Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PEDIDO DE MORATORIA DECRETADO PELO GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. HISTORICO DO DESEMPENHO DO PLANO REAL NO PAIS. GANANCIA DOS ESTADOS UNIDOS NA COBRANÇA DA DIVIDA EXTERNA DOS PAISES DO TERCEIRO MUNDO E EM ESPECIAL DO BRASIL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PEDIDO DE MORATORIA DECRETADO PELO GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. HISTORICO DO DESEMPENHO DO PLANO REAL NO PAIS. GANANCIA DOS ESTADOS UNIDOS NA COBRANÇA DA DIVIDA EXTERNA DOS PAISES DO TERCEIRO MUNDO E EM ESPECIAL DO BRASIL.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 12/01/1999 - Página 628
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, APOIO, DECRETAÇÃO, MORATORIA, ITAMAR FRANCO, GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, CRITICA, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, NEGOCIAÇÃO, EMPRESTIMO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AGRAVAÇÃO, DEPENDENCIA ECONOMICA, EXTERIOR.
  • DEFESA, DECRETAÇÃO, MORATORIA, BRASIL, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, PROMOÇÃO, VIABILIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo dar curso hoje ao meu discurso de sexta-feira, em que procurava retirar do pedido de moratória encaminhado pelo Governo de Minas Gerais a satanização, em que procurava exorcizar do comportamento de Minas a satanização com que a imprensa, em sua quase totalidade, governadores e boa parte do Governo Federal pretendem cercar a atitude corajosa e antes de tudo antecipatória daquilo que vai ocorrer em escala maior neste País.

Quem prestou atenção na estruturação do Plano Real, nas modificações que a engenharia fria, tecnocrática realizou em relação às experiências anteriores, principalmente às que se iniciaram no dia 28 de fevereiro de 1986, com o Plano Cruzado I, poderia perceber que estávamos caminhando inexoravelmente rumo a esta situação em que nos encontramos. Houve um erro após outro, com o único objetivo de, por intermédio de remendos em que sempre o desprezo pelo social era marcante, defender interesses unicamente políticos - político-partidários e político-individuais. Assim como o malfadado Plano Cruzado 1, antes de seus estertores, conseguiu eleger 23 governadores do PMDB - partido responsável pelo parto daquela concepção monetarista e tecnocrática -, também o Plano Real vai aos poucos e inexoravelmente mostrando as contradições, os conflitos, a inviabilidade e a vida micróbia, de pouca duração, que teria necessariamente de ter esse plano.

Não há dúvida alguma de que o custo do Plano Real um dia será avaliado com calma, com frieza, com tranqüilidade. E veremos, então, que jamais uma ousadia tão grande foi aliada do mais profundo desrespeito para com os direitos adquiridos, para com os patamares galgados pela cidadania, para com a tentativa de alicerçar a nossa soberania num mundo em que a interdependência sempre foi o resultado da inquietude do homem, em que a relação entre as nações, entre os povos foi o resultante inexorável do processo civilizatório.

           O Plano Real fez com que o País se inserisse nesse processo revolucionador, que batizaram de globalização, de uma maneira que vai se mostrando cada dia mais perversa.

           Deveríamos, necessariamente, nos conduzir, por intermédio da eleição e da reeleição do Presidente responsável por sua articulação, para uma moratória. Como tentei mostrar na última sexta-feira, a moratória é o resultado do processo de dominação do capital financeiro internacional, dos empréstimos concedidos pelos países ricos aos países pobres.

           Há exemplos de países que não se valeram de empréstimos externos e que, também por isso, conseguiram atingir níveis elevados de renda, de bem-estar, de civilização. O mais conspícuo desses exemplos é, sem dúvida alguma, o do Japão, que até 1853 era uma sociedade feudal e que, 30 anos depois, já se apresentava como uma das grandes potências do mundo. “Jamais devemos recorrer aos empréstimos externos”, afirmou incansavelmente o Imperador Meiji, que, com 13 anos, foi colocado à frente da restauração realizada em 1865. Até falecer, em 1912, repetiu essa frase inúmeras vezes.

           Lembremo-nos sempre do conselho do General Grant, ex-Presidente dos Estados Unidos: “Não devemos jamais recorrer aos empréstimos externos e, se o fizermos, devemos pagá-los na véspera do seu vencimento”.

