Discurso no Senado Federal

PROPOSTA DE CANCELAMENTO DE CONSIGNAÇÕES ORÇAMENTARIAS REFERENTE A OBRAS CIVIS INJUSTIFICAVEIS DIANTE DO ESFORÇO DE CONTENÇÃO DO DEFICIT PUBLICO, DANDO PRERROGATIVAS AO RELATOR-GERAL DO ORÇAMENTO DA UNIÃO DE DEFINIR OS INVESTIMENTOS INADIAVEIS.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • PROPOSTA DE CANCELAMENTO DE CONSIGNAÇÕES ORÇAMENTARIAS REFERENTE A OBRAS CIVIS INJUSTIFICAVEIS DIANTE DO ESFORÇO DE CONTENÇÃO DO DEFICIT PUBLICO, DANDO PRERROGATIVAS AO RELATOR-GERAL DO ORÇAMENTO DA UNIÃO DE DEFINIR OS INVESTIMENTOS INADIAVEIS.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/1998 - Página 16258
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, EMENDA, PROPOSTA, CANCELAMENTO, CONSIGNAÇÃO, ORÇAMENTO, REFERENCIA, CONSTRUÇÃO, OBRA CIVIL, EDIFICIO SEDE, BRASIL, IMPEDIMENTO, DESNECESSIDADE, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, PERIODO, CRISE, NATUREZA FINANCEIRA, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é inadiável, em função de estarmos ultimando a apresentação de emendas para o Orçamento.  

Lamentamos que este Congresso, que o Poder Legislativo brasileiro tenha muito pouca participação nas grandes definições das políticas nacionais que o Orçamento envolve; mais do que isso, estamos discutindo um ajuste fiscal, e parece que isso se reflete no Orçamento apenas na questão de alguns cortes de despesas, cancelamento de alguns programas, e deixamos de discutir os grandes projetos nacionais.  

Fiz um ligeiro levantamento e percebi o seguinte: eu já tinha observado aqui, em Brasília, a construção de prédios suntuosos do Poder Judiciário. Fui analisar no orçamento fiscal e das estatais aquilo que se refere a investimentos para construções de edifício-sede, de melhoramentos, de construção de anexos, de reformas. É importante tomarmos conhecimento de um número: no orçamento fiscal, estão previstos investimentos para isso, fundamentalmente no Poder Judiciário, de aproximadamente R$200 milhões. Quando se vai para o orçamento das estatais, particularmente e quase exclusivamente, o setor financeiro público, os bancos estatais, esse valor se aproxima de R$1 bilhão.  

Isto evidentemente é abusivo: no momento em que se cobram sacrifícios da sociedade, discute-se aumento de impostos, faz-se redução de gastos em programas sociais, cortes naquilo que é mais grave ainda, em obras estruturadoras da economia, permitir-se essa farra da suntuosidade, da construção de prédios, de tudo que apenas significa atividade-meio.  

Estou apresentando uma proposta. Pode parecer radical, mas é assim que deveríamos agir, adotando um posicionamento frente ao necessário ajuste fiscal, à crise que estamos enfrentando: cancelamento de todas as consignações que se referirem a investimento para construção de edifício-sede, de melhoramento, de reforma, de construção de anexo; e remeter-se ao Relator-Geral a análise, caso a caso, daquilo que for obra inadiável, que efetivamente signifique adaptação para a atividade-fim, ou obras em andamento, cuja desaceleração possa provocar deseconomias. Tínhamos que adotar essa postura: cancelar. Não se pode, num país que está enfrentando uma crise, permitir o absurdo que aqui se vê; e outros estão sendo programados. Talvez empreiteiro goste muito disso, mas a sociedade não.  

Tenho aqui um pequeno exemplo. Em Pernambuco, analisei dois tribunais: o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região. É pouco. Esses números inclusive que eu disse são singelos frente ao valor global do nosso PIB, aquilo que é refletido no Orçamento, portanto, da nossa arrecadação. Mas de qualquer forma, em Pernambuco, percebi isto: aproximadamente R$800 mil para a construção de sede, reforma, construção de anexo desses dois tribunais. Se isso fosse cancelado, como deve ser -e estou propondo emendas- e fosse realocado para atividades que sofreram cortes, como universidades, campos de pesquisa -ciência e tecnologia é fundamental para quem pensa o futuro-, se fosse encaminhado para atividades que sofreram brutais cortes: de apoio à criança e ao adolescente, aos idosos, aos deficientes e programas de ação social; esses recursos que estão lá consignados para construções, ou reformas, ou ampliações, ou anexos dariam para restaurar não só o que a primeira versão do Orçamento consignara para esses programas, para esses subprojetos, como até para mais, uma pequena realocação de recursos.  

