Discurso no Senado Federal

CRITICAS A CELERIDADE E FALTA DE TRANSPARENCIA NO PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO. ASPECTOS POUCO CONFIAVEIS DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRAS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CRITICAS A CELERIDADE E FALTA DE TRANSPARENCIA NO PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO. ASPECTOS POUCO CONFIAVEIS DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRAS.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/1998 - Página 9900
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, IMPRENSA, ANDRE LARA RESENDE, PRESIDENTE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ASSUNTO, PRIVATIZAÇÃO, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).
  • CRITICA, FALTA, ACESSO, POPULAÇÃO, INFORMAÇÃO, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS), PREJUIZO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EXISTENCIA, AÇÃO JUDICIAL, CONTESTAÇÃO, CISÃO, EMPRESA ESTATAL.
  • QUESTIONAMENTO, POLITICA NACIONAL, PRIVATIZAÇÃO, FALTA, CONTROLE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, POSTERIORIDADE, PROCESSO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero fazer o registro de uma entrevista concedida pelo Presidente do BNDES, André Lara Resende, ao jornal O Globo do dia 12 de maio. A priori, pensei que não deveria fazê-lo, porque o tempo havia passado. Mas a matéria ainda está quente, é pertinente, principalmente quando estamos vivendo um processo de privatizações. Essa concorrência, essa disputa para se comprar alguns de nossos grandes patrimônios não tem sido acompanhada pela população. Nesse sentido, achei importante trazer à tribuna essa minha preocupação.

Vejamos o que diz o Presidente do BNDES: “Será surpreendente se a arrecadação do Governo com a venda do Sistema Telebrás superar os US$20 bilhões, contra estimativas que variam de US$15 bilhões a US$30 bilhões”. Disse ainda mais, “que o BNDES está tendo várias conversas com investidores estrangeiros sobre a privatização, que deve ocorrer em julho, e que eles estão se mostrando muito interessados”.

Diante dessa declaração, digo ao Presidente do BNDES que não ficarei surpresa se o valor arrecadado pelo venda das “teles” for apenas R$15 bilhões, quer dizer, 100% abaixo do que se poderia alcançar. É muito comum - está quase comum - vender nossas riquezas por valores subavaliados. Lembro aqui a Vale do Rio Doce. Foi uma venda amarga, mas muito doce para quem a comprou - é o que poderíamos chamar de “sopa no mel”.

Quanto às informações trocadas pelo BNDES com os investidores, que, com certeza, estão muito interessados, quero levantar um questionamento, dentro da minha preocupação de que sejam informados não apenas aqueles que estão mais próximos e que têm acesso ao data-room, mas também a população como um todo: para que servem os data-rooms?

Ora, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tudo isso é muito estranho. Faço questão de registrar que uma das mais valiosas jóias do Programa Nacional de Desestatização (PND) - o Sistema Telebrás, avaliado em até US$30 bilhões - está trancada em uma caixa-preta. Para se ter acesso a essa caixa (os data-rooms), cada interessado - é para isso que chamo a atenção - terá que pagar R$25 mil e R$100 mil por consulta, o que torna o acesso às informações privilégio de poucos. Não se inclui aí o povo brasileiro; mas, com certeza, não será problema para os grandes “tubarões da telefonia mundial”. A Telefônica da Espanha está disposta a pagar R$700 mil para ter acesso à misteriosa informação ou às misteriosas informações. Na fila, também encontramos a italiana Stet; a MCI, dos Estados Unidos; a Telecom, de Portugal, e as Telecoms de outros países.

A impressão que tenho é que estamos entregando a melhor e maior fatia do nosso bolo. Temos a justificativa de que isso será melhor para a Nação. E aí eu pergunto: qual nação? A Nação brasileira? Organizar data-rooms, disponibilizando informações aos grupos empresariais interessados nas privatizações, tem sido prática do Governo Federal nas últimas privatizações. Com isso, o povo brasileiro tem ficado à margem da transparência que se faz necessária, pois o que está sendo privatizado é tema de interesse público e de propriedade da Nação brasileira. Portanto, não podemos mais aceitar a repetição da privatização da Vale do Rio Doce, agora com a Telebrás, em que nuvens sombrias encobrem o processo.

Inclusive, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, essa foi a posição tirada do encontro, realizado no Rio de Janeiro, com a participação de cientistas, vereadores, deputados federais e entidades da sociedade civil, inconformados com o processo de privatização ora em prática, que poderá trazer - como já mencionamos - sérios prejuízos à Nação brasileira.

O decreto de reestruturação das “teles”, publicado recentemente, trouxe as regras de acesso aos data-rooms das estatais; o período das consultas, que começou na segunda quinzena de maio e termina no fim do mês de junho; a determinação de que os conselhos de administração das estatais terão que convocar as respectivas assembléias de acionistas para aprovar as cisões e reagrupamentos; e o processo de divisão, que atinge 26 telefonias celulares da banda A, agrupadas em oito novas empresas holdings, e 27 estatais de telefonias fixas, que serão reagrupadas em três holdings regionais, entre outras regras.

Quero também chamar a atenção para o processo de cisão do Sistema Telebrás em doze holdings, com vistas à privatização, que provocou quarenta e três ações, dentre as quais destaco uma promovida pela Procuradoria Regional da República do Distrito Federal, em que é solicitada liminar no sentido do fechamento dos data-rooms (salas de acesso privativo - “só para quem pode, não para quem quer” - de informações sobre as holdings privatizáveis do Sistema Telebrás), pois os mesmos não poderiam estar funcionando sem que antes as holdings já estivessem constituídas. Para resolver esse problema, o Governo promoveu a convocação da Assembléia Geral Extraordinária, às pressas, a qual deliberou sobre a aprovação da divisão do Sistema em holdings.