           Os exemplos do Egito e da Espanha, que perderam tudo, inclusive sua soberania, devido aos empréstimos externos, devem sempre estar presente na nossa memória. Temos o caso do México, onde o Imperador Maximiliano foi o imperador da dívida externa. Cito o exemplo das invasões, por parte dos Estados Unidos e da Inglaterra, sobre a Venezuela. Temos o exemplo do Brasil, que teve de recorrer a três moratórias ao longo da sua história. Conhecemos inúmeros casos em que a perversidade das relações, dos banqueiros e das finanças internacionais e do imperialismo - como dizia o Presidente Fernando Henrique Cardoso - colocou o garrote vil sobre suas vítimas, inclusive algumas vezes sobre a Argentina.

Muitas pessoas sempre nos alertaram a respeito dos perigos que corríamos com esse endividamento insano, irresponsável, que leva alguns, em certo momento, a recorrer ao default, ao não pagamento da dívida externa ou à moratória. Algumas outras imaginavam um funding loan - como eram chamados os jumbos -, consolidação da dívida externa a que recorreu, por exemplo, Campos Sales. Esse é o caminho daqueles que se deixam levar pelo ópio da dívida externa. “É bom nos endividarmos”. “Podemos fazer obras, ganhar eleições e ser reeleitos, se tivermos recursos, que parecem infindáveis, vindos do exterior”. “Podemos apressar os planos, realizar as metas e endividar o País”.

Cheryl Payer, em “A Armadilha da Dívida Externa”, escrita em 1970, previu convulsões em países latino-americanos que se deixassem endividar de acordo com as regras internacionais enunciadas pelo FMI. Lord Lever, Ministro das Finanças da Inglaterra, pegou um avião em 1972 e foi aos Estados Unidos. Lá, convocou o presidente dos três maiores bancos americanos, alertando-os para o fato de que, se o endividamento continuasse, seria impossível que os devedores pagassem a dívida externa.

Mais tarde, fez também o alerta o atual Papa. François Mitterrand também protestou contra esse processo de espoliação, de empobrecimento cada vez maior dos devedores. O professor Arthur Schlisinger, conselheiro de presidentes da República dos Estados Unidos, à página 114 do seu livro “Os Credores do Mundo” diz que os Estados Unidos, em relação à dívida externa, agem como aquela prostituta que, depois de enriquecer na vida enquanto jovem, ao envelhecer, assume outra postura e passa a chefiar um movimento para fechar a zona boêmia.

Os Estados Unidos, diz o Professor Arthur Schlisinger, na sua juventude, não se cansaram de se endividar e dar o calote em sua dívida externa e, se não fosse esse endividamento não pago a que recorreram no passado, não teriam atingido o atual patamar de prosperidade. Agora, depois de velho, os Estados Unidos, como aquela prostituta, mudam o seu comportamento, exigem o pagamento da dívida externa e cobram por ela um preço que jamais pagaram.

Também Fidel Castro se levantou contra a dívida externa. E, para contrabalançar a posição de esquerda de Fidel Castro, quero citar aqui um representante da direita americana, membro do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos ao tempo de Ronald Reagan. Dizia ele que a maneira pela qual o FMI está cobrando a dívida externa da América Latina leva à destruição da classe média no continente e cria uma situação perigosa, prestes a explodir diante da segurança nacional dos Estados Unidos.

Eles reconhecem que o garrote vil que o FMI nos aplica deveria ter uma resposta explosiva diante da segurança dos Estados Unidos, se a nossa consciência cívica não tivesse sido também esboroada, desmanchada por meio desse processo de endividamento externo irresponsável.

Não continuarei a citar um imenso número de autores, autoridades e pensadores -- Paul Claudel, entre eles -- que sempre viram que a forma mais perversa de espoliação é a especulativa, esta que assume o imperialismo como subsunção, como reunião das outras partes do capital, que são o capital de comércio e o de indústria.

Então, temos de pagar ao comércio exterior sua parcela. Temos de pagar ao capital industrial a sua presença no Brasil. E como temos pago caro! Por meio de doações de terrenos, de isenções tributárias. Em uma fase em que o Governo brasileiro afirma que precisa de receita, doa, perdoa por 30 anos, concede isenção tributária e terrenos, isenta de tudo esse capital estrangeiro que para cá vem. Sempre foi assim.