Se pensássemos assim em todo Brasil, talvez se pudesse ter algo a dizer à sociedade. Está se exigindo dela quotas de sacrifício, mas o Governo muda a sua gestão, não permite desperdício, seleciona e dá qualidade a prioridades; coisa que nós -e não estou tendo a capacidade de fazer- teríamos que fazer com o Banco do Brasil, com a Caixa Econômica Federal, com o Basa, com o BNB, com o BNDES, que destinam mais de R$1 bilhão para esse tipo de atividade. Será que a prioridade é essa?  

Financiamento da produção nem se discute; ampliação não existe; pequena e média empresa com dificuldade de financiamento; falência gerando desemprego; renda nem se fala; não há um pacto de produção. A visão financeira é fruto de uma promiscuidade da equipe econômica com o capital financeiro nacional e internacional -é preciso se atentar para isso-, e um pequeno exemplo também dá isso, mas de forma muito contundente. Não se está discutindo no Orçamento brasileiro, no ajuste, nada que se refira ao pagamento do serviço da dívida, apesar de ser o grande estrangulamento das contas públicas brasileiras; mas isso não se discute.  

Essa é a proposta que estou apresentando, aproveitando o momento aqui no Senado, porque talvez seja mais tranqüilo dizer a poucos, mas atentos, para saberem de uma proposta, que é radical do ponto de vista etimológico, vai à raiz; mas é que talvez o bom senso possa indicar para que o Parlamento brasileiro não seja coadjuvante -e coadjuvante totalmente secundário- nas discussões dos grandes temas nacionais que o Orçamento implica; por exemplo, para que o Parlamento não fique imaginando e sofrendo descrédito perante a opinião pública, quando se sabe que apenas trabalhamos menos do que 5% do Orçamento da República, a fim de que tenhamos consciência de talvez poder dizer que o ajuste fiscal terá, pelo menos, uma gestão mais responsável, uma definição mais qualitativa das prioridades, e possamos, aí sim, exigir quotas de sacrifícios, porque se acaba com a farra da gestão pública perdulária.  

Sr. Presidente, requeiro a V. Exª que faça constar, como parte do meu pronunciamento, os documentos que ora encaminho à Mesa, incluindo também um pedido de informação que faço ao Relator-Geral, Senador Ramez Tebet, para que esclareça, com maiores detalhes, sobre algo que, não tenho a certeza, pode ser uma das farras na relação do Bacen - Banco Central, e dos fundos aeronáuticos e aeroviários, sobre os quais também não há muito esclarecimento e que significam juntos mais de R$30 milhões.  

Muito obrigado.  

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. ROBERTO FREIRE:  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando se fala em crise em qualquer País, uma regra deve ser básica: nenhum segmento em particular, a não ser aquela parcela menos favorecida da população, deve ser beneficiado ou gozar de privilégio. Superação de crise, por definição, exige esforço coletivo, clara definição de prioridades e fundamentalmente, de como se dará a repartição dos sacrifícios e onde recairão preferencialmente os ônus dos cortes de despesas e dos aumentos de impostos e contribuições no campo da receita. E mais, tudo na perspectiva do não comprometimento - no limite - de obras e serviços essenciais ao nosso futuro econômico e social  

É partindo deste princípio e compreendendo o caráter político desta discussão, que não pode ficar restrita às questões meramente técnico-orçamentárias, que venho a esta tribuna defender uma ação em torno do ajuste fiscal elaborado pelo Governo, ora na ordem do dia deste Congresso, a meu ver fundamental: o radical corte nos projetos de investimentos voltados para a construção, ampliação e melhoria de edifícios públicos - previstos tanto no Orçamento Fiscal quanto no das estatais - e a alocação dos mesmos recursos para atividades estratégicas que possam garantir a retomada e aceleração de obras estruturadoras do nosso desenvolvimento econômico, geradoras de emprego e renda e dinamizadoras da ciência e da tecnologia, portanto, inadiáveis quando pensamos no presente e no futuro. Alem, é obvio, dentro do possível, de possibilitarem a não redução ou cortes nos programas de educação e saúde públicas.  

Sei das limitações a que o poder legislativo está submetido quando o assunto é orçamento. São leis e resoluções que nos impedem na prática de definir as grandes políticas nacionais, privilégio reservado apenas ao Executivo. Por exemplo: o percentual no orçamento fiscal passível de emendas parlamentares é inferior a 5 por cento da proposta global e , assim mesmo, com espaços para que haja pulverização e desperdícios de recursos, muitas vezes atendendo apenas interesses do clientelismo.  

Apesar destas margens tão estreitas, ouso formular uma proposta e julgo-a como correta para responder às demandas do ajuste, potencializando investimentos efetivamente produtivos e minimizando o impacto sobre os programas sociais.  

Segundo uma avaliação preliminar, os cortes que aqui sugiro, no orçamento fiscal, poderiam chegar a casa dos 100 milhões de reais, uma cifra irrelevante se comparada aos grandes números do orçamento, porém não desprezível quando levamos em consideração os cortes em alguns programas sociais, onde poucos milhões podem fazer diferença. Dou um pequeno exemplo: em relação à Pernambuco cancelei recursos que seriam gastos em reformas de imóveis do TRT/6º Região e TRF/5º Região e os redirecionei para as áreas de pesquisa das universidades Federal e Rural , programas de assistência social para crianças, idosos e deficientes e para o Instituto de Hemodiálise, totalizando 700 mil reais. Se as emendas forem acatadas, muitas destas sub-atividades receberão mais do que estava previsto na primeira versão do orçamento. Aqui se evidencia a qualidade do gasto. Prestemos atenção: os recursos consignados para a construção, ampliação e reformas de prédios da Justiça em Pernambuco são singelos se comparados aos 76 milhões de reais alocados para outros estados e tribunais superiores e aos quase 20 milhões destinados ao Ministério Público para a construção de sedes. Imaginem o desperdício que isto representa em situações de crise, aliás, não precisamos imaginar; basta olhar os suntuosos prédios dos tribunais superiores que já foram ou estão sendo erguidos na Capital da República, discutíveis alguns deles até em momentos de bonança.  

Frente ao nosso compromisso com o poder judiciário reformado, ágil e eficiente nem precisaria fazer as ressalvas que faço. Não haveria da minha parte nenhuma contestação se os recursos fossem para a ampliação e modernização da prestação jurisdicional. Também não contestaria se no lugar dos prédios os investimentos estivessem comprometidos com equipamentos como os que poderiam, por exemplo, viabilizar a informatização eleitoral de todos os municípios brasileiros.

 

Quanto ao orçamento das estatais, poder-se-ia aqui discutir se os investimentos definidos são os que melhor atendem os interesses da economia brasileira. Mas neste assunto o Congresso sempre passou batido e, frente à urgência do ajuste, fica impossível retomar o tema nesta oportunidade. Mas não digo o mesmo em relação ao setor financeiro público.  

Ora, é inadmissível que a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste, o Basa e o BNDES não tenham recursos disponíveis suficientes para financiar as atividades produtivas e para atender os reclamos desesperados das pequenas e médias empresas brasileiras, que vivem à beira da falência, mas os possui para erguer edifícios-sede, novas agências e ampliar suas atuais instalações. Defendo o sistema financeiro público e tenho a nítida clareza que sua importância para a economia brasileira não será medida pela suntuosidade e beleza plástica de seus edifícios.  

Os dois orçamentos, o fiscal e o das estatais, no tocante a investimentos, representam respectivamente cerca de 5 e 8 bilhões, totalizando 13 bilhões de reais, um sinal evidente de quão baixa está a poupança pública brasileira. Entretanto, tal montante poderia trazer melhores resultados para o nosso desenvolvimento se bem aplicado e articulado sob o prisma de um pacto nacional de produção, uma discussão nova e que precisa amadurecer o mais rapidamente possível.  

