Discurso no Senado Federal

ALERTA PARA OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS PRODUTORES RURAIS, DESTACANDO O SETOR LEITEIRO. CLAMOR AS AUTORIDADES COMPETENTES PARA A EXTENSÃO DO PROGRAMA PRONAF.

Autor
Arlindo Porto (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MG)
Nome completo: Arlindo Porto Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • ALERTA PARA OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS PRODUTORES RURAIS, DESTACANDO O SETOR LEITEIRO. CLAMOR AS AUTORIDADES COMPETENTES PARA A EXTENSÃO DO PROGRAMA PRONAF.
Aparteantes
Jonas Pinheiro, José Eduardo, Odacir Soares, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1998 - Página 16963
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, FEDERAÇÃO NACIONAL, AGRICULTURA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ANALISE, CRISE, PRODUÇÃO, LEITE, BRASIL, RESULTADO, FACILITAÇÃO, FINANCIAMENTO, IMPORTAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO, PRODUTO NACIONAL, PECUARIA.
  • CONCLAMAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APOIO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), INCENTIVO, FIXAÇÃO, HOMEM, CAMPO, ZONA RURAL, FOMENTO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, PRODUTO AGRICOLA, BRASIL.

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, desde que deixei o Ministério da Agricultura no mês de abril, procurei, por questão ética e por princípio, deixar de manifestar, nesta Casa, opiniões ou tecer comentários a respeito da atividade rural, a pecuária, a agricultura. Mas, hoje, Sr. Presidente, sinto-me conclamado a fazer, aqui, não um questionamento, não uma denúncia, mas um chamamento para alertar a sociedade brasileira, especialmente o Poder Público brasileiro, em relação ao momento que estamos vivendo na pecuária leiteira.  

Tive a oportunidade, nesta segunda-feira, dia 23, de participar de uma reunião promovida pela Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais, a Faemg, sob a presidência do Dr. Gilma Viana, onde foi levantado o tema "Cadeia Produtiva do Leite: Desafios e Oportunidades", discutido com produtores e lideranças rurais de todo o meu Estado, que ainda o estão debatendo. Sr. Presidente, o que ouvimos naquela oportunidade foi algo que efetivamente nos preocupa. Portanto, não podemos silenciar.  

Neste momento, queremos fazer uma colocação no sentido de que todos nós, imbuídos da responsabilidade que temos, possamos conseguir encontrar um caminho, evitando que milhares e milhares de famílias continuem a sair do campo, continuem indo para as cidades, inchando a periferia, aumentando a pobreza, aumentando a miséria, piorando a qualidade de vida do povo brasileiro.  

Por isso, estarei fazendo um relato sucinto, mas que entendo importante. Desde que vivemos o processo da estabilização da moeda - o real forte, a inflação baixa, os preços, especialmente de gêneros alimentícios, compatíveis com a renda da população -, tivemos um crescimento do consumo. O cidadão da camada mais baixa busca receber o seu salário ou a sua renda e aplicá-lo, prioritariamente, na alimentação.  

Portanto, o consumo do leite, no Brasil, cresceu. Hoje, consumimos uma média de 140 litros por habitante/ano, mas, lamentavelmente, muito abaixo do nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde, pela FAO. Apenas para citar um exemplo, aqui, no Mercosul, a Argentina consome 244 litros por habitante/ano. E, mesmo assim, o que sentimos é uma grande desnutrição das nossas crianças por todo o Brasil. Entretanto, o País elevou sua produção.  

Em 1994, o Brasil produzia 15,8 bilhões de litros de leite. Em 1998, a estimativa é de que já estaremos nos aproximando de 21 bilhões de litros de leite - 1,5 bilhão de litros de leite a mais, por ano, o que mostra, o que significa o empenho e a vontade do produtor rural em elevar a sua produtividade e melhorar a qualidade do seu produto.  

De maneira especial, quero destacar o grande crescimento da produção do Centro-Oeste brasileiro, que cresceu 70% apenas nesse período, e, de maneira mais enfática, o Estado de Goiás, que aumentou em 76% a sua produção.  

Enfim, o produtor brasileiro respondeu ao chamamento do consumo. Estamos atingindo a nossa auto-suficiência, já nos preparando para exportar, para ocupar o mercado internacional e para aumentar, também, as nossas divisas, haja vista que o Brasil, como grande produtor de grãos, teve um superávit, no ano de 1997, de US$11,8 bilhões.  

