Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CANTOR NATIVISTA URUGUAIANENSE, CESAR PASSARINHO.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CANTOR NATIVISTA URUGUAIANENSE, CESAR PASSARINHO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/1998 - Página 8626
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CESAR PASSARINHO, CANTOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, ATUAÇÃO, PRESERVAÇÃO, CULTURA, TRADIÇÃO.

A SRª. EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quero registrar o sentimento de grande pesar que invade o coração do povo do Rio Grande do Sul pelo falecimento do Sr. César Escoto, cantor gaúcho, símbolo da música nativista daquele Estado.

O seu nome artístico era César Passarinho. Ele nasceu em 21 de março de 1949, na cidade de Uruguaiana, no Estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina e seu falecimento ocorreu em 14 de maio, na cidade de Caxias, no Rio Grande do Sul. Acometido de câncer no pulmão direito, César Passarinho estava hospitalizado há 43 dias, tratando de combater essa doença que o venceu na madrugada da última quinta-feira.

César estava com 49 anos, era um homem quieto, de poucas palavras, porém, no palco ele se transformava, ele se soltava. Com a sua boina branca tradicional, um pala em cima do ombro, usando bombachas; nos pés, uma alpargata ou um par de botas, e com seu lenço no pescoço, ele encantou multidões nos festivais da música tradicionalista nativista do nosso Estado. O cantor negro que tantas vezes encantou as platéias, hoje, sem dúvida, é lembrado com grande admiração e saudades.

O músico das milongas começou a carreira musical nos bailes, na cidade de Uruguaiana; onde tocava música popular brasileira. Além de cantor, Passarinho também era baterista. Mas foi na terceira Califórnia, em 1973, que ele descobriu a música regionalista com a apresentação da composição “Último Grito”. Uruguaiana e o Rio Grande do Sul vibraram com a sua voz.

A Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul é um festival que se realiza há 28 anos, na cidade de Uruguaiana. O nome Califórnia vem do grego e significa “conjunto de coisas belas”. Como dava-se, também, uma “competição entre vários concorrentes em busca de grandes prêmios”, assim, o nome Califórnia da Canção Nativa prevaleceu para seus idealizadores.

O prêmio máximo concedido é a Calhandra de Ouro, símbolo da Califórnia. A calhandra é pássaro útil e de belo canto, amigo do gaúcho e íntimo das casas, das estância e dos fogões. Imitador do canto de outros pássaros, responde ao assovio do homem. Simboliza também a autenticidade, a elegância, a humildade e a liberdade, pois não suporta o cativeiro.

O troféu Calhandra de Ouro é patrocinado pelo Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil, ficando de posse de quem for vencedor por três vezes consecutivas ou cinco alternadas.

Entre os objetivos principais do Festival, que é famoso não apenas dentro de nosso Estado, mas extrapola as fronteiras do País, podemos citar:

       - Oportunizar a integração de poetas, músicos e musicistas, estudiosos e críticos contemporâneos, no interesse da preservação, divulgação e aperfeiçoamento dos valores nativos;

       - Descobrir novos rumos para a música do Rio Grande do Sul, por meio de linguagem atual e criativa, considerando origens e constantes do gaúcho;

       - Propiciar reflexão e debates que depurem qualitativamente a arte geral, considerada como o mundo da representatividade, da expressividade e da comunicabilidade do universo gaúcho; e, ainda,

       - Valorizar artistas que representem caracteristicamente a linguagem e a cultura sul-rio-grandense.

Califórnia e César Passarinho são sinônimos. O Festival e o músico começaram juntos. O cantor uruguaianense acabou se transformando na marca registrada do Festival da Música Nativista. Com quatro Calhandras de Ouro, troféu máximo da Califórnia, e a conquista de sete prêmios de melhor intérprete, Passarinho foi o mais destacado dos vencedores daquele festival.

Em 1983, com a música Guri, o pássaro cantor voou mais alto do que se poderia imaginar. Foi ali a redenção de sua carreira artística. Gravou o seu primeiro disco, intitulado Fundamento.

César Passarinho será lembrado como um artista que gostava de cantar o romantismo e as coisas do campo. O Rio Grande gaúcho está de luto. A calhandra, pássaro de canto doce que só canta quando livre, nunca mais será entregue a um César que voava até no nome.

Na sua famosa música Guri, Passarinho cantava e encantava dizendo:

E, se Deus não achar muito

tanta coisa que pedi,

não deixe que me separe

deste rancho onde nasci.

Nem me desperte tão cedo

do meu sonho de guri,

e, de lambuja, permita

que eu nunca saia daqui.

Passarinho foi sempre assim, um guri que cantava, uma música que continuará representando com sua voz o canto e a tradição do Rio Grande.

Entre as suas músicas, destacam-se ainda Negro da Gaita, Último Grito e a já referida Guri, que é uma música muito famosa. Suas músicas falam de sonho, de saudades, de amor a terra e de liberdade.

Em uma das suas músicas famosas, ele também cunhou uma expressão que se refere à liberdade, afirmando: “Quando a gente abre as asas, nunca mais... nunca mais...”.

A voz dos amigos também foi ouvida nestes últimos dias, no Rio Grande, em homenagem a César Passarinho, numa referência de saudades, registrando que César Passarinho era uma figura encantadora.

Não se escreve a música do canto gaúcho sem falar nele. Toda a história das Califórnias já valeria só pelo aparecimento de nomes como o dele. Uma voz livre como um passarinho. Assim como a calhandra, era um passarinho de canto doce, que só canta em liberdade.

Morreu um dos símbolos da música regional. Ele quebrou muitas barreiras, em função da cor, da sua voz e da sua música. Era um cantor único.

Essa era a homenagem que queríamos prestar a esse gaúcho que encantou com sua voz, fez vibrar com sua sensibilidade, pregando o amor ao Rio Grande, a liberdade e o respeito a essas tradições. Sua mensagem foi de vida, de esperança e de amor, portanto, muito forte, duradoura e que se perpetuará, mesmo diante do desafio da morte.

A despedida de seus amigos, dos seus produtores, dos seus colegas cantores e dos tradicionalistas do Rio Grande do Sul demonstra claramente o sentimento que invadiu o coração de todos nós.

Concluo, dizendo que César Passarinho partiu, alçou vôo para encontrar o céu que sempre teve em seu coração. Era um campeão, um vencedor, um gênio; todavia, era uma alma sofrida: amores contrariados, a luta contra a tentação da bebida. Tudo isso ele venceu, ajudado pelo aplauso e o carinho do povo do Rio Grande. Ele sempre estará em nossos corações, com sua voz privilegiada, suas emoções, cantando:

      Quando o negro abre essa gaita,

      Abre o livro da sua vida

Este é um registro rápido, uma homenagem sincera e emocionada que fazemos a esse homem que significa, sem dúvida, um dos grandes quadros da música nativista do Estado do Rio Grande do Sul.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/1998 - Página 8626