Discurso no Senado Federal

VOTO DE LOUVOR AO CARDEAL ARCEBISPO DE SÃO PAULO, D. PAULO EVARISTO ARNS, POR OCASIÃO DE SUA APOSENTADORIA E SUBSTITUIÇÃO A FRENTE DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • VOTO DE LOUVOR AO CARDEAL ARCEBISPO DE SÃO PAULO, D. PAULO EVARISTO ARNS, POR OCASIÃO DE SUA APOSENTADORIA E SUBSTITUIÇÃO A FRENTE DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1998 - Página 16067
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, PAULO EVARISTO ARNS, CARDEAL, ARCEBISPO, OPORTUNIDADE, APOSENTADORIA, SUBSTITUIÇÃO, DIOCESE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, em iniciativa de inegável justiça e oportunidade, o ilustre Senador Pedro Simon propõe à Casa a inclusão de um voto de louvor ao Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que se aposenta e se afasta de suas funções à frente da Arquidiocese de São Paulo. Juntamente com Dom Helder Câmara, igualmente aposentado, podem ser considerados verdadeiros apóstolos do Brasil pelo comprometimento de ambos com as causas da justiça social, política e econômica da população, principalmente dos menos favorecidos. Gostaria ainda de mencionar Dom Pedro Casaldáliga, Dom Aloísio Lorscheider e tantos outros membros da igreja que merecem essa qualificação. Nascido no interior de Santa Catarina, filho de colonos de descendência alemã, após realizar seus estudos regulares em sua cidade natal Forquilhinha, e no Colégio São Luiz, em Rio Negro, no Paraná, Dom Paulo ingressou, em 1939, na ordem franciscana, sendo ordenado em 1945, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Realizou estudos superiores na Universidade de Sorbonne, na França, onde se licenciou em Letras e, posteriormente, na Academia de Paris doutorou-se obtendo o grau máximo, com a tese “ A técnica do livro em São Jerônimo”. A sólida formação intelectual de Dom Paulo Evaristo Arns certamente contribuiu para consolidar os princípios humanísticos que sempre orientaram seu sacerdócio e suas atividades apostólicas em favor dos oprimidos e despossuídos de toda natureza.

Guindado ao bispado em 1966 por nomeação do Papa Paulo VI, Dom Paulo foi indicado para trabalhar na Arquidiocese de São Paulo como auxiliar do Cardeal Dom Agnelo Rossi, quando intensificou sua incessante cruzada pelos direitos humanos, justamente quando maior era a repressão, com prisões, torturas e desaparecimento de presos políticos e abusos policiais contra cidadãos pobres nos cárceres paulistas, no início do governo militar.

Empenhou-se também, nesse período, na apuração de abusos contra os padres dominicanos, acusados de envolvimento com Carlos Marighela, líder da ALN. Nomeado Arcebispo de São Paulo em 1970, Dom Paulo deu continuidade à sua luta na defesa dos prisioneiros políticos do regime militar, tornando sua atuação de tal forma contundente, que o Comandante do II Exército e o Governo do Estado decidiram impedir suas visitas aos prisioneiros. Dom Paulo reagiu a essa atitude arbitrária, fazendo afixar nas igrejas da Arquidiocese de São Paulo carta, na qual lamentava que nesse país cristão, quando estão em jogo vidas humanas, aqueles a quem Deus concedeu múnus de pastor sejam impedidos de cumprir sua missão específica, aliás garantida por nossa Carta Magna.

O cardinalato veio em 1973, fato que não alterou suas atitudes pessoais e pastorais na defesa dos direitos humanos e conseqüente confronto com as autoridades militares. Nessa oportunidade, Dom Paulo criou a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, com a tarefa de lidar com os assuntos jurídicos de defesa dos direitos da pessoa humana, em especial dos presos políticos. As atividades conduzidas pela Comissão e por Dom Paulo acarretaram a retaliação do Governo, que cancelou a concessão da Rádio Nove de Julho e ocasionou a censura sistemática do órgão oficial da Arquidiocese, o jornal O São Paulo.

O momento mais tenso das relações entre Dom Paulo e as autoridades do regime militar ocorreu em 1975, com a prisão do jornalista Wladimir Herzog e sua morte nas dependências do II Exército, sob o comando do General Ednaldo D’Ávila Melo. Dom Paulo, corajosamente, desafiando as pressões dos altos escalões militares, realizou um ato ecumênico na Catedral da Sé, o qual se transformou numa grandiosa manifestação, com a presença de mais de cinco mil pessoas contra o regime ditatorial.

Dom Paulo Evaristo esteve sempre em sintonia com os setores ditos progressistas da igreja católica, contribuindo de forma decisiva para o processo de redemocratização do País. O livro Brasil: tortura nunca mais foi da inspiração e responsabilidade de Dom Paulo, e representou um marco na luta contra a tortura no Brasil. A redemocratização do país encontrou Dom Paulo em sua trincheira de luta pela justiça social e contra as injustas políticas praticadas pelos diversos governos que sucederam ao regime militar, causador da mais cruel concentração de renda existente no planeta e da conseqüente exclusão de grandes massas de seres humanos nos processos produtivos.

Para o Partido dos Trabalhadores, a figura humana e as atividades pastorais de Dom Paulo Evaristo Arns são muito caras em virtude do apoio dele e da Arquidiocese aos trabalhadores nas greves do ABC em 1978/1979, quando os sindicatos estavam praticamente manietados pelas intervenções do governo militar.

Foi o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns quem, igualmente, julgou legítima a intenção dos trabalhadores de canalizarem sua luta mediante um partido político.

O Partido dos Trabalhadores nasceu, então, em virtude das lutas dos trabalhadores, muitas vezes em greve em 1978, que contaram com o apoio de Dom Paulo. Dele, o atual Presidente de Honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva assim falou: “Dom Paulo é insubstituível, é daquelas figuras que nunca deveriam ficar idosas.”

Aposenta-se o pastor, em obediência às normas do Vaticano, mas o sacerdócio de Dom Paulo Evaristo Arns não, pois novos desafios o esperam na sua incansável batalha pelo bem-estar social da sofrida gente brasileira.

Sr. Presidente, Dom Paulo Evaristo Arns, no dia 17 de dezembro de 1989, foi convidado a desempenhar um papel extremamente difícil. Quando seqüestraram o empresário Abílio dos Santos Diniz, foi ele quem teve a coragem de negociar com os seqüestradores, a fim de que nenhuma pessoa fosse morta. Graças à intervenção dele, Abílio dos Santos Diniz escapou com vida do seqüestro. Foi um ato de extrema coragem. Mais uma vez, Dom Paulo Evaristo Arns deu um exemplo muito importante. Agora, quando se discute a situação dos responsáveis por aquele ato tão triste, que obviamente merece nossa crítica e condenação, novamente é Dom Paulo quem dialoga com eles e com as autoridades, a fim de buscar o entendimento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1998 - Página 16067