Essa era a perspectiva do produtor brasileiro: produzir quantidade, produzir qualidade. Mas estamos assistindo a um processo exatamente inverso, pois o produtor brasileiro se sente desestimulado, na medida em que não consegue ocupar o mercado interno com a sua produção, porque a importação dos produtos está cada vez maior e o estímulo à importação é cada vez mais veemente.  

Apenas para trazer um dos exemplos mais recentes, neste ano de 1998, o Brasil deverá importar US$ 520 milhões apenas com produtos lácteos, o que mostra que são US$ 520 milhões que o produtor brasileiro deixará de colocar no mercado, pois estaremos importando todos os reveses da produção internacional de produtos lácteos.  

O Brasil importa, inclusive, leite em pó de soro, produto que é utilizado na Europa e nos Estados Unidos apenas para alimentação animal; e há uma grave suspeita de que esse produto entra no Brasil para fazer a composição da alimentação de nossas crianças. Neste primeiro semestre de 1998, já importamos 1,43 bilhão de litros de leite, correspondentes a US$ 324 milhões.  

Tudo isso, Sr. Presidente, preocupa aquele homem que vive no campo, principalmente essas importações - de maneira mais consistente as que vêm do Mercosul, responsável por 71% do total, dada a isenção de impostos entre os países-membros. O Brasil importa de maneira mais contundente da Argentina, e é inexplicável, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que um litro de leite argentino seja comercializado nos supermercados brasileiros por R$0,60 a R$0,70, enquanto o mesmo litro de leite seja comercializado na Argentina por US$1,10 a US$1,15, o que mostra que algo está errado. Seria ótimo se pudéssemos consumir leite a R$ 0,60 o litro. Mas será justo ficarmos à mercê dessa política? Ou seja, o país vizinho nos vende esse produto com preços altamente subsidiados, com vantagens extraordinárias para os intermediários.  

Vemos, mais uma vez, o nosso produtor empobrecer. Vemos, mais uma vez, o nosso produtor distanciar-se desse processo produtivo. Enquanto isso, vemos, cada vez mais, a Argentina, num processo de invasão do mercado, fazendo com que produtos de outros países, especialmente da Europa e da Austrália, entrem pelo Mercosul, numa concorrência desleal. Os "sem-fábrica" estão abastecendo o mercado brasileiro, desestimulando os produtores rurais, aviltando o preço no mercado interno, dando oportunidade para que as grandes empresas multinacionais aqui instaladas pressionem ainda mais o pobre do produtor brasileiro.  

Por isso, em Minas Gerais, no ano passado, iniciou-se um programa denominado "SOS Leite", que se espalhou por todo o País. Algumas medidas foram implementadas; sobretudo aquelas que buscavam incrementar uma fiscalização mais intensa por parte do Ministério da Agricultura. E tenho aqui que registrar, Sr. Presidente: dezoito empresas foram fechadas no Brasil por estarem importando de maneira ilegal e comercializando produtos de maneira inadequada. Da mesma forma, proibimos a importação automática do leite em novembro de 1997. Em fevereiro de 1998, passou-se a fixar normas mais rígidas para a importação do leite longa vida.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é necessário que se registre que os comerciantes de leite do Brasil importavam leite da Argentina com quinhentos dias de prazo para pagamento, com juros de 6% ao ano.  

Como pode o nosso produtor concorrer nessas condições? Neste caso, sim, o mercado importava não leite, mas capital de giro; por isso, o Governo tomou essa medida, restringindo o prazo de financiamento para trinta dias. Mas, lamentavelmente, o poder comercial é mais forte do que o poder produtivo.  

O Sr. José Eduardo (PTB-PR) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Com muita honra, Senador.  