Agora chegamos a uma situação em que, para continuar administrando esses erros e as suas conseqüências, inaugurados já há muito tempo, mas reafirmados há quatro anos, temos uma taxa de câmbio que o próprio Presidente da República, em uma entrevista concedida à Gazeta Mercantil, em 19 de junho de 1998, disse estar exageradamente elevada.

No entanto, eles não a baixaram. Sabiam que ela estava demasiadamente elevada, mas a mantiveram, porque uma taxa de câmbio elevada era necessária para combater a inflação. Com R$1 valendo US$1, imaginem se Gustavo Franco conseguisse impor a taxa de câmbio que desejava: US$2 por US$1.

O mercado brasileiro foi invadido por mercadorias subsidiadas por essa taxa de câmbio tresloucada. Outro não poderia ser o resultado senão o de obviamente baixar os preços das mercadorias brasileiras que estavam defrontando-se com uma concorrência que não poderiam as empresas brasileiras enfrentar. Não poderiam enfrentar por quê? Porque a tecnologia estava sendo globalizada e nivelada em escala mundial.

Como enfrentar uma concorrência desse tipo, um custo de produção tão aviltado, usando-se, de um lado, tecnologia eficiente, nova, de primeira linha e pagando-se US$0,50 por dia a um trabalhador chinês, ou menos do que isso a um de Bangladesh? Como seria possível ao Brasil ou a qualquer país resistir neste mercado livre, abertas as portas, baixadas as alíquotas de importação? O México, que já levou uma trombada há quatro anos, agora revela que o salário mínimo real do trabalhador mexicano hoje corresponde apenas a 14% do que era em 1976. Reduzir o custo Brasil é reduzir o salário do trabalhador brasileiro a 14% do que ele ganhava há dez anos.

Na Alemanha, dizem que, para que os produtos alemães possam concorrer com os de Bangladesh ou da China, seria necessário reduzir 27 vezes o salário do trabalhador alemão, o que criaria, obviamente, uma situação explosiva, impossível de ser suportada pela coletividade durante algum tempo. Ao se achatarem os salários no México, por exemplo, evidentemente as empresas norte-americanas, em vez de pagarem do outro lado da fronteira US$1.500, US$2.000 ou US$2.500 por mês ao trabalhador, transplantam-se para aquele país a fim de explorar o trabalhador mexicano, que ganha hoje 14% do que ganhava em 1976, configurando-se um erro depois do outro.

No entanto, foi mediante essa taxa de câmbio que se reduziram os preços internos. Em nome do combate à inflação, contraiu-se crédito, secou-se e enxugou-se a economia de tal maneira, que o setor mais lucrativo da economia brasileira, o “bancocrático”, que anunciava ter tido 12.460% de lucro na década perdida, começou, de repente, a falir, porque banqueiro gosta de água, não aprecia a secura. Eles são tubarões e vivem muito bem na água. Quando o Banco Central secou a água, os anaeróbios, os tubarões dos bancos foram todos à falência. Então, criou-se um Proer, num sábado, às pressas, para salvar o sistema bancário que estava falindo, e passaram para ele R$21 bilhões. Agora estamos com o pires na mão pedindo R$40 bilhões emprestados. Quando o Banespa quebrou, o Governo Federal criou rapidamente mais R$30 bilhões para salvá-lo. Este banco, que estava falido, este ano, deu 70% de retorno em elevação de suas ações. Enquanto as ações na Bolsa de Valores de São Paulo, no ano passado, caíram 33%, o Banespa falido, agora saneado por seus correligionários na órbita federal...

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - V. Exª me concede um aparte.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Peço um pouco de paciência a V. Exª para que eu termine essa parte do meu raciocínio.

Em uma segunda moratória, que está sendo feita e que poucas pessoas percebem, novamente, o que aconteceu? Não mudaram nada. Não mudou a taxa de câmbio, o arrocho salarial, a ânsia de demitir funcionários e de reduzir a demanda global. A taxa de juros disparou, portanto, os bancos não têm como emprestar.

Se a economia se encontra em crise, em depressão; os preços caindo; o sistema de crédito tamponado, inviabilizado, como é que os bancos vão emