Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DE CALAMIDADE PUBLICA NOS MUNICIPIOS DO VALE DO JEQUITINHONHA, CASTIGADOS PELA SECA. NECESSIDADE DE EMPENHO DO GOVERNO FEDERAL PARA AMENIZAR A SITUAÇÃO DE PENURIA POR QUE ESTA PASSANDO A POPULAÇÃO DO NORTE DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • SITUAÇÃO DE CALAMIDADE PUBLICA NOS MUNICIPIOS DO VALE DO JEQUITINHONHA, CASTIGADOS PELA SECA. NECESSIDADE DE EMPENHO DO GOVERNO FEDERAL PARA AMENIZAR A SITUAÇÃO DE PENURIA POR QUE ESTA PASSANDO A POPULAÇÃO DO NORTE DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/1998 - Página 5178
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • APREENSÃO, CALAMIDADE PUBLICA, SECA, VALE DO JEQUITINHONHA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ANALISE, DADOS, PERDA, SAFRA, PRODUÇÃO AGROPECUARIA, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, FOME, MISERIA, POPULAÇÃO, MUNICIPIOS.
  • EXPECTATIVA, AUXILIO, GOVERNO FEDERAL.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, inicialmente, agradeço ao eminente Senador Carlos Patrocínio a permuta.

Trago ao Senado Federal uma preocupação que se alastra hoje por toda a população do Vale do Jequitinhonha, do norte de Minas e do Vale do Mucuri.

Temos aqui jornais da imprensa mineira descrevendo a situação de calamidade pública que está atingindo a região do Vale do Jequitinhonha. Uma manchete diz o seguinte: “Seca prolongada cultiva pobreza e afeta safras no Jequitinhonha”; “Seca fora de época castiga o Jequitinhonha”; o Estado de Minas diz: “Seca prolongada causa estado de emergência”; o Diário do Comércio: “Outono começa com alteração climática”, descrevendo a situação da seca e as providências iniciais tomadas pela Defesa Civil do Estado; em outro jornal: “Epidemia se alastra no Vale”.

Sr. Presidente, a seca está atingindo a região do Vale do Jequitinhonha e o norte de Minas Gerais. Na semana passada, trouxe ao conhecimento do Senado Federal e do Governo Federal o grande drama da população.

Os dados são assustadores. São os resultados provenientes dessa seca. A safra de feijão está totalmente perdida. Com relação à colheita do milho, houve uma redução de 90% em relação ao ano passado. Basta lembrar que a agricultura, no Vale do Jequitinhonha, é basicamente a subsistência daquela população. Na pecuária leiteira, houve uma queda de 35% na produção. Existem cerca de 3 mil flagelados somente em um Município, na cidade de Rubelita. Essa situação vem se repetindo a cada ano. O Vale do Jequitinhonha não é conhecido apenas como o vale da pobreza por toda a Minas Gerais e todo o Brasil, mas pela situação em que vivem cerca de 1 milhão de pessoas praticamente à margem dos benefícios que possam surgir do Poder Público estadual e federal, em estado que nos traz grande preocupação.

Por isso estamos trazendo essa situação para mostrar que hoje, englobando os Municípios do Vale do Jequitinhonha, os Municípios do Mucuri e os Municípios do norte de Minas, temos cerca de 101 Municípios em nosso Estado que estão em situação grave. Associada à seca, a epidemia da dengue também está assolando a população do Vale do Jequitinhonha, provocando índices alarmantes da doença em vários Municípios como Itaubim, Pedra Azul, Jequitinhonha, Almenária, Icaraí de Minas, Comercinho, Berílo, Joaíma, Araçuaí, Rubim e ainda nos Municípios de Monte Azul, Grão Mogol, Espinosa, Fruta do Leite, Taiobeiras, Rio Pardo de Minas, entre outros. Essa é a situação, que se agravou nos últimos dias.

Outro dia, o Senador Ney Suassuna ocupava a tribuna discursando sobre a seca. S. Exª até fez uma demonstração, em frente ao prédio do Congresso Nacional, com um monte de latas, mostrando a situação da seca no Estado da Paraíba. Certamente a situação do Vale do Jequitinhonha, diria a V. Exª, é muito pior, muitas vezes, do que a seca que assola o Nordeste e o Estado de V. Exª.