O Sr. José Eduardo (PTB-PR) - Aproveitando a deixa de V. Exª sobre esses aspectos, gostaria de lembrar que empréstimos para financiar as privatizações foram fartamente concedidos a multinacionais, com juros baratos e prazos longos. Para a nossa agricultura, no entanto, esses empréstimos são sempre difíceis, minguados e concedidos com grandes dificuldades. Usaram os recursos do FAT, que é tomado do trabalhador brasileiro e que aumentou suas dificuldades, para constituir esses fundos enormes que são usados de forma a favorecer a concentração da renda, quando o País precisa de um programa de desconcentração da renda. O Governo gasta uma fortuna na reforma agrária, milhões e milhões para assentar famílias de necessitados, que, na seqüência, são obrigados a abandonar seus lotes. Aqueles que herdaram lotes em processo de sucessão familiar e que vêm tendo suas propriedades diminuídas são obrigados a abandoná-las, porque faltam recursos para o Pronaf, para investimentos e para apoio às atividades rurais. Então, faz-se necessário adotar um conceito de gestão de recursos públicos voltada para propiciar uma verdadeira distribuição de renda. Eu tinha esperanças de ver isso concretizado. Durante a campanha presidencial do Presidente Fernando Henrique, conversamos sobre isso; mostrei a Sua Excelência o absurdo da política operacional do BNDES, e Sua Excelência concordou comigo. Mas, lamentavelmente, parece que se esqueceu disso bem rápido, pois voltou a patrocinar programas de concentração de renda no nosso País, revertendo uma tendência que tinha se estabelecido no Governo do Presidente Itamar Franco. É muito oportuna a colocação de V. Exª, e espero que, ao iniciar o novo mandato, o Presidente acorde para essas questões e recoloque no rumo correto as aplicações desses grandes fundos, que são constituídos com o dinheiro dos trabalhadores e que não servem aos trabalhadores do Brasil.  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador José Eduardo, porque V. Exª, Ministro da Agricultura que tive a honra e o privilégio de substituir, trabalhou muito no sentido da valorização da produção brasileira; trabalhou muito pela integração efetiva do Brasil no mercado internacional; trabalhou muito pela implantação da globalização, mas sem sacrifício para o produtor.  

Hoje a globalização é um processo de mão única, em que se facilita a importação de todos os produtos, inclusive os agrícolas, mas não se promove uma disputa ordeira e ética no mercado internacional em termos de competitividade. Nós, produtores rurais, não queremos favores: queremos igualdade de condições.  

V. Exª levantou a questão dos juros. Hoje, lamentavelmente, para se importar leite, existe, sim, financiamento de países estrangeiros ou do próprio Brasil, mas não se tem um financiamento para o produtor implantar um sistema de tanque de expansão, algo moderno que poderia reduzir os seus custos. Não temos recursos, hoje, para o custeio da atividade rural do nosso produtor. É lamentável imaginar que este é o Brasil que nós estamos construindo.

 

O Brasil só será construído com força, com determinação e com vontade.  

O Sr. José Eduardo (PTB-PR) - Mas aos grupos multinacionais são concedidos financiamentos pelo BNDES.  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Sim, seguramente. V. Exª levanta uma questão grave. Inclusive, fiz referência aos grandes grupos internacionais que são hoje responsáveis pelo processamento de leite no Brasil. Isso não é benéfico, porque, quando há poucas empresas comprando, o que existe é um aniquilamento, uma pressão econômica muito grande sobre o produtor, que acaba recebendo preços injustos e irrisórios pela sua produção.  

O Sr. Odacir Soares (PTB-RO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Ouço, com muita honra, o aparte do Senador que tenho o privilégio de ter como Líder do nosso PTB nesta Casa.  

O Sr. Odacir Soares (PTB-RO) - Nobre Senador, antes de tudo, cumprimento V. Exª pela abordagem que faz da agricultura brasileira, naturalmente pinçando os aspectos que considera mais importantes. Cumprimento também o Presidente do nosso Partido, o nobre Senador José Eduardo Andrade Vieira, pelo aparte que introduziu no discurso de V. Exª, um aparte muito pertinente e oportuno. Digo isso porque de fato, há muito tempo, a agricultura, lamentavelmente, não vem sendo objeto da atenção que lhe é devida. Sinto-me feliz em poder registrar que, quando da passagem de V. Exª e do nobre Senador José Eduardo Vieira pelo Ministério da Agricultura, tivemos alguns momentos de rejuvenescimento e de revigoramento da política agrícola e agrária no Brasil. Teve-se, então, a preocupação de diminuir os juros para a agricultura, de facilitar o acesso do agricultor aos créditos públicos e assim sucessivamente. Temos uma previsão de safra recorde, mas ao mesmo tempo, neste momento da globalização, observa-se também a redução das áreas plantadas no Brasil. Isso implica desemprego no campo e êxodo rural, fatos que vêm se repetindo já há alguns anos. No entanto, neste momento, com a globalização da economia, esses fatos acarretam conseqüências sociais ainda mais graves, trazendo prejuízos irreparáveis para o trabalhador rural brasileiro. Um outro aspecto que queria levantar, em função inclusive dessa questão dos juros, é que recentemente o Presidente da República editou uma medida provisória voltada para a securitização da dívida dos agricultores brasileiros. Lamentavelmente, os pequenos agricultores que tomaram empréstimos junto ao Banco da Amazônia, do FNO especial, não foram beneficiados. Em 1988, criamos os fundos constitucionais. Fiz um levantamento recente sobre isso e verifiquei que todos aqueles que tomaram recursos dos fundos especiais em todo o Brasil, notadamente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estão inadimplentes. Os recursos desses fundos estão se acumulando nos bancos, sem que os agricultores possam tomá-los exatamente em virtude da inadimplência. Portanto, cumprimento V. Exª pelo discurso que faz, pela abordagem que faz de um dos temas mais importantes para o nosso País e para o povo brasileiro, que é exatamente o setor agrícola, responsável pela produção de alimentos para o nosso povo. Meus cumprimentos a V. Exª.  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Odacir Soares, representante de um Estado que é a nova fronteira agrícola deste País, uma região que consegue se sobrepor às dificuldades de infra-estrutura para produzir alimentos para o Brasil e excedentes exportáveis.  

