Discurso no Senado Federal

QUESTIONAMENTO DO PAGAMENTO DE AJUDA DE CUSTO AOS PARLAMENTARES, EM CASO DE CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA DO CONGRESSO NACIONAL EM JANEIRO PROXIMO.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • QUESTIONAMENTO DO PAGAMENTO DE AJUDA DE CUSTO AOS PARLAMENTARES, EM CASO DE CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA DO CONGRESSO NACIONAL EM JANEIRO PROXIMO.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/1998 - Página 15304
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, ETICA, DECISÃO, JUIZ, CONCESSÃO, LIMINAR, SUSPENSÃO, PAGAMENTO, AJUDA DE CUSTO, CONGRESSISTA, CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA, CONGRESSO NACIONAL.
  • QUESTIONAMENTO, MORAL, ETICA, CONGRESSISTA, EVENTUALIDADE, RECEBIMENTO, AJUDA DE CUSTO, PERIODO, CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA, CONGRESSO NACIONAL, EPOCA, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, FUNCIONARIO PUBLICO, APOSENTADO, IMPOSTOS, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, MAIORIA, SOCIEDADE, BRASIL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, um juiz do Rio de Janeiro, em despacho exarado em ação popular, concedeu liminar suspendendo o pagamento de ajuda de custo aos Parlamentares na convocação extraordinária de janeiro próximo, se vier a ocorrer.  

Esse ato do juiz, como é natural, desagradou a muitos Parlamentares, que questionam a decisão inclusive sob o aspecto jurídico. Questionam se o teto fixado mediante a Reforma Previdenciária e Administrativa para os vencimentos e subsídios de todos os servidores e agentes públicos teria aplicação imediata. Parece-me que essa pendência foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, quando entendeu que o dispositivo não é auto-aplicável.  

Sendo assim, Sr. Presidente, independentemente dos aspectos jurídicos, gostaria de analisar o aspecto ético dessa questão, que, é delicada, incomoda e não costuma ser discutida em público.  

No momento em que se discute o ajuste fiscal, a necessidade de uma política de austeridade, de sacrifício para todos, pergunto-me - estou apenas raciocinando em voz alta, Sr. Presidente - se é eticamente defensável que o Congresso pague duas ajudas de custo numa convocação extraordinária. Dir-se-á que isso seria um pagamento de trabalho em férias, portanto, pagamento em dobro. Será, Sr. Presidente, que a natureza do pagamento seria essa?  