Esse processo está por demais tumultuado, seja por ações, seja pela falta de informações transparentes ou pelos adiamentos que vêm ocorrendo. Tudo isso, com certeza, está servindo a outros interesses. Não entendemos porque tanta pressa. Como diz um velho ditado, “quem tem pressa come cru”, e, nesse caso, ao que tudo indica, o prejuízo será do patrimônio público.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte ao nobre Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Nobre Senadora, parabenizo V. Exª por fazer esse pronunciamento, uma advertência com relação às privatizações das mais importantes estatais do nosso País, a exemplo da Vale do Rio Doce, vendida por um valor ínfimo. A venda das melhores empresas nacionais não tem surtido efeito para a melhoria das condições de vida dos brasileiros, para o decréscimo da dívida interna ou para a diminuição e pagamento dos juros; pelo contrário, só empobrece o País. Nesta semana, ouvi, pela televisão, um cidadão da área econômica dizer: “Olha, neste ano não vendemos ainda quase nada; no ano passado, vendemos milhões e milhões”. Parece até que estamos em falência total, vendendo o patrimônio nacional, que foi criado com tanto sacrifício na época dos Governos da revolução. A área de comunicações - justamente a que mais rende, que mais arrecada, que mais dá lucro - está sendo privatizada agora, por debaixo do pano, como diz V. Exª, às escondidas, num negócio da China. Preocupa-me ver o País, a cada momento, ficar mais pobre, e não sei até onde vai essa situação. Aqui deixo registrado que votei contra todas as autorizações de venda de estatais e vou continuar a fazê-lo, porque penso que isso só traz prejuízo à Nação. Obrigado.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª, o qual incorporo ao meu pronunciamento. V. Exª tem sido um defensor, sem xenofobia, mas o que verificamos é que gastamos mais nessas empresas a serem privatizadas do que os investimentos estrangeiros que entram. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, foram arrecadados R$21 bilhões com as privatizações, mas foram injetados R$30 bilhões. Que história é essa? Não podemos deixar de nos pronunciar a esse respeito e V. Exª tem sido um dos que têm-se posicionado contrariamente às privatizações feitas dessa forma.

Não somos contrários à privatização de setores não-estratégicos economicamente para o País. Questionamos, sim, a privatização daquilo que temos de bom, bonito e que sai muito barato para quem compra.

Volto a insistir que a Telebrás é um dos melhores negócios em telefonia do mundo, seja pelo potencial habilitado (vinte milhões de linhas instaladas), seja pela demanda ainda não atendida, que pode dobrar esse número; ou seja, pelo potencial de rentabilidade, que só ano passado gerou quase R$4,3 bilhões de lucro. Isso explica claramente porque grandes grupos internacionais manifestaram oficialmente ao Ministério das Comunicações que estão muito interessados nessa privatização.

Toda essa pressa em privatizar as “teles”, principalmente em final de Governo, só tem servido ao interesse de alguns, o que exclui o interesse da Nação como um todo. O meu receio é que ocorra com as “teles” o mesmo que se verifica, hoje, com a energia elétrica no Rio de Janeiro: a ineficácia e inoperância do sistema. E não temos a quem recorrer ou reclamar. Diziam que a privatização iria dar ao consumidor mais estabilidade e melhores preços e serviços de qualidade, pois haveria concorrência. No entanto, o que estamos vendo é o contrário: ocorrem blecautes, estamos pagando muito, estamos tendo perdas tremendas e quando a conta chega, primeiro o consumidor tem que pagá-la, para depois discuti-la. Se não tem como pagar, a sua energia é cortada.

Quanto à Telerj, para que não se repita o que vem ocorrendo com a energia do Rio, quem quiser adquiri-la terá que investir mais de R$1 bilhão para implementar cerca de um milhão de terminais até o final de 1999. Essa foi a meta estabelecida pela Anatel. A minha preocupação continua, pois a ineficácia da fiscalização e do controle dos serviços contratados foi a principal causa do caos provocado pela Cerj e Light, porque as autoridades constituídas se preocuparam com a rapidez da privatização, mas, infelizmente, esqueceram-se dos outros detalhes, cujos exemplos já tive oportunidade de citar.

Ontem, a Anatel assinou os contratos de concessão com as empresas que prestam serviços de telefonia local, interurbana nacional e internacional. Esses contratos definem as regras do setor de telecomunicações nos próximos vinte e cinco anos. Uma das cláusulas chamou-me a atenção: foi a de que antes de junho de 1999 não poderá haver aumento tarifário. Isso, não sei por que, faz-me lembrar das promessas de campanhas não cumpridas, que por sinal já estão por aí. Quem vai, realmente, fiscalizar e impedir o aumento tarifário?

A privatização das “teles” é muito expressiva. Por conseguinte, não podemos admitir que informações tão valiosas fiquem disponíveis apenas para aqueles grandes grupos econômicos que podem pagar, pois quem poderá nos garantir que, em meio a essas informações privilegiadas - pagas -, não estará sendo disponibilizado um tesouro por nós desconhecido e subavaliado?

Essa é a minha maior preocupação. Nós ainda carecemos de comunicação e de informação neste País. Em se tratando de um patrimônio dessa natureza, é preciso que todos tenham acesso às informações, sem que haja a necessidade do pagamento de uma fortuna para isso, pois o privilégio será pura e simplesmente desses grandes grupos econômicos. E nós aqui, pobres mortais, não temos conhecimento de como isso está sendo tratado, de como estão sendo viabilizadas essas privatizações, com valores muito baixos, como já temos constatado, diferentes do valor real do patrimônio.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/1998 - Página 9900