V. Exª levanta uma questão muito grave, que é a questão da securitização. Eu diria que o endividamento do setor rural está intimamente ligado à falta de renda no campo. Precisamos fazer algo que possa caracterizar a atividade rural como uma atividade rentável, que produz renda suficiente para contrair empréstimos e depois saldá-los. Mas essa é uma questão macro que tem de ser encarada como uma prioridade de governo, não prioridade da agricultura, mas prioridade de crescimento econômico, pois este tem que começar pela agricultura, porque, a partir daí, seremos um país mais justo, com menos assistência, com mais autonomia, com mais dignidade.  

Agradeço o aparte de V. Exª e me encaminho para o encerramento do meu discurso.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Com muita honra, Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Felicito V. Exª pelo pronunciamento. V. Exª teve uma passagem digna pelo Ministério da Agricultura. Acompanhamos a sua dedicação e o seu esforço. Foi lamentável a sua saída. Teria sido bom para todos nós que V. Exª tivesse concluído o seu trabalho à frente desse importante Ministério. V. Exª está levantando uma questão que considero, hoje, a mais importante: o problema da nossa agricultura. Fala-se tanto na globalização. O Brasil está aí fazendo privatizações e outras ações, de forma a dar a impressão de que o moderno na globalização é a abertura. Por que não olhamos para os países desenvolvidos para ver como eles tratam a agricultura? Por que não analisá-los e copiá-los? Por que não tratar as exportações e importações da nossa agricultura como os Estados Unidos e a Europa tratam as importações de produtos agrícolas brasileiros? Por que, de repente, a agricultura brasileira começou a viver esse drama? O Plano Cruzado atingiu duramente esse setor, assim como os Planos Collor I e II e o Plano Real. Quem pagou a conta do congelamento dos preços para combater a inflação - e foi uma medida correta, diga-se de passagem - foi a agricultura. Ela teve fixado em níveis mínimos os preços de seus produtos, mas o mesmo não aconteceu com os insumos que ela precisava comprar para poder produzir. Neste momento está ocorrendo uma coisa fantástica: abriram-se as portas para as importações, e o produtor brasileiro não consegue fazer frente à concorrência daí decorrente. V. Exª falou no leite. As empresas multinacionais estão comprando as grandes empresas produtoras de leite do Brasil e, ao mesmo tempo, querem exportar para nós leite em pó praticamente pela metade do preço praticado no Brasil. Isso acontece por uma razão muito simples: eles têm isenção total, eles têm estímulo para produzir. Há excesso de produção de leite na União Européia, e essa sobra ela coloca no mercado brasileiro a preço irrisório, quase de graça. Veja V. Exª, que passou pelo Ministério da Agricultura: hoje produzimos pouco mais de um milhão de toneladas de trigo e estamos importando seis milhões de toneladas. Já tivemos uma posição contrária: quando tive a honra de passar pelo Ministério da Agricultura, atingimos cerca de 5,5 milhões de toneladas de produção e importávamos um milhão. Hoje, importamos 6,5 milhões e produzimos um milhão. E esse milhão de toneladas estão estocadas, porque os produtores não conseguem vender, já que a Argentina está vendendo seu trigo subsidiado para nós: ela vende trigo para o moinho brasileiro com um prazo de dois anos para pagar. Então, o moinho brasileiro - e é normal que seja assim - prefere comprar o trigo da Argentina, que lhe permite pagar no prazo de dois anos, a comprar o trigo brasileiro, pelo qual ele tem de pagar imediatamente, porque, afinal, o agricultor tem que viver. Estamos vivendo uma situação difícil. É cruel vermos o Brasil hoje como o maior importador de arroz do mundo. V. Exª sabe que o Rio Grande do Sul, modéstia à parte, é o melhor produtor de arroz no mundo: é produzido com tecnologia número um, tem produtividade número um, qualidade