O decreto legislativo que trata da matéria fala em ajuda de custo para atender a gastos de viagem e de instalação. Mas como justificar duas ajudas de custo para despesas de traslado e instalação para Parlamentares que já residem em Brasília, como nós, e que temos passagens fornecidas pela Instituição? Sob esse aspecto, parece-me indefensável. Seria então o pagamento para atender, repito, a tese segundo a qual ninguém em férias deve trabalhar a menos que se dê uma remuneração extra, no caso seria o pagamento de horas extras. Isso é possível. Mas por que duas ajudas de custo e não uma - que já é muito? Dir-se-á: "Isso é irrisório, irrelevante, não pesaria nada no déficit público". É verdade. Mas repito, não estou analisando o impacto financeiro, que é realmente pequeno. Estou olhando do ponto de vista ético. Vamos, em janeiro, cortar direitos de servidores, aumentar a contribuição de servidores da ativa e instituir a cobrança de uma contribuição inexistente para os inativos. Vamos impor, portanto, redução de vencimentos e proventos. Vamos impor sacrifícios. E nós? Qual é o nosso sacrifício, Sr. Presidente? Penso que se o sacrifício tem que ser de todos, que façamos algum.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Recebo com muita satisfação o aparte de V. Exª.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Senador Jefferson Péres, agradeço a V. Exª a atenciosa maneira como me concede o aparte.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Agrada-me tanto o aparte de V. Exª, que até me antecipei .em recebê-lo.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Agradeço a V. Exª. Eu gostaria de participar do pronunciamento de V. Exª no seguinte sentido: em primeiro lugar, concordo e aplaudo V. Exª. pela preocupação ética que demonstra. Entendo que realmente deve partir do Congresso Nacional um gesto de solidariedade ao nosso País num momento como esse, em que o que se exige de todos é uma atitude de despojamento frente a necessidade que se alega, que se reclama. Que todos sejam chamados para enfrentar a situação delicada que está sendo considerada responsavelmente pelo Governo Federal. Quanto a isso, não tenho nenhuma dúvida, e, nesse aspecto, solidarizo-me com V. Exª. Permito-me, no entanto, ponderar, o seguinte: será que a forma de expressarmos essa solidariedade seria, reconhecendo a circunstância, deixarmos de aplicar a regra, ou seria mudar a regra? O que me preocupa, na questão a que V. Exª se refere, é, primeiro, a questão da competência de um juiz singular de um Estado para, em resposta a uma ação popular que lhe foi proposta, que tramita na vara que está sob o seu cargo, decidir sobre essa questão. Ele teria realmente competência ou deveria ter declinado de tomar uma atitude como essa uma vez que, por mais certos que sejam os efeitos, é uma atitude que implica hierarquia superior, de um juiz singular em um Estado, em relação a um dos poderes da República. Não sou jurista, portanto, tenho essa dúvida e fundadas razões para crer que esse é um aspecto que merece, pelo menos, ser esclarecido. Entendo que um juiz de uma determinada Vara do Rio de Janeiro tem a mesma hierarquia de um juiz de uma Vara de qualquer comarca no interior do Rio Grande do Norte e no interior do Amazonas. Assim, não sei se não está havendo aí alguma coisa errada do ponto de vista institucional, pondo de lado a questão sobre a qual ele se pronunciou. Concordo com V. Exª; concordo também com o sentimento que deve ter inspirado os autores da ação popular; concordo até com o impulso que deve ter tido o juiz ao proferir a sua sentença, mas, como Senador da República, tenho o dever de preocupar-me com as instituições. Se concordarmos que a regra do jogo seja arranhada em virtude da visão que temos de uma determinada circunstância ou de um determinado momento, de fato estamos dizendo que não há regra do jogo. E a beleza da democracia está exatamente no fato de que existem regras, e todos devemos obedecê-las. Com relação ao caso específico da convocação extraordinária, que nem sei se haverá, o Congresso não tomou nenhuma iniciativa. Se a iniciativa da convocação for do próprio Congresso, não há nada a pagar; se a convocação extraordinária partir do Poder Executivo, aí sim haveria o que pagar. Mas ninguém discutiu se o Congresso vai convocar-se ou se será convocado, e já estamos na discussão de que isso está bem feito ou mal feito. Então, tendo em vista o fundamento que V. Exª tão competentemente coloca, quer dizer, em que se baseia, qual é a razão para a existência dessa regra, penso que não devíamos estimular a desobediência à regra em virtude do cenário ou da circunstância do momento. Ou questionamos a regra porque ela não é boa - e essa é a instância de que a sociedade dispõe para mudar as regras que não são boas, somos parlamentares para isso -, ou devemos lutar para que as regras que nós mesmos fazemos sejam obedecidas por todos. Concluindo, Senador, lembro que - acho que já mencionei isso na tribuna do Senado - que vivemos em um País em que existem leis para serem cumpridas e existem leis que estão em vigor, mas todos sabem que aquilo não é para valer. Só para dar um exemplo prático, não me recordo de ter visto um dispositivo legal, um decreto, nem um ato institucional na época da revolução, nem um decreto-lei, nem uma lei mediante a qual se revogasse a norma que saiu, por força de um decreto se não me engano do Presidente Geisel, dizendo que o limite de velocidade nas estradas era de 80km. Durante alguns meses todos obedeciam, da Polícia Federal até os motoristas; as carretas, os ônibus, os caminhões e os carros particulares. Todos obedeciam. Mas foi chegando um momento em que os radares foram desligados, em que as pessoas notaram que não tinha mais fiscalização nas estradas e, de repente, como se passasse assim um impulso elétrico pela sociedade, todos ficaram sabendo: a partir de hoje não precisa mais obedecer. Ninguém disse que não precisa. Então, estamos em um País em que a obediência à lei é algo tão frágil, tão pouco comum, que tenho medo que enveredemos pelo caminho de dizer que ela não deve ser obedecida. Muito obrigado a V. Exª.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Muito obrigado, Senador Geraldo Melo. Compartilho da dúvida de V. Exª sob o aspecto jurídico sobre a competência do juiz. É a mesma dúvida que me assalta, por exemplo, sobre a decisão de um outro juiz, do Rio Grande do Sul, que proibiu o fumo em todas as aeronaves, em todo o território nacional. Pergunto-me, Senador Geraldo Melo, se o juízo monocrático tem jurisdição sobre todo o território nacional. Um juiz apenas, seja de Porto Alegre ou de uma comarca do interior, como V. Exª me fez reconhecer - ambos são juízes de Direito, juízes de uma comarca - pode tomar uma decisão que afeta milhões de pessoas em todo o território nacional?  

