Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. APOIO A GREVE NACIONAL DOS PROFESSORES.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.:
  • CRITICAS AO GOVERNO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. APOIO A GREVE NACIONAL DOS PROFESSORES.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1998 - Página 7803
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, APOIO, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, BENEFICIO, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, CREDOR, DIVIDA PUBLICA, BRASIL, PREJUIZO, POLITICA SOCIAL, RECURSOS, SAUDE PUBLICA, EDUCAÇÃO, COMBATE, SECA.
  • ANALISE, PROBLEMA, UNIVERSIDADE FEDERAL, REIVINDICAÇÃO, REPOSIÇÃO, SALARIO, PROFESSOR, APREENSÃO, FALTA, CONCURSO PUBLICO, CONTRATAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO, APOSENTADORIA.

O SR. LAURO CAMPOS(Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, gostaria de não precisar pronunciar as palavras que anunciarei desta tribuna, como também gostaria de ser cidadão de um país que não usasse a prática que o Brasil usa e que nos obriga a proferir palavras que preferia fossem silenciadas.

Atento a todos os pronunciamentos e sem fazer nenhuma das minhas inúmeras observações, contive-me em meu silêncio e pude observar que realmente, da leitura do Código de Ética, que o Correio Braziliense publicou em boa hora, até as manifestações anteriores sobre a crise que atinge o norte de Minas e todo o Nordeste brasileiro, envolvendo nove milhões de seres humano, aos pronunciamentos realizados por Sua Excelência, o Presidente FHC, tudo tinha, do meu ponto de vista, de acordo com a minha observação, um fio condutor, uma linha comum, uma preocupação que também está presente na minha fala. E ali, meditando sobre o que se falava, eu pensava se não preferiria ser o Senador da banda podre deste País. Afinal de contas, será que eu poderia ser esse Senador? Se eu quisesse aproveitar o meu mandato, deveria sê-lo, porque a banda podre é a banda do coração deste Governo. O Governo sabe salgar e dar atenção à banda podre, que ajuda a manter e a desenvolver. Por exemplo: para quem ficou a grande banda podre dos bancos? O Governo ficou com essa banda podre, mostrando que a prefere, e entregou aos privilegiados, aos banqueiros nacionais e internacionais, a banda boa ao privatizá-la. Ele colocou na banda podre, só no caso do Banespa, R$29 bilhões.

O Governo prefere a banda podre, mas eu não posso representá-la, porque sou Senador da Oposição. Outro exemplo dessa banda podre foi citado em declaração feita no ano passado: “Agora terminou a fisiologia”, conforme dito por Sua Majestade, o Presidente da República. Então antes havia fisiologia? Mas não terminou não, porque agora volta Sua Excelência a falar na banda podre, a falar dos conchegos e conchavos que continuam a exercer o seu poder deletério sobre o Legislativo.

A banda podre parece realmente ser a preferência deste Governo, senão, não poderia ele aumentar a taxa de juros no Brasil, que já era a maior do mundo - e tive a oportunidade de mostrar aqui outro dia que ela não é apenas duas vezes maior que a maior do mundo, ela é, em relação ao mundo civilizado, sete vezes maior que a maior do mundo. A preferência é pela banda podre do Sistema Financeiro Internacional, que ameaçava nos abandonar, que ameaçava deixar as reservas e a especulação no Brasil, entretanto, o Governo brasileiro, querendo proteger e afirmando que este capital internacional volátil e voraz é essencial a este Governo, fez essa elevação fantástica da taxa de juros, porque a banda podre especulativa nacional e internacional é a prioridade envergonhada, mas permanente. E o Governo é fiel e essa banda podre, especulativa, bancocrática e que agora mostra a crise no sudeste asiático, atingindo em cheio o imperialismo senil e as suas manifestações pulsáteis e especulativas.

O Governo, obviamente, manifesta a sua preferência por essa banda e afirma que deve-se fazer assepsia, como se esta devesse ser feita apenas sobre o comportamento do Legislativo. Se o Legislativo precisa de assepsia, é porque vende ao Governo os seus votos e, ao vendê-los, inquina esta Constituição de vícios que a tornam incapaz de ser imposta e aceita pela sociedade brasileira. Trata-se de uma Constituição fruto da corrupção e de relações espúrias, de bandas podres e de falta de assepsia.

Será que devemos nos ajoelhar diante do império dessa lei, obedecê-la como se fosse o produto da vontade de um povo livre ou devemos nos precaver contra esses acontecimentos e não nos considerarmos seres que devem obedecer ao império sagrado das leis e das constituições assim elaboradas?

Mas sou Senador de uma banda que o Governo considera podre, sou Senador dos professores. Esses, sim, que privilégios tiveram? Estão movendo uma greve que o Governo não escuta, como não escutou a greve dos petroleiros, embora tenha mentido para eles ao prometer um reajuste numa data mais oportuna que não prejudicasse o combate à inflação. E novamente diz que, se a reforma da Previdência não passar, voltará a inflação, o dragão inflacionário que o Governo usa como um de seus instrumentos para ilaquear e aumentar a banda podre de seu discurso.

Em outra oportunidade, farei um discurso sobre o que disse o Presidente da República, no Hospital Sara Kubitschek, sobre a mentira, que S. Exª disse que pratica e que é, de certa forma, uma das obrigações do governante. Vou pinçar esse tema e analisá-lo em diversos autores, a partir de Francis Bacon, no século XVI, por exemplo, passando por outros que se preocuparam com a questão da mentira, inclusive Jean Paul Sartre, no Capítulo II, de seu L’être et le Néant. Agora, quero falar sobre aqueles que mentem sociologicamente, aqueles que são obrigados, maxweberianamente, a mentir e que diferenciam suas mentiras da mentira vulgar dos caipiras e dos pouco letrados. Prefiro os engodos das mentiras dos poucos letrados à mentira dos doutos, porque a mentira dos doutos é consciente.

A banda podre esquecida, a banda apodrecida pela fome, a banda apodrecida por 49% de reposição salarial que o Governo nega, a banda que foi esquecida em sua depauperização, em seu empobrecimento, em sua morte, dessa o Governo não quer saber porque existe uma lógica nova, perversa, que domina as ações deste Governo e que dominou as ações do Governo Collor, é obviamente a lógica da globalização. Na armadilha da globalização, um livro recentemente traduzido, poderemos acompanhar as pegadas desse processo, a sua perversidade internacional e o custo internacional da aplicação dessas medidas.

Portanto, é óbvio que existe agora uma nova lógica, é a lógica que obriga a achatar salários, a demitir funcionários públicos e a proteger banqueiros, retirando do salário dos trabalhadores que ganham R$130,00 - quando ganham, porque é um dos mais baixos salários do mundo e da América Latina, retirando de seu esqueleto, porque a carne já foi há muito tempo - os magros recursos para entregar aos banqueiros internacionais, como fez agora com o aumento da taxa de juros. O aumento da taxa de juros, do serviço da dívida pública, obviamente vai beneficiar banqueiros e especuladores que detêm papéis da dívida pública, com R$24 bilhões em apenas um ano.

Por isso, não sobra dinheiro para combater a seca, para erradicar a dengue; e aqueles que são vítimas da dengue e da seca não poderiam, de forma alguma, continuar a ajudar a alimentar o sistema especulativo nacional e internacional, prioridade número um deste Governo. O Governo esquece que Adib Jatene havia premonitoriamente afirmado que a dengue vinha por aí. E assim aconteceu e se alastrou, e o Governo disse que quem fala sobre essas coisas é “demagogo”. É demagogia ser solidário com o próximo, para aqueles que não conhecem a solidariedade humana. O poder é solitário, o poder não tem o outro. Portanto, para quem ignora o outro, o próximo, um gesto de solidariedade humana é demagogia.

Estou tranqüilo a esse respeito, nunca mais disputarei uma eleição. Nunca mais pretendo votos e, portanto, falar pescando votos. Não tenho nenhum receio de que seja verdadeira, tenha um laivo de verdade, a acusação que parte do Governo de que o nosso discurso em defesa dos professores que estão em greve ou em defesa daqueles que foram vítimas da aedes aegypti, cultivada como uma parte da banda pobre deste Governo, que cresceu sem ser incomodada, seja demagogia. Não vou nem me referir às doenças que estão vindo por aí, porque as que já vieram foram suficientes. Entretanto, não posso deixar de mencionar as doenças medievais que voltaram a habitar a modernidade, o neoliberalismo: a tuberculose, a lepra, a dengue.

Gostaria apenas de citar o problema que atinge as universidades federais no Brasil: cinqüenta e duas instituições se encontram em greve, reivindicando 48,65% não de aumento, mas de reposição, para tentarem restituir uma situação que existia antes do reino de FHC se instalar sobre a terra.