número um. No entanto, os produtores de arroz estão reduzidos a uma situação praticamente de falência, porque não têm um mínimo de condições para produzir, para garantir o pagamento de suas dívidas e para crescer. Acho, com toda a sinceridade, que o governo do Presidente Fernando Henrique vai mudar esse quadro agora - as informações que tenho são nesse sentido. Não há nada mais prioritário do que a agricultura. Diz-se que o grande problema do Brasil é o desemprego: ora, a melhor maneira de combatê-lo é incentivando a agricultura. Há um projeto - vamos fazer justiça ao Presidente Fernando Henrique - que, pela primeira vez desde o ano passado, contempla a agricultura familiar. Na minha opinião, nobre Senador, esse projeto deve ter prioridade máxima, deve ser encarado como a pérola mais preciosa pelo Presidente da República. Sua Excelência deveria multiplicar por mil a verba destinada a esse programa, porque a agricultura familiar está hoje reduzida a zero, ela praticamente não produz. No Rio Grande do Sul, muitas vezes, a propriedade familiar, que já foi fantástica, que já foi exemplo de produção e de distribuição de renda para o Brasil e para o mundo - propriedades de 25 a 30 hectares, com distribuição de produção, produção diversificada - hoje, praticamente, é um asilo de velhos. Os gaúchos foram levar o progresso para todo o Brasil, um milhão e meio de gaúchos saíram do Rio Grande do Sul para levar a agricultura para todo o Brasil. Hoje o interior do Rio Grande é praticamente um asilo de velhos. O produtor da propriedade familiar, que já tem terra, casa, insumos, tudo, precisa de um pouco mais para poder produzir e diminuir, assim, o problema do desemprego. Com isso, nobre Senador, pode-se evitar que aconteça de forma generalizada o que as pesquisas de São Paulo estão demonstrando: o pessoal, inclusive os nordestinos, está cansado de sair do Nordeste em busca das luzes de São Paulo e lá encontrar a miséria, a fome e a morte. Essa tentativa de voltar a valorizar o interior, valorizar a nossa agricultura, é o grande passo que o Governo de Fernando Henrique Cardoso deve dar. Tenho uma proposta –e vou apelar ao Presidente Antonio Carlos Magalhães, porque há três anos ela não consegue andar– no sentido de criar uma Comissão de Agricultura no Senado. Desculpem-me a franqueza, mas acho uma vergonha o Senado não ter uma Comissão de Agricultura. A agricultura é tratada na Comissão de Assuntos Econômicos, mas lá são tratados também muitos outros assuntos. Durante um ano, fala-se duzentas vezes sobre economia, indústria e fábricas, mas uma única vez a respeito da agricultura. É necessário, então, criarmos uma comissão permanente de agricultura para valorizarmos e debatermos seus problemas. Essa prioridade à agricultura também deve ser dada pelo Governo Federal. Digo com toda a sinceridade que não faz sentido o que está acontecendo no Brasil, que tem a maior área cultivável do mundo - 150 milhões de hectares. Cultivávamos 35 milhões de hectares, mas estamos cultivando apenas 27 milhões de hectares, ou seja, diminuímos, deixamos de produzir em cerca de 6 milhões de hectares. Possuímos também a maior reserva de água potável do mundo. Na Califórnia já estão sentindo falta de água potável. Dizem que o século XXI, muito antes de ser um século da tecnologia, será o século da água potável, que vai faltar. Em um momento como este, ou damos importância à agricultura –somos um país com 30 milhões de pessoas passando fome– ou vamos continuar importando frutas e hortifrutigranjeiros. Importamos dos Estados Unidos até a pipoca que comemos hoje em nossos lares. Ou se dá a devida importância à agricultura ou, sinceramente, não estaremos à altura do cargo que exercemos. Perdão pela extensão do meu aparte, mas ele foi um desabafo a V. Exª, a quem prezo e admiro e cuja competência reconheço, pois sei que V. Exª desenvolveu um grande trabalho à frente do Ministério da Agricultura. Muito obrigado.

