistência social, com recursos do Tesouro, e não com o dinheiro arrecadado do contribuinte, que pagou para se aposentar e esperava receber uma aposentadoria condigna.

           A viabilidade do sistema previdenciário no futuro depende de como soubermos utilizar os estudos feitos por atuários e demógrafos sobre o impacto financeiro de cada uma de suas regras. Tais análises determinaram os esforços do governo na busca de um esquema de financiamento próprio para os benefícios existentes, a fim de impedir que todo o sistema se veja ameaçado, caso seu crescimento aconteça sem a necessária contrapartida de recursos. Aqueles estudos baseiam-se na realidade atual, ou seja, nossa Previdência funciona em regime de repartição simples, pela qual há transferências de renda entre indivíduos da mesma geração, com os trabalhadores em atividade financiando os inativos. Todavia, está ganhando força a tendência de o regime de repartição simples transformar-se em capitalização individual, a exemplo do que já aconteceu em outros países. Com isso, esses países prepararam-se para obstar fatores de conflito social que poderão surgir após a virada do milênio, com fulcro exatamente nas injustiças produzidas por sistemas previdenciários insustentáveis.

           Como diz o ilustre Deputado Federal Roberto Campos (PPB/RJ), “um provocante autor - Lester Thurow - chega a afirmar que o grande conflito do século 21 não será mais o conflito marxista de classes e sim o conflito entre velhos e jovens dentro da mesma sociedade”. Com essa citação, o nobre parlamentar quis, em brilhante artigo publicado há pouco mais de um ano, na Folha de S. Paulo, ressaltar a importância do sistema de capitalização individual na Previdência para prevenir aqueles possíveis conflitos. O Chile foi pioneiro na adoção desse sistema, no qual os empregados aplicam suas contribuições em cotas de fundos de pensão, administradas competitivamente por empresas especializadas, livremente escolhidas. A contribuição dos empregadores transformou-se em aumento não inflacionário de salários, da ordem de 20%. O governo se limita a supervisionar o sistema, destituindo as más administradoras a fim de proteger o patrimônio dos trabalhadores. Além disso, garantirá um “mínimo vital” àqueles que, no final, não houverem conseguido acumular recursos suficientes para a própria subsistência. Nesses casos, o seguro social será convertido em “assistência social”. Conforme o preclaro legislador fluminense, a vinculação dos benefícios à poupança individual capitalizada elimina vários tipos de rapinagem e distorções. A competição leva as administradoras a procurar os melhores investimentos, diante da cobrança e fiscalização pelos cotistas. E, além do mais, por meio dos fundos, os trabalhadores tornam-se acionistas das Bolsas, o que significa democratização do capital.

           No Brasil, diversos fatos parecem indicar a conveniência da capitalização individual. Na década de 50, de acordo com os dados oficiais, a taxa de dependência indicava que 8 (oito) contribuintes financiavam um aposentado. Em 70, essa relação era de 4,2 contribuintes para 1 aposentado. Nos anos 90, temos 2,3 contribuintes trabalhando para 1 aposentado. E, mantidas as atuais regras, a proporção será de 1 para 1 no ano 2020. As mudanças demográficas em curso fazem aumentar ainda mais as preocupações, pois as estatísticas indicam acentuado envelhecimento da população. Nas últimas décadas, houve queda na taxa de fecundidade e aumento de 3,5 anos na expectativa de vida do brasileiro, que hoje é de 66 anos ao nascer. Ainda conforme as estatísticas, aos 55 anos de idade, por exemplo, a expectativa de sobrevida dos homens brasileiros é de cerca de 18 anos e a das mulheres de 22 anos. Isto significa que, ao alcançar 55 anos, um homem tem uma esperança de vida média de 73 anos e uma mulher de 77 anos.

           Entretanto, apesar das inúmeras dificuldades, a Previdência Social brasileira chega aos 75 anos podendo ufanar-se de muitas conquistas e números fabulosos. Por exemplo, em 1993, 66% dos beneficiários ganhavam um salário mínimo, percentual que está em 53% agora. Além disso, o Plano Real suprimiu a perda de 11% ao mês que os aposentados sofriam com a inflação.

           No mês de dezembro de 1997, foram gastos R$ 3.878.562.589,48 no pagamento de 17.473.840 benefícios, inclusive 13.º salário. Desses benefícios, 5.892.188 são rurais e 11.581.652 são urbanos. Os pagamentos aos aposentados por “tempo de serviço” somaram R$ 1.533.000,00, correspondendo a 39,52% do total. O segundo lugar em importância foi ocupado pelo pagamento de pensões, com 834 milhões de reais. Finalmente, as aposentadorias “por idade” ficaram na terceira posição, com 719 milhões de reais pagos. Ainda em dezembro de 1997, a concentração de pagamentos continuou maciçamente na faixa de 1 salário mínimo, correspondendo a 8.724.467 benefícios, ou seja, 49,93% do total.

           É de se notar que, segundo a publicação oficial “Perfil dos Benefícios Emitidos pela Previdência Social” n.º 30, relativa ao mês de dezembro, 66 (sessenta e seis) segurados receberam benefícios com valores superiores a 100 salários-mínimos, isto é, R$ 12.000,00 (doze mil reais) cada. Pergunto: será tão difícil assim verificar cuidadosamente a lisura de 66 benefícios num universo de quase 17,5 milhões? Lembro, portanto, que a existência desses 66 privilegiados não é suficiente, por si só, para motivar e justificar a pretendida reforma constitucional.

           Entre os avanços da Previdência, podemos computar o valor médio dos benefícios, que passou de R$ 177,89, em janeiro de 1996, para R$ 199,19, em janeiro de 1997, e, em dezembro último, ficou em R$ 221,96 com o pagamento do 13.º salário. Outro dado importante é o de que 85% da população com idade acima de 70 anos recebem benefícios previdenciários.

           Para que tudo isso ocorra, a Previdência redistribui o dinheiro recebido de 23.260.000 contribuintes, dos quais 18.790.000, isto é, 80,8% são empregados e 4.470.000 (19,2%) são contribuintes individuais. Considerando o total, 14.410.000 contribuintes são homens, ou seja, 61,95%, e 8.180.000 são mulheres, eqüivalendo a 35,18%. Aliás, tais números refletem a composição geral do mercado de trabalho no tocante aos sexos.

           O inesquecível poeta Jorge Luiz Borges, que viveu de 1899 a 1987, disse em seus “Instantes”:

           “... Se eu pudesse viver novamente a minha vida, correria mais riscos, contemplaria mais entardeceres... teria mais problemas reais e menos problemas imaginários... Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos. Não os perca agora”.

           Pois bem, no Dia do Aposentado, tivemos momentos sublimes de homenagens, comemorações e glórias. Deixamos os problemas reais da Previdência resvalarem, mesmo que por um instante, para o campo do imaginário e pudemos viver aqueles momentos em toda a plenitude. Reverenciamos aqueles que nos antecederam, abrindo ou alargando os caminhos que percorremos, os mesmos caminhos a serem seguidos pelos que nos irão suceder. Não perdemos aqueles momentos de exaltar o justo descanso do trabalhador inativo, o merecido repouso de nossos verdadeiros heróis.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/02/1998 - Página 2520