Parece-me, como Direito é bom senso, que uma decisão desse porte só poderia ser tomada por um colegiado superior. De forma que um juiz do Rio de Janeiro, mediante um simples despacho, uma canetada, atingir um Poder da República parece-me duvidoso. Mas, como disse no início do meu pronunciamento, eu queria discutir a questão sob o aspecto ético, o fundo da questão, a natureza do pagamento de duas ajudas de custo numa convocação extraordinária, especialmente num momento como esse, em que estamos - se aprovarmos - impondo sacrifícios a camadas amplas da população, especificamente aos servidores públicos.  

Veja, Senador Geraldo Melo, em que situação difícil, delicada, incômoda e constrangedora todos nós vamos nos colocar se o Congresso for convocado pelo Presidente da República em janeiro. Se recebermos essa substancial ajuda de custo e se aprovarmos medidas duras que vão atingir pessoas, inclusive pequenas, fracas - não estou me referindo aos famosos marajás, mas a funcionários que ganham pouco -, como se sentirão esses funcionários se souberem que no mesmo momento em que aprovamos essas medidas estamos tirando proveito disso, recebendo três salários nesse mês, Senador Geraldo Melo? Isso nos deixa em posição moralmente muita fraca para impor esses sacrifícios.  

Creio que, se houver, a convocação deve ser feita pelo próprio Congresso, para não haver remuneração. A menos que haja a suspeita de que, se a convocação for feita pelo Congresso e não for remunerada, não haverá quorum. Mas é muito bom que isso aconteça para que cada um assuma a sua responsabilidade. Se vão impor sacrifícios aos funcionários públicos, se vão pedir patriotismo aos funcionários públicos, que sejam patriotas e venham para cá em janeiro sem receber ajuda de custo.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permite-me V. Exª outro aparte?

 

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Pois não, com prazer.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permita-me interrompê-lo mais uma vez, Senador, para dizer, conforme já afirmei antes, que concordo totalmente com a manifestação de V. Exª. Num momento como esse não há por que estar a autoridade esquecida de que também tem obrigações. Existe a alegação de que o montante que será arrecadado com essa privação é insignificante.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - É insignificante.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Mas é a contribuição que podemos dar. De qualquer forma, é insignificante também aquela que se vai cobrar individualmente de um aposentado que deva contribuir com mais alguma coisa para a sociedade. Se isso vai ser feito lá não vejo por que não fazer aqui. É pouco o que ele dá, é pouco o que damos, mas é da soma de tudo isso que se espera que haja um montante substancial capaz de produzir resultados. Pessoalmente, estou de pleno acordo com V. Exª. Minha única preocupação é que, em nome da circunstância em que alguma coisa vai acontecer, se considere que a regra não deva ser seguida. Se a lei não é adequada, ela deve ser mudada e não desobedecida. Que fundamentos tem a lei? Creio que para se obedecer à lei não é preciso perguntar por que ela foi feita. Se ela está feita, legalmente tem que ser obedecida. Se existe maneira de se fazer alguma coisa, demonstrando que nós, Parlamentares, estamos dispostos a dar a nossa parcela de solidariedade à sociedade e ao País na luta contra o déficit público - como diz muito bem V. Exª -, creio que devemos fazer isso. Quem achar que não precisa contribuir que não venha aqui.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM) - Muito obrigado, Senador Geraldo Melo.  

Para finalizar, Sr. Presidente, sei que estas considerações que estou fazendo desagradam a muitos, são antipáticas, mas creio que meus eleitores não me colocaram no Senado para ser simpático. Estou aqui para fazer o que entendo deva ser feito. Seja qual for a decisão tomada, no entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estarei aqui em janeiro, com ou sem pagamento de ajuda de custo, agindo com a independência habitual, aprovando algumas medidas propostas pelo Governo, rejeitando outras e apresentando emendas para colaborar construtivamente nesse esforço que o Congresso Nacional deverá empreender em favor do País.  

Eram estas, Sr. Presidente, as considerações que julguei necessário fazer na sessão de hoje.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/1998 - Página 15304