Discurso no Senado Federal

CRITICAS A DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BASICAS DE ALIMENTOS, PELO GOVERNO FEDERAL, COMO PRINCIPAL PROVIDENCIA PARA AMENIZAR A SITUAÇÃO DA SECA NO NORDESTE.

Autor
Hugo Napoleão (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Hugo Napoleão do Rego Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • CRITICAS A DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BASICAS DE ALIMENTOS, PELO GOVERNO FEDERAL, COMO PRINCIPAL PROVIDENCIA PARA AMENIZAR A SITUAÇÃO DA SECA NO NORDESTE.
Aparteantes
Djalma Bessa, Djalma Falcão, Edison Lobão, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/1998 - Página 7989
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, COMPARAÇÃO, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, SUPERIORIDADE, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, DADOS, PREVISÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, GOVERNO, OMISSÃO, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, INEFICACIA, DISTRIBUIÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO PIAUI (PI), REIVINDICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, SOLUÇÃO, CARATER PERMANENTE, SECA.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há coisas que, no nosso País, ficam, de certa forma, repetitivas. Às vezes, ficamos até com receio de parecer que estamos ou, de um lado, nos lamuriando e nos queixando, ou, de outro lado, explorando a situação.

Não é nem com um ímpeto nem com o outro que assomo à tribuna na tarde de hoje. Venho, sim, movido por um sentimento que o dever me obriga a trazer, mais uma vez, ao conhecimento desta Casa, porque envolve a vida de milhares de pessoas. Tenho sempre dito que o nosso Nordeste abriga 30% da população do País mas recebe menos de 10% de investimentos.

Estamos atravessando uma nova seca, que era perfeitamente prevista. Não foi novidade a nível nacional e internacional o fenômeno El Niño. Não é a primeira vez que isto ocorre. Na verdade, desde o começo do ano passado todos os órgãos de divulgação do nosso País e de fora dele manifestaram suas preocupações com relação ao desenvolvimento deste terrível fenômeno.

Eu mesmo assomei, no dia 27 de agosto do ano passado, à tribuna desta Casa para comunicar que, em estando preocupado com o tão avisado El Niño, dirigira-me, como de fato o fiz, ao Instituto Nacional de Meteorologia indagando quais seriam os efeitos previsíveis sobre a região nordestina e, muito particularmente, sobre o meu querido Estado, o Piauí. Recebi, então, do Presidente daquele instituto, Dr. Expedito Gomes Rebelo, as respostas adequadas e a demonstração cabal e inequívoca de que havíamos tomado conhecimento de que no Oceano Pacífico equatorial a temperatura já subira a mais de 5,0 graus centígrados e que esse fenômeno traria, como acabou trazendo quando o mesmo ocorreu no Atlântico Norte, a redução do nível das chuvas em mais de 40%. Pelo menos no meu Estado, ocorre ainda o fenômeno chamado dipolo. E quando o dipolo se soma ao El Niño e há elevação de temperaturas dos oceanos, ocorre exatamente o que está acontecendo. 

Nos Estados Unidos, Sr. Presidente, há o nacionalmente conhecido Weather Channel, o Canal do Tempo. Aliás, torna-se para os viajantes uma referência obrigatória, eis que transmite as previsões do que vai acontecer não apenas para os próximos dias mas para as próximas semanas e até meses. Pois bem, no ano passado e neste ano os programas do Canal do Tempo dedicam alguns minutos à percepção, à análise, à observação e estudos relacionados com o efeito do El Niño. É algo acompanhado pari passu.

Não quero dizer que não tenhamos alertado os nossos institutos e o próprio Governo. Mas, na situação em que me encontro, tenho crédito para falar, porque tenho a nítida certeza de que tenho trazido, embora modesta, a minha contribuição aos assuntos submetidos à nossa consideração ou da população brasileira. Usarei do direito que me cabe. 

A cada vez, embora anunciadas as secas, vem-se, de última hora, tratar de cestas, como se elas fossem adequadas. É lamentável que elas tenham de existir, mas, quando tudo chega na última hora, começa-se, de novo, a levantar todo tipo de problema.