 

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Nobre Senador, seu aparte valoriza meu pronunciamento nesta manhã, nesta Casa. Fico feliz com a proximidade entre o pensamento de V. Exª e o meu. V. Exª, enquanto Ministro da Agricultura, com honradez e determinação, fez com que ela desse passos à frente. Lamentavelmente, às vezes, não se dá continuidade aos bons trabalhos. Mas vejo que nossa responsabilidade e consciência estão sempre atentas, para advertir a Nação. Esta Casa é, sem dúvida, o espaço onde podemos não lamentar, mas sobretudo registrar todos esses fatos. Cumprimento V. Exª.  

Gostaria de enfatizar que foram criados programas importantes –o Pronaf é um deles; mas precisamos, agora mais do que nunca, conclamar o Presidente Fernando Henrique a apoiar esse programa, a fim de que seja efetivamente estendido a todo o País.  

O Sr. Jonas Pinheiro (PFL-MT) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Com a permissão do Presidente, concedo o aparte ao nobre Senador Jonas Pinheiro.  

O Sr. Jonas Pinheiro (PFL-MT) - Senador e Ministro Arlindo Porto, há poucos instantes, saí do gabinete do Presidente do Congresso Nacional e do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães. Fiz-lhe um apelo para que hoje, na sessão do Congresso Nacional, aprovemos a Medida Provisória nº 1.715, que trata de um programa que é da lavra principalmente de V. Exª. Essa medida provisória trata da revitalização dos programas de cooperativas de produção agropecuária –Recoop– em todo o Brasil, e, muito mais do que isso, cria o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo. Lutamos durante doze meses pela aprovação dessa medida provisória, e V. Exª capitaneou esse processo. Reputo a aprovação dessa medida hoje como da máxima importância para o Brasil, além de ser uma homenagem a V. Exª. Essa medida provisória mereceu, nesta Casa, a máxima consideração, uma vez que há muito uma Comissão Mista não se reúne para a apreciação de medida provisória tal como veio do Executivo. Hoje, Senador Arlindo Porto, faço um apelo para que a medida provisória que dispõe sobre o Recope seja, de fato, apreciada. Caso contrário, seu prazo constitucional vai vencer, e poderemos ter problemas no futuro com a sua reedição. Senador e querido Ministro, o Sistema Cooperativista Nacional está reunido em Brasília. Queremos dar como presente ao Sistema a aprovação dessa medida provisória. Portanto, reforço o meu apelo ao Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, no sentido de que essa medida provisória possa ser submetida à apreciação do Plenário, uma vez que já tem o parecer da Comissão Mista que tratou do assunto. Muito obrigado.  

O SR. ARLINDO PORTO (PTB-MG) - Agradeço a V. Exª pelo aparte e pelo pleito, ao qual me associo, feito ao Presidente Antonio Carlos Magalhães para que seja incluída na nossa pauta essa medida provisória.  

O Recope não é apenas um financiamento ou um empréstimo, mas, sem dúvida, a reestruturação do setor cooperativista, importante no mercado globalizado, importante também para que se dê a produção em escala, a redução de custos e o aumento da lucratividade para o produtor rural.  

Encerrando, haja vista que o meu tempo já se esgotou, trago algumas propostas para que possamos, em uma outra oportunidade, debater, discutir:  

- criação de um programa urgente de recuperação de pastagens, capineiras, ensilamento com financiamento a juros compatíveis à atividade e com prazo de, no mínimo, dez anos;  

- abertura de créditos para financiamento de implantação de tanque de resfriamento para que se melhore a qualidade dos produtos e se obtenha a redução de custo para o produtor;  

- estímulo à venda em grupo da nossa produção através do sistema cooperativista;  

- proibição e regulamentação da reidratação de leite em pó no País;  

- regulamentação da aquisição governamental de leite importado;  

- estímulo e apoio aos pequenos produtores através do Pronaf. Que seja a concorrência desleal encarada como algo que pode, a curto prazo, se levar à extinção milhares e milhares de produtores rurais.  

Enfim, eu diria que precisamos investir muito na área de pesquisa. Assim, os nossos produtores, por intermédio da pesquisa associada à extensão rural, poderão ter acesso a um sistema de efetiva produtividade. Medidas sanitárias precisam ser implementadas em curtíssimo prazo, e mais que isso, deve haver o reconhecimento da atividade rural, a consciência de que o produtor tem que ser assistido no seu processo maior de produzir para alimentar os brasileiros e buscar excedentes exportáveis.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1998 - Página 16963