Quando era professor universitário, em 1976, por exemplo - não acredito nessas estatísticas -, recebi o meu contracheque e, no mesmo dia, fui contemplado com um carro de consórcio, uma Belina. Mostrei à minha esposa a coincidência, pois o meu ordenado correspondia a um carro zero quilômetro. Eu era professor da Universidade de Brasília! Hoje, um professor titular, que precisa ter não apenas o curso de mestrado, como também o de doutorado e pós-doutorado para ser titular da Universidade de Brasília, não ganha o equivalente a um carro zero quilômetro, que seria o correspondente a mais ou menos R$16 mil, não ganha nem o equivalente a uma roda por mês.

Desse modo, as reivindicações reais são apenas extra-oficiais das estatísticas oficiais desse período de Governo FHC. É uma dívida FHC que se soma a imensa dívida, ao custo FHC que estamos pagando no Brasil para que ele reine tranqüilo no mundo que ele diz ser equilibrado e sem inflação.

Pois bem, quem deixa de receber 48% do que lhe é devido no mês é como se a inflação sobre ele fosse de 48% ao mês. Ele está perdendo, deixando de receber 48%. Então a inflação para um professor é de 48% ao mês. É a sua perda mensal de salário.

O professor Fernando Henrique Cardoso, que se aposentou com 38 anos de idade ou foi aposentado com 38 anos de idade - para fazer mais justiça -, recebe, as informações não são muito precisas, R$5.800 por mês da USP. São R$5.800. Realmente Sua Excelência deve ser contra essas aposentadorias gordas e precoces, porque se aposentou com 38 anos de idade. Aposentei-me com 40 anos de serviço. Nunca requeri aqueles 20%, chamados “pé-na-cova”. Minha mulher aposentou-se com 44 anos de serviço público. Portanto, também estou com a consciência tranqüila. Mas quem não está e que se considera o metro do mundo, quem entende que o mundo deve segui-lo como modelo, pensa que nós, os aposentados, não somos uma parte dessa banda esquecida - que ele gostaria que estivesse mais podre - do Brasil. Mas está magra, está faminta, está famélica e tem que, necessariamente, agora, se reunir para protestar, usando um direito de legítima defesa da vida, por meio de greves; usando um direito de legítima defesa da vida por meio das ações de um MST; usando um direito de legítima defesa da vida diante da fome, da seca, que atinge o Nordeste impunimente. Depois que transformaram a questão em política, o Presidente foi lá para ver a seca um pouco mais de perto.

Pois bem, o que acontece agora com esse sucateamento não apenas das indústrias nacionais, do comércio nacional, mas também do saber nacional? O que acontece é realmente impressionante! Substituíram professores de carreira, que se aposentaram, por professores temporários. Os professores de carreira correm para a aposentadoria. Eles ganham tão pouco e, com medo de que as coisas piorem, aposentam-se. O mesmo ocorre com os funcionários. Quando se aposentam, escapam do cutelo, da faca do Governo. Há os que dizem: “Olhem o inchaço dos aposentados! Ninguém agüenta esse percentual de aposentados em relação aos da ativa”.

Foi este Governo que expulsou prematuramente os trabalhadores e os professores da ativa para que encontrassem o “guarda-chuva” da aposentadoria, que também não é respeitada. E agora? Os professores de carreira estão sendo substituídos pelos temporários, sem concurso, sem qualificação demonstrada, sem coisa alguma. Professores sem Carteira de Trabalho também! É a mesma lógica, é a mesma coisa. Essa é uma invenção do neoliberalismo.

Note-se que cerca de 70% das pesquisas são realizadas nas universidades federais, onde se encontram apenas 30% dos alunos de nível superior do País. Realmente, estão conseguindo acabar com o ensino superior, privatizando e enchendo os bolsos da indústria e do comércio do saber.

O Governo Fernando Henrique Cardoso está ameaçando cortar o ponto dos professores em greve, suspendendo o salário do mês de maio dos grevistas. O movimento docente, no entanto, está muito forte em sua determinação de lutar por melhores salários e por uma educação superior de qualidade, que atenda aos anseios e às necessidades da sociedade.

O que ocorre realmente neste País é que essa cartilha neoliberal, imposta de fora para dentro pelo FMI e por seus sequazes, atingiu a Constituição, as leis, todas as camadas empobrecidas da sociedade.

Assim, a mentira estatística, para esconder tudo isso, é obviamente necessária. Usam os economistas sem emprego, os economistas mal preparados - porque os professores bons foram procurar outros “pastos” e outras formas de sobrevivência - e usam essas vítimas do sistema para manipular os dados estatísticos e criar um mundo imaginário, completamente adulterado em relação à dureza dessa realidade.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1998 - Página 7803