Agora mesmo, houve uma comissão no Senado Federal destinada ao exame das medidas adequadas para enfrentar o El Niño. Indiquei, pelo PFL, na qualidade de Líder do Partido nesta Casa, o Senador, hoje Ministro, Waldeck Ornelas, e o Senador José Alves, respectivamente dos Estados da Bahia e de Sergipe. O Relator da matéria acabou sendo o Senador Waldeck Ornelas; o Presidente foi o Senador Roberto Requião e o Vice-Presidente, o Senador Beni Veras.

Pois bem, embora tudo se saiba, tudo vem depois. Vou mostrar aqui no Plenário, antes de ter o prazer de ouvir o aparte que me pede o Senador Edison Lobão, que a catilinária é a mesma. Já nos idos de 1983, quando fui Governador, preparava-se um plano de emergência que era absoluta e rigorosamente necessário para combater os efeitos da seca naquele ano, que também foi decorrente do fenômeno El Niño, embora tivesse outro nome. De sorte que tenho a lamentar profundamente. Agora mesmo houve uma reviravolta - as cestas virariam cupons, e depois acabaram não sendo cupons, são cestas. Sobre isso continuarei a fazer referência, antes, porém, ouço o Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Hugo Napoleão, ouço V. Exª com um interesse especial e explico por quê. V. Exª é Senador, foi Senador antes, foi Governador, mas, antes de tudo isso, foi Deputado Federal, assim como eu. Éramos Vice-Líderes do nosso Partido na Câmara dos Deputados. E recordo-me que, desde então, V, Exª já advertia as autoridades federais para os perigos da seca que a todo instante infelicitava a vida da sua gente do Piauí, em particular, mas do Nordeste de modo geral. Chegando ao Senado, V. Exª prosseguiu nessa advertência, que todos nós temos presente na consciência. No que diz respeito ao El Niño, o discurso de V. Exª não veio a destempo, veio a tempo; a tempo de serem tomadas providências, não para evitar o fenômeno, mas para combater as suas conseqüências. Pois bem, o meu Estado, o Maranhão, que não é tão penalizado quanto o de V. Exª, também está sofrendo. Toda aquela faixa maranhense de fronteira com o rio Parnaíba sofre igualmente com o Piauí. Ontem, eu disse que chegamos ao ponto de ceder um milhão de hectares de terras à Sudene e ao Banco do Nordeste para a realização de um grande projeto, capaz de receber os retirantes do Nordeste, o qual, infelizmente, fracassou. Hoje, V. Exª vem de novo, em defesa do seu povo, da sua gente do Piauí, clamar por soluções, mas soluções reais, não apenas quiméricas, como as tais cestas, que são um paliativo e estão chegando com irregularidade. Portanto, quero cumprimentar V. Exª pelo teor da advertência, das observações, eu até diria de um certo protesto contra aquilo que está acontecendo no Nordeste e, em particular, no Piauí. Não conheço ninguém com maior autoridade naquele Estado para falar sobre esse assunto, até porque V. Exª tem sido um madrugador na luta em favor dos nossos irmãos do Piauí. Cumprimento V. Exª.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Senador Edison Lobão, recolho, sensibilizado, o aparte de V. Exª, que ouviu também o nosso outro Colega, hoje representante do Estado da Bahia, Senador Djalma Bessa. Tínhamos uma luta comum, que era indiscutivelmente o reflexo do sofrimento das populações do Nordeste - em particular, do meu Estado -, em função de uma política que não tem tido continuidade.

À época, citei ainda o relatório do Ministério do Interior, da Sudene, sobre os planos para o meu Estado. Havia previsão de ocupação de mão-de-obra de 171 mil trabalhadores; execução de obras públicas no setor hídrico, como açudes, barragens, aguadas, poços: recuperação e construção de estradas para a manutenção de frentes de serviço; construção de 20 mil casas populares; e recursos para crédito rural e obras públicas com a inscrição de rurícolas, nas comunidades onde residiam.

A ladainha é a mesma! Lembro-me de um outro plano, de 1991, à época do então Governador e hoje Ministro Freitas Neto. Em 1993, quando eu era Ministro das Comunicações do então Presidente Itamar Franco, Sua Excelência levou a Teresina um programa nacional de frentes de serviço. Ou seja, é sempre a mesma coisa!