Os Municípios que estão em estado de emergência, homologados pelo Governo do Estado, são: Bocaiúva, Botumirim, Jequitaí, Cristália, Riacho dos Machados, Pedras de Maria da Cruz, Berilo, Martins Soares, Durandê, Monte Azul, Rubelita, Araçuaí, Chapada do Norte, Comercinho, Jaíba, Rubim, Santo Antônio do Jacinto, Turmalina, Virgem da Lapa, Acaraí e outros.

Com relação ao problema da produção agrícola do Vale do Jequitinhonha, a situação tornou-se realmente de calamidade pública. O algodão teve perda de 62% na produção; o arroz, de 50%; o feijão, de 80%; o milho, de 60%; o café, de 30%, e o leite, de cerca de 30%. Essas lavouras representam a subsistência da região pobre do Vale do Jequitinhonha, cuja população, com essas perdas na safra agrícola, não tem o que comer. Está faltando comida em suas mesas. Esse estado de emergência, essa situação que trago ao Senado mostra com exatidão a omissão das nossas autoridades. Trata-se de um grito de socorro que fazemos ao Governo, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque não podemos deixar morrerem de fome essas pessoas que já estão sofrendo tanto por causa das epidemias, em uma situação de emergência e calamidade pública.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª JUNIA MARISE (Bloco/PDT-MG) - Concedo, com prazer, o aparte ao eminente Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB.) - Quero me solidarizar com V. Exª porque essa é realmente uma situação para a qual temos de achar solução. Fiz oito discursos sobre a seca no Nordeste. Fui à Sudene, ao DNOCS, à Secretaria do Ministro Catão e, lamentavelmente, não houve resultado porque não havia verba e não houve solução. Pedi uma audiência com o Presidente da República à qual compareci com o Governador, e Sua Excelência se comprometeu a liberar recursos orçamentários para barragens, poços etc. Avisei ao Presidente que iria fazer o protesto não para me colocar contra Sua Excelência, uma vez que havia concordado, mas exatamente para acelerar nossa burocracia, que é lerda e paquidérmica, e até que cheguem os recursos o povo já morreu. Escolhi a lata porque hoje, na Paraíba, além de tudo o que V. Exª falou, não temos um pingo de água para beber em 61 cidades.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG) - No Vale do Jequitinhonha as pessoas estão andando quilômetros com uma lata na cabeça para buscar água.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Sessenta e uma cidades estão sendo abastecidas por carros-pipa que trazem água de péssima qualidade, poluída. Se dois terços da população do meu Estado vive com a lata na mão, por que eu, que os represento, não posso pegar na lata e fazer um protesto? Fiz e V. Exª está coberta de razão ao reclamar. No limiar do século XXI, é vergonhoso que, na oitava economia do mundo, a população se coloque de lata na cabeça em uma fila humilhante para pegar um pouco d’água. É inacreditável. Creio que há solução, mas falta vontade política. Por isso parabenizo V. Exª: por estar fazendo esse protesto verbal. Lamentavelmente, só quando se faz alguma coisa bem diferente é que a Imprensa representa, registra e divulga. Por exemplo, se não fosse a tentativa de expor ao ridículo um Senador que pegava em uma lata e escorregava, não teria havido a divulgação de que hoje milhões de pessoas na Paraíba estão passando fome e sede, porque fome e sede não chamam a atenção nem vendem jornal, o que é lamentável. É essa a nossa triste realidade, e assim se comporta a burocracia. V. Exª está coberta de razão ao clamar por justiça e gritar desesperada um grito de socorro por essas populações que representa. Parabéns.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG) - Senador, somos grandes aliados nessa luta: V. Exª, com sua sensibilidade, representando o sentimento do povo do seu Estado, que vive nessa penúria há muitos anos, e eu, como representante de Minas Gerais nesta Casa, conhecendo de perto a situação do Vale do Jequitinhonha, colocando-me ao lado daquela população, que, sem voz, não tem como levar o apelo até o Presidente da República. Cabe a nós Senadores, que representamos os Estados - a Paraíba, muito bem representada por V. Exª - e que dispomos desta tribuna, fazer com que a população de nossos Estados, principalmente a do vale do Jequitinhonha, seja ouvida pelo Presidente da República e pelo Brasil inteiro.

