Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DA DEPUTADA ALAGOANA CECI CUNHA. NECESSIDADE DE UMA POLITICA EFICAZ DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO E AOS MATADORES DE ALUGUEL.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DA DEPUTADA ALAGOANA CECI CUNHA. NECESSIDADE DE UMA POLITICA EFICAZ DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO E AOS MATADORES DE ALUGUEL.
Aparteantes
José Eduardo Dutra, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 09/01/1999 - Página 603
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REPUDIO, HOMICIDIO, MARIA JOSEFA CECI CUNHA, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE ALAGOAS (AL).
  • DEFESA, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, APURAÇÃO, RESPONSAVEL, CRIME, HOMICIDIO, CECI CUNHA, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE ALAGOAS (AL).

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho usado a tribuna para abordar vários assuntos que chegam diariamente a nossa preocupação. Tenho usado a tribuna para falar de desemprego, de fome, de miséria, de exploração, de discriminação contra as mulheres, de idosos, de pessoas portadoras de deficiência, do empobrecimento.  

Tenho usado a tribuna para reafirmar minhas convicções, minhas diferenças políticas e ideológicas. Tenho usado a tribuna para registrar eventos, aplaudir ações, condenar medidas, apelar para a sensibilidade das autoridades constituídas, pedir providências, ressaltar vidas, fatos e atos.  

Porém, o que me traz à tribuna neste dia, sem dúvida, constitui-se em um dos temas mais difíceis de ser abordado. E se o faço é porque a consciência e a razão me dizem ser necessário; se ouvisse apenas o coração, talvez a lembrança e a saudade orientassem para o silêncio ou para pronunciar apenas duas palavras: indignação, justiça.  

Dezesseis de dezembro de 1998. Maceió, Alagoas, Brasil. Maria Josefa Cunha, Deputada Federal Ceci Cunha, é brutalmente assassinada, juntamente com o seu esposo, Juvenal Cunha, seu cunhado, Iran Carlos Maranhão e a mãe deste, Ítala Neide Maranhão.  

Reeleita Deputada Federal, Ceci Cunha, mãe de um casal de filhos e que já era também avó, morreu logo após ter participado da solenidade de diplomação dos candidatos eleitos em 4 de outubro, no fórum do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas.  

De família pobre, saiu de Feira Grande, onde nasceu, em 1979, indo para Maceió, onde foi professora primária. Fez vestibular e formou-se em medicina, com especialização em ginecologia.  

Em Arapiraca, também no interior de Alagoas, para onde foi depois de formada, Ceci Cunha desempenhou a profissão por dezoito anos, junto a mulheres pobres, realizando partos e prevenindo doenças ginecológicas.  

Também na cidade de Arapiraca, Ceci Cunha iniciou a sua carreira política como vereadora, cumprindo dois mandatos e sendo a primeira mulher alagoana a se eleger para a Câmara Federal, em 1994.  

Na Câmara dos Deputados, a partir de 1995, Ceci Cunha destacou-se no trabalho junto à bancada feminina no Congresso Nacional na defesa das questões de gênero, nas áreas da saúde e de assistência social.  

Retornava à Câmara dos Deputados neste ano, depois de ter renunciado à condição de vice-governadora na chapa PTB-PSDB, um dia antes do encerramento do prazo para a renúncia a cargos, voltando a concorrer à vaga de Deputada Federal. Foi eleita, já estava diplomada e foi brutalmente assassinada.  

Esse episódio cruel, bárbaro, frio, premeditado, estarrecedor chocou todo o povo brasileiro. Quem dera fosse o último! Indagamo-nos o que fazer diante de uma situação dessas. Pedir a Deus a sua proteção e força? Chorar? Lamentar? Ser solidário? Qual a reação mais acertada? Muitas respostas poderiam ser dadas. O fato é que uma família foi profundamente atingida.  