Lembro a V. Exªs que tenho dialogado com as autoridades federais em torno do assunto.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Quero parabenizar V. Exª pelo assunto que traz à pauta e dizer que eu mesmo já fiz inúmeros discursos sobre o tema, mas lamentavelmente as medidas não têm nem o tamanho, nem a velocidade que queremos; elas não têm sido estruturais, têm-se limitado à distribuição de cestas que chegam tardiamente e com irregularidade. A distribuição de carros-pipa também está irregular. Hoje, estou dando entrada em um pedido para a Mesa do Senado, a fim de que seja formada uma comissão de Senadores com o objetivo de visitar as áreas afetadas e elaborar um relatório. A situação está se tornando caótica, inclusive com saques. Daqui a pouco, teremos uma guerra civil dos miseráveis, que não têm água nem comida.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Agradeço a V. Exª. A nossa luta é comum, o sentimento é o mesmo que existe no Estado de V. Exª, o glorioso Estado da Paraíba.

Eu gostaria de dizer também que, em função disso, no meu Governo, baixei um decreto, que tenho em minhas mãos, estabelecendo o Projeto Mafrense. Mafrense foi um bandeirante baiano, que entrou por terras do Piauí e ajudou a colonização. O projeto previa: 1) a construção de açudes públicos de pequeno e médio portes para atendimento da comunidade; 2) perfuração, recuperação, instalação e operação de poços tubulares ou escavados para atendimento das comunidades rurais, visando à instalação de serviços simplificados de abastecimento de água; 3) realização de obras que visem à perenização de rios ou riachos intermitentes do Piauí, consubstanciadas na construção de barragens.

Elenquei, então - o que foi feito pela primeira vez -, uma série de barragens, algumas ainda objeto de execução, iniciadas no meu Governo; outras, em governos subseqüentes, estaduais ou federais.

Tive oportunidade de dirigir-me ao Dr. Sanguinetti, que é um eminente Diretor da Defesa Civil, e que, indiscutível e indubitavelmente, tem dado a sua cota de sacrifício ao assunto. Dirigi-me também ao Dr. Hildeberto Santos Araújo, Diretor-Geral do DNOCS, para me inteirar das providências que estão sendo tomadas. Dentre elas, ainda avultam, no relatório, obras que iniciei. Tive a preocupação de que não faltasse à população e aos animais o mínimo de abastecimento d’água. Conversei também com o Ministro Gustavo Krause. Tenho procurado soluções. Estou até pensando em convidar a Bancada do Piauí para conversarmos com o novo Superintendente da Sudene, em Recife.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Ouço com muito prazer o Senador Djalma Bessa.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Meu Líder, Senador Hugo Napoleão, V. Exª assoma à tribuna com uma certa ética, um certo cuidado e um certo zelo, justificando uma eventual exploração ou um sentido inadequado ao seu pronunciamento. V. Exª tem toda autoridade ética e moral para reclamar, para exigir mesmo que se atente para uma solução adequada e definitiva em relação à seca. Como salientou o Senador Edison Lobão, já na Câmara dos Deputados tratávamos disso. Participamos de uma comissão que estudou seriamente, detalhadamente, minuciosamente o fenômeno da seca. O resultado dessa comissão foi inclusive publicado numa farta literatura. Foram sugeridas providências que deveriam ser adotadas. Ficou tudo no papel, não se deu um passo adiante, não obstante a Câmara ter colaborado. Assim como o estudo dessa comissão, vários outros têm sido procedidos sem nenhum resultado, sem nenhuma conseqüência. Não houve apenas estudo, houve plano, mas nada foi feito. Fique tranqüilo, fique sossegado, faça a sua reclamação, pondere, porque esse trabalho que V. Exª iniciou terá prosseguimento agora, com a sua volta ao Governo. V. Exª, então, terá condições de concluir essa tarefa a que se propôs. Parabenizo V. Exª e peço-lhe para me associar ao seu pronunciamento. A documentação apresentada lhe dá suprema autoridade para tratar do assunto. Congratulo-me com V. Exª.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Agradeço o seu enfoque, nobre Senador Djalma Bessa. Fomos e ainda somos lutadores, desde os tempos da Câmara dos Deputados - e já se vão mais de 20 anos, eu diria 24 anos, quando lá cheguei. É uma luta constante, permanente.