Trago aqui, ainda, ofícios de vários Municípios do Vale do Jequitinhonha. Os prefeitos os encaminharam, por fax, ao meu gabinete.

O Prefeito de Monte Azul diz que “através do Decreto nº 010, de 18 de março de 1998, foi decretada situação de emergência em todo o Município de Monte Azul”. Diz, ainda, que “os trabalhadores rurais enfrentam uma situação mais caótica ainda, pois constituem um segmento que não possui reserva estratégica e acaba se entregando ao desemprego em massa, com conseqüente desnutrição e entregues ao risco de todo e qualquer tipo de doença. O único rio que cruza o município ao meio encontra-se completamente seco”.

O Prefeito de Virgem da Lapa diz que está faltando água em quase todas as comunidades do Município. A pecuária está totalmente prejudicada pela falta de água e de pastagens, e os produtores são obrigados a vender o que ainda possuem por preço muito baixo.

O Prefeito de Berilo diz que decretou situação de emergência no Município, durante o período de noventa dias, por considerar dever do Poder Público proporcionar ampla assistência à população vitimada por fenômeno de inclemência da natureza.

Também no Município de Turmalina, em face de tantas dificuldades e da seca incontrolável, o governo municipal não encontrou outra alternativa senão decretar situação de emergência.

No Município de Comercinho foi decretado situação de emergência através do Decreto nº 04/98.

O Prefeito de Fruta do Leite também manifesta a sua apreensão pela seca que assola aquele Município, pois é difícil conseguir água até para uso doméstico.

Também o Município de Grão Mogol vem sofrendo com a seca que assola toda a região. Rios e córregos estão secos -- uma média de oito. Todas as roças, com exceção das localizadas na região de São José, estão perdidas. Há aproximadamente quatrocentas famílias na zona rural com problema de água.

A Prefeita de Araçuaí diz que “o Município vem sofrendo demasiadamente com a seca. O quadro de situação em que se encontra o meio rural promete piorar ainda mais, pois não temos perspectivas de chuvas até o mês de novembro.”

Em breve relato, diz a prefeita que a situação faz lembrar muitas regiões nordestinas que se encontram na mesma situação.

Os Prefeitos de Joaíma e Taiobeiras também enviam cópia do documento que decretou a situação de emergência naqueles Municípios. O rio Pardo já está quase seco e muitos córregos da região, que nunca secaram, já estão totalmente secos.

Essa é a situação no Vale do Jequitinhonha.

O Prefeito de Espinosa também manifesta sua apreensão e pede providências ao Governo no sentido de enviar cestas básicas para matar a fome da população, bem como recursos, a fim de que o Município possa superar as dificuldades. Ele faz uma demonstração do volume de água no rio que abastece a cidade e que já está com 38.000m3.

O Prefeito de Rio Pardo de Minas também decretou estado de calamidade pública e envia cópia do decreto.

No Município de Santo Antônio do Jacinto, a seca tem sido um dos problemas mais graves. A população rural, de 6. 800 habitantes, está sofrendo com as conseqüências dramáticas dessa seca.

Manda o Prefeito a cópia do decreto que instituiu o estado de emergência naquele Município.

Está aqui também o fax de Icaraí de Minas, em que o Prefeito demonstra também as suas agruras, principalmente com relação às endemias que estão colocando em risco a saúde da população.

Essa é a situação, Sr. Presidente, também do Município de Rubelita, cujo Prefeito nos envia também cópia do documento que decretou situação de emergência em todo o Município.

Quero dizer, concluindo, que ainda hoje vou encaminhar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso cópia de todos esses documentos através dos quais os prefeitos dos Municípios do Vale do Jequitinhonha, em estado de calamidade pública, em estado de emergência, pedem imediatas providências e apoio ao Governo Federal.