Quero registrar aqui algumas palavras que foram publicadas na Gazeta de Alagoas do dia 17 de dezembro:  

A indignação generalizada que, com o assassinato da Deputada Ceci Cunha, tomou conta da sociedade não pode ficar somente no desabafo da lamentação. O crime constrange, revolta e, pela crueldade com que foi praticado, exige uma resposta firme e imediata dos responsáveis pelo combate à violência, instalada de forma brutal em Alagoas.  

Chegou a hora - e não há mais tempo a perder - de as leis, que botam ladrão de galinha na cadeia serem usadas para colocar nas redes peixes grandes que, pelas águas infernais, nadam sem ser incomodados.  

É bom projetar hoje o amanhã para não se repetir o passado no qual, durante várias décadas, espingardas de aluguel, por intrigas pessoais dos poderosos, dispararam por encomenda. Pagam justos e pecadores com punição fatal, em nome de uma moralidade perversa, que passa por cima de quem possui ou não prestígio político e financeiro.  

Trata-se de um poder paralelo que, pela fama e pelo poderio que conquistou ao longo dos anos, seguramente intimida e amedronta governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não creio que seja da índole do povo alagoano a violência e a brutalidade. Nas duas vezes em que fui àquele Estado, além das maravilhas que o natureza oferece, vi um povo alegre, que gosta da música, que recebe bem seus visitantes, que possui um potencial muito rico que precisa ser estimulado e valorizado.  

Acredito que há, sim, naquele Estado - como em outros Estados brasileiros - pessoas que tenham praticado o mal, acobertado crimes, abusos fortalecidos pela impunidade, pelo poder econômico e certamente pelo desaparelhamento das instituições policiais.  

Alagoas não pode ser considerada um pedaço de terra onde a vida não vale nada, não deve e não merece continuar nas manchetes negativas do cenário nacional.  

Há necessidade de uma verdadeira cruzada para que as mudanças se efetivem contra a impunidade, pela valorização e qualificação dos serviços e das instituições públicas.  

Temos certeza do compromisso do Governador Ronaldo Lessa contra a violência. Porém, na nossa opinião, a luta contra o crime organizado, o combate aos matadores de aluguel, onde se mata ou se morre pelo comando de alguma coisa, necessita da reação e deve envolver as comunidades, as famílias, as escolas, as instituições, a Justiça, a OAB, as igrejas, na direção da prevenção, da educação e da denúncia.  

Por outro lado, é necessário uma atitude enérgica do Governo Federal para que os responsáveis sejam identificados e punidos com o rigor que a lei exige.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Senadora Emilia Fernandes, V. Exª me permite um aparte?  

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE) - Senadora Emilia Fernandes, gostaria de acompanhar a preocupação de V. Exª, expressa no seu pronunciamento. Todos nós ficamos chocados com a verdadeira chacina, ocorrida no Estado de Alagoas, que tirou a vida de uma deputada eleita. Somamo-nos a essa preocupação de V. Exª no sentido de que esse crime, como tantos outros em nosso País, não fique impune. Fiquei igualmente chocado ao assistir a uma entrevista do Deputado que está sob suspeita a partir da divulgação de uma gravação de uma conversa com um pistoleiro num grau chocante de proximidade e urbanidade. Quando questionado sobre isso, ele disse que todo político é assim, que todo político conversa assim com todo mundo, que isso é inerente aos políticos. Fiquei muito preocupado porque, de repente, pode parecer que todos os políticos têm esse grau de intimidade com pistoleiros, como parece ter sido a intenção do Deputado. Surpreende-me também que um outro deputado estivesse de posse dessa gravação há algum tempo, antes inclusive do assassinato da Deputada, e só tenha divulgado o assunto depois que ela foi assassinada. Talvez, se essa fita tivesse vindo a público anteriormente, teria sido evitado o assassinato da Deputada. Não só a Câmara dos Deputados, através de sua Corregedoria, deve apurar rapidamente esse assunto envolvendo dois Deputados, como também a Polícia e a Justiça brasileiras têm que descobrir, com a máxima urgência, os verdadeiros culpados, responsáveis por esse crime, de forma que sejam punidos exemplarmente, para que não permaneça este sentimento de impunidade, de terror e de medo que está hoje grassando em toda a população do nosso Estado vizinho de Alagoas. Muito obrigado.  