Sei que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esteve agora no Ceará e verificou a situação do milharal, viu flagelados e sabe muito bem da grande problemática que a seca envolve. Queremos que Sua Excelência realmente assuma o comando, mas de uma ação perene, permanente! As cestas, como disse o Senador Edison Lobão, que estão indo agora para o Nordeste são insuficientes, são incipientes. Há Municípios recebendo vinte, trinta ou quarenta cestas. Sei que irão mais. Mas quero que não haja o atraso permanente, constante, que costumo ver, lamentavelmente, na realidade do nosso País.

O Sr. Djalma Falcão (PMDB-AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Ouço, com prazer, o Senador Djalma Falcão.

O Sr. Djalma Falcão (PMDB-AL) - Senador Hugo Napoleão, os vários apartes feitos ao seu pronunciamento atestam sobretudo a consistência da exposição que V. Exª vem fazendo nesta tarde, a respeito da seca no Nordeste. O dado apresentado por V. Exª, e que tem sido apresentado por tantos representantes no Congresso Nacional, mostra que o problema do Nordeste não é localizado, não é regional. Na medida em que atinge um terço da população brasileira, ele se transforma em um magno problema nacional. Permita-me V. Exª dizer que apenas não concordo com as ressalvas iniciais de seu pronunciamento, de que V. Exª não estaria na tribuna para fazer qualquer tipo de demagogia.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Muito obrigado.

O Sr. Djalma Falcão (PMDB-AL) - V. Exª presta um serviço relevante ao País, exatamente na linha da sua vida pública luminosa. Eu não tinha tido o prazer de conhecer V. Exª pessoalmente, conhecia-o apenas pela sua ação positiva como Governador do Estado do Piauí, como Ministro de Estado e como representante daquele Estado no Congresso Nacional. Há cerca de quinze dias, tive a oportunidade de apresentar requerimento à Mesa solicitando a formação de uma comissão externa do Senado Federal para, durante o prazo de noventa dias, percorrer o Nordeste e, sobretudo, conhecer os efeitos dessa estiagem que novamente se abate sobre a nossa Região. Finalmente, agradecendo a tolerância com que me ouve neste instante, presto-lhe uma homenagem. O fenômeno El Niño não é tão novo e está sendo usado quase que como justificativa de um fenômeno que se repete há séculos. Parece-me mesmo que ele deveria ter o nome de El Viejo, com barbas tão longas e brancas como as do Parnaíba, cantado pelo seu conterrâneo, o poeta Da Costa e Silva. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI) - Agradeço ao Senador Djalma Falcão, eminente homem público do Estado de Alagoas, o depoimento que traz, ao tempo em que o cumprimento também - da mesma maneira que fiz em relação ao Senador Ney Suassuna - pela iniciativa oportuna da comissão que vai aprofundar-se no estudo dos assuntos nordestinos. Essas devem ser iniciativas permanentes, constantes, a fim de que não tenhamos mais o dissabor de “surpresas” com relação a assuntos que doem tanto no âmago e - por que não dizer - no estômago da nossa sofrida população.

Sr. Presidente, vou concluir aproveitando aqui o ensejo para apenas dizer que, no meu Estado, cento e setenta e oito Municípios já estão na seca e há uma perda de 74,39% da nossa lavoura. Isso também se quantifica em números, que se constituem em verdadeiro desastre. Eu teria a mostrar vários depoimentos dramáticos revelados pela imprensa do nosso País, ao afirmar que, em diversos Estados, há reclamos e clamores da população, que se refletem, às vezes, em frases comuns como “se a minha vaca morrer, o que eu vou dar de leite para os meus filhos?” Esse é o retrato real.

Não queremos projetos engavetados! Não queremos teatralidade! Estamos apenas reivindicando aquilo que é um problema brasileiro, pois a seca do Nordeste afeta o País inteiro com as ondas e levas de emigrantes que saem pelos diversos Estados da Federação. Assim, repito, a seca não é um problema apenas do Nordeste, mas do Brasil.

O Nordeste não quer favores, mas também não quer tragédias anunciadas! O Nordeste quer um tratamento permanente, constante, para que a população que, ali sim, é forte, como diria Euclides da Cunha, possa sobreviver em graus de respeitabilidade e dignidade.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/1998 - Página 7989