Existem outros três projetos que me chamaram a atenção - BACEN, FUNDO AERONÁUTICO e FUNDO AEROVIÁRIO- e que tratam também de investimentos em construção, guardando, porém, nominalmente, relação com segurança. Se fôssemos radicalizar, tais rubricas no valor total de aproximadamente 40 milhões talvez pudessem até ser canceladas ou redirecionadas, mas preferi solicitar, por intermédio de ofício , que o relator Ramez Tebet fizesse exame mais detalhado da natureza daqueles gastos. Um dado interessante: nestes projetos não houve nenhum corte na segunda versão do orçamento.  

Façamos algumas perguntas. No quadro de drástico ajuste fiscal, o que é mais importante: edifícios novos da Justiça e de bancos públicos ou a aceleração e conclusão de obras como as dos portos de Suape, Pecém e Sepetiba? Queremos reformas, ampliações, construções de anexos ou bolsas de incentivo à pesquisa e investimento em ciência e tecnologia ?  

Creio, quem tiver bom senso não errará nas respostas. Os portos assinalados não estão apenas diretamente vinculados aos interesses econômicos dos estados, nem tampouco ciência e tecnologia são caprichos acadêmicos. Ao contrário, estão ligados umbilicalmente a um projeto de desenvolvimento nacional. Outras perguntas poderiam ser feitas, confrontando investimentos indevidamente priorizados com os programas de educação pública e seguridade social, mas vamos em frente.  

Provavelmente, defensores dos referidos projetos que ora criticamos argumentarão que a sua execução vai gerar empregos, beneficiando brasileiros excluídos do mercado de trabalho. É claro, toda obra gera emprego e isto sempre é positivo. Entretanto, se deslocarmos tais recursos para programas estratégicos de produção e seu financiamento estaremos gerando emprego e renda em outra escala e evitando maior comprometimento da atividade econômica brasileira. Infelizmente, ao elaborar a proposta de orçamento o Executivo não teve sensibilidade e preocupação para evitar essas graves distorções por nós apontadas. Pior, por se submeter a uma hegemonia neoliberal de uma equipe econômica perigosamente vinculada aos interesses do grande capital financeiro nacional e internacional, não enfrentou o verdadeiro estrangulamento das nossas contas: o abusivo serviço da imensa dívida pública que não pára de crescer e já consome mais de 30 por cento da nossa receita.  

Ao defender cortes a partir de uma avaliação qualitativa, não estou virando as costas para as exceções de praxe. Se alguma construção for vital em função da modernização inadiável para a realização de atividade-fim ou se se tratar de obras em andamento cuja desacelaração implicar em deseconomia que se façam os gastos consignados na atual proposta orçamentaria. Isso deve ser um trabalho meticuloso e sério da relatoria da Comissão Mista. Caso contrário, posterguem-se os investimentos e recorra-se aos próprios públicos, espalhados aos milhares pelos Estados e Municípios e muitos deles não utilizados adequadamente. E não estamos inventando nada acerca deste assunto: a União conta com cerca de 3 milhões de imóveis sem qualquer tipo de controle e recente relatório do TCU assinala que o País perde em aluguel de seus próprios e terrenos cerca de 1,5 bilhão de reais por ano. Não vejo nenhuma necessidade nesta febre construtora ainda mantida na segunda versão do Orçamento.  

Vai aqui um parêntese, talvez um detalhe elucidativo: sabemos lamentavelmente que na maioria das vezes a construção, ampliação e reformas de certos edifícios atendem muito mais as empreiteiras do que o interesse público. Outro pequeno detalhe: hoje temos consciência da falta que fez a CPI das empreiteiras, logo após finalizada a CPI do Orçamento.  

O Congresso Nacional está diante de uma responsabilidade enorme ao discutir e aprovar o programa de ajuste, do qual o orçamento é peça fundamental. Se é necessário trilhar o caminho do aumento da arrecadação via impostos e contribuições, é mais que necessário viabilizar a contenção de despesas não prioritárias. Não podemos exigir da sociedade cotas de sacrifício sem que se tenha dos poderes públicos, como contrapartida, gestão responsável nas prioridades e o combate ao desperdício.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/1998 - Página 16258