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço o aparte de V. Exª. Sem dúvida a população brasileira está a exigir uma resposta dos poderes constituídos no sentido de que realmente seja esclarecido o envolvimento, a participação, inclusive de Parlamentares, e que sejam punidos com o rigor que merecem.  

Os meios de comunicação, hoje, transcrevem declarações dos Deputados. Não podemos condená-los antes que as apurações se encerrem, tanto que no meu pronunciamento eu até pretendia omitir os nomes dos Deputados, mas, diante das notícias divulgadas hoje nos meios de comunicação, não podemos silenciar.  

É impossível que ainda estejamos convivendo neste País com Parlamentares, com políticos que coloquem as coisas nesse nível de simplicidade, conversam e dão dinheiro a pistoleiros. Hoje há uma notícia que dá conta que Talvane se encontrou com o pistoleiro e disse: "Pisei na bola, dei mancada, sei que agora será muito mais difícil reverter minha cassação". Diz que deu duas notas de 10 reais para ajudar o pistoleiro no "rango". E ainda diz: "Augusto Farias retirou da fita o trecho onde digo que não quero matá-lo, pois ele era meu amigo."  

Se há realmente esse tipo de diálogo em fitas gravadas, não podemos deixar de analisar seu conteúdo, mesmo que escuta telefônica seja crime, como salientou o Ministro. Se um Deputado diz "não quero matá-lo, pois ele era meu amigo", significa que aqueles que não são seus amigos podem ser mortos por ele.  

Temos de fazer uma profunda análise da postura ética desses parlamentares, que têm de ser afastados urgentemente, não podem assumir um novo mandato. A notícia também fala de uma comissão que, dentro de 15 dias, deverá apresentar os resultados dessa análise.  

O que não pode é ficar sem solução. Se grandes ou pequenos estão envolvidos, que sejam punidos. A justiça precisa existir neste País, porque a violência não pode continuar nas ruas, nos lares, retirando a vida das pessoas como se elas nada valessem.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V.Exª um aparte?  

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Ouço V.Exª com prazer.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Senadora Emilia Fernandes, realmente o tema não poderia estar ausente deste Plenário e V.Exª o trouxe com muita sensibilidade, com muita oportunidade e, por isso, congratulo-me com o pronunciamento de V.Exª. Gostaria apenas de acrescentar que, infelizmente, Alagoas tem sido território de acontecimentos insólitos, inadmissíveis, que mostram a atualidade da barbárie, e o crescimento desaforado do crime organizado. Esse é realmente um crime do colarinho branco, praticado por políticos, por pessoas de posses, prestígio e poder na sociedade alagoana. Quero acrescentar que não apenas utilizam esses criminosos da fome, da pobreza dos sicários alugados, mas, como vimos há pouco tempo e ainda voltará, sem dúvida alguma, às manchetes dos jornais brasileiros que o Sr. PC Farias é sócio da N’drangheta*, da Máfia siciliana. Isso foi declarado pelo Sr. Zanata, chefe desse grupo mafioso italiano, que estava construindo uma casa na mesma praia em que o Sr. PC Farias tinha a sua mansão. O Sr. Zanata declarou que veio ao Brasil três vezes e que tem em caixa, em sua organização mafiosa, dinheiro, recursos fornecidos por alguém que só pode ser seu sócio, o Sr. PC Farias. Tem outros sócios ocultos, obviamente. O crime organizado e o crime do colarinho branco assumem, se internacionalizam em Alagoas. Até agora ninguém foi condenado. A única esperança que tenho é que o segredo de justiça com que foram remetidos os documentos da Suíça para a Itália - segredo de justiça esse que foi levantado há pouco tempo - permita que, pelo menos, alguns indicadores, algumas pistas, alguns indícios mais consistentes a respeito do comportamento mafioso desses brasileiros sócios do Sr. Zanata possam vir à tona, a fim de que a população seja esclarecida e que os sócios brasileiros do Sr. PC Farias e da N’drangheta sejam também alcançados e punidos pela justiça. Muito obrigado.