Sr. Presidente, há 40 anos o Vale do Jequitinhonha reivindica a sua inclusão na área da Sudene, pelas razões que já expusemos nesta Casa durante toda a tramitação do projeto que foi aprovado por unanimidade no Senado e na Câmara dos Deputados.

           Em razão de emenda aprovada na Câmara dos Deputados incluindo alguns municípios do norte do Espírito Santo, o projeto voltou ao Senado, que deverá deliberar, finalmente, nos próximos dias, sobre a decisão de incluir o vale do Jequitinhonha na área da Sudene.

           É importante e fundamental que possamos abrir caminhos para socorrer esses municípios assolados pela seca, que ocorre ano a ano, e que vem causando grande prejuízo à lavoura do Vale do Jequitinhonha.

           Todos nós temos consciência das disparidades regionais existentes em nosso País. Constatamos, dia a dia, que há em nosso País regiões mais prósperas, mais desenvolvidas, assim como regiões pobres que se assemelham às mais pobres do mundo.

           O Vale do Jequitinhonha, conhecido como o vale da pobreza, é uma região que tem um subsolo rico, mas que não lhe propicia os mecanismos e as condições para que ele possa se desenvolver, tendo em vista a escassez de recursos que, todos os anos, são liberados para os desafios daquela região.

É preciso que, neste momento, o Governo assuma a posição de socorrer as vítimas da seca no nosso País e, também os municípios que estão sendo vitimados pela seca e que estão aguardando, por meio de uma determinação da vontade política do Presidente, a liberação imediata de recursos para atender aos municípios que pleiteiam cestas básicas para matar a fome daquela população que não tem como sobreviver, diante da situação que atingiu toda a lavoura do Vale do Jequitinhonha. Mais do que isso, recursos para que possamos construir as minibarragens em toda a região do Vale do Jequitinhonha, do Mucuri e do norte de Minas. Só assim aquela população poderá enfrentar, todos os anos, os períodos da seca e minimizar as suas conseqüências.

Se não houver uma ação política efetiva neste momento, estaremos vivenciando, no nosso País, o verdadeiro apartheid social que, certamente, levará as populações do Vale do Jequitinhonha e do Nordeste brasileiro atingidas pela seca a uma situação de apartheid social. Não estou exagerando, não estou aqui falando de uma situação inexistente, nem fazendo retórica com a pobreza do Vale do Jequitinhonha.

Estou aqui, Sr. Presidente, trazendo uma palavra de solidariedade àquela gente sofrida, elevando minha voz em seu nome para pedir socorro ao Governo, que esperamos que atenda ao nosso apelo. Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso ouvir meu apelo, hoje ou amanhã voltarei a esta tribuna para dizer que Sua Excelência atendeu à população vitimada pela seca do Vale do Jequitinhonha. Não importa a questão eleitoral; importa dar um alento à população sofrida daquela localidade.

Sr. Presidente, encaminharei toda essa documentação ao Presidente Fernando Henrique Cardoso para que Sua Excelência , deixando um pouco de lado suas preocupações com a eleição, tenha alguns momentos de reflexão diante da realidade que pesa hoje sobre um milhão de pessoas do Vale do Jequitinhonha. Gostaria que ele dedicasse alguns minutos do seu tempo à população do Vale do Jequitinhonha para refletir sobre o assunto. Bastaria ao Presidente dizer: vamos socorrer esse povo, não vamos deixá-lo morrer de fome. Bastaria vontade política para atender à população do Vale do Jequitinhonha.

Sr. Presidente, queremos aqui, mais uma vez, reforçar esse sentimento de preocupação que domina hoje os prefeitos municipais do Vale do Jequitinhonha, do norte de Minas e da região do Vale do Mucuri, que diz respeito à vida daquela população. Mais do que isso, são preocupações quanto à sobrevivência das nossas crianças e das famílias que estão sendo atingidas pela seca neste período. A seca continua sendo o drama dessa população e, até hoje, não se fez nada por essas pessoas. Está na hora de se fazer alguma coisa para minimizar essa situação de emergência e calamidade pública. 

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/1998 - Página 5178