 

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço o aparte de V. Exª. Realmente, o ocorrido faz parte, sem dúvida, de um problema muito maior que envolve questão de consciência, de crime organizado, de impunidade e de pessoas de poder econômico e político para que as coisas permaneçam como estão.  

Em relação a Ceci, além de colega parlamentar, ela era minha amiga. Era uma das poucas Parlamentares com a qual eu convivia, trocava idéias, experiências; participávamos juntas de algumas reuniões. Inclusive, em dezembro, exatamente uma semana antes do seu assassinato, participamos, aqui em Brasília, de uma missa de Natal. Ela estava acompanhada de sua irmã, que também a auxiliava. Tivemos oportunidade de trocar considerações, cumprimentos. Ela se mostrava com grande expectativa em relação ao novo mandato. Qual a minha surpresa quando, na noite do dia 16, recebi um telefonema de Alagoas, de pessoas que sabiam do meu vínculo de amizade com a Deputada - isso ocorreu antes mesmo de os jornais e os meios de comunicação divulgarem o fato - comunicando-me o ocorrido! Fiquei chocada! Depois, recebi inclusive os jornais do Estado de Alagoas, que traziam essas tristes cenas, que mostram a forma brutal, cruel, com que a Deputada e membros da sua família foram exterminados.  

Ela deixa um casal de filhos e netos. Nós, que também temos filhos e netos, sabemos, certamente, do sentimento de pesar que se abate sobre o coração de todos os seus familiares.  

Mas não são apenas os amigos da Deputada e o povo alagoano que pedem justiça; o Brasil todo cobra medidas efetivas para evitar que a chacina que chocou a todos nós entre para a lista dos crimes impunes que tantas vidas têm ceifado.  

Nesse sentido, apelamos ao Ministro da Justiça, Senador Renan Calheiros, que é alagoano, que conhece bem o Estado e que sabe que o Brasil está pedindo explicações. Confiamos no seu empenho para que a justiça realmente seja feita com a maior rapidez possível.  

O brutal assassinato soma-se a uma série de crimes que ocorrem naquele Estado, que registra, desde 1993, nove assassinatos de políticos - a maioria sem esclarecimento até hoje. Crimes políticos em Alagoas, além de atentado a vidas humanas, são um atentado à democracia do País, que não pode mais conviver com isso. Eles são resultado da impunidade, do crime organizado, do desaparelhamento da polícia e da política de desmonte do Estado, que se abate sobre Alagoas e sua população.  

Pistoleiros identificados, deputados suspeitos, conversas telefônicas gravadas, amizade entre parlamentares e marginais, ocultação de informações, desfiliação partidária, notas de repúdio, pronunciamentos, homenagens, despedidas, indignação e revolta... Tudo importante, mas não suficiente.  

Esclarecimentos urgentes é o que queremos; punição exemplar dos autores e mandantes e, acima de tudo, medidas concretas para eliminar da vida de Alagoas e do País esse tipo de crime.  

A bancada feminina no Congresso Nacional já definiu manter-se em vigília permanente, atenta ao desenrolar dos acontecimentos, acompanhando e exigindo a apuração e a punição dos culpados.  

Esta é a demonstração de meu pesar, da minha solidariedade aos filhos e demais familiares da inesquecível amiga, Deputada Ceci Cunha.  

Que além da justiça divina, também se faça sentir a justiça humana!  

Era o registro que queria fazer, Sr. Presidente.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/01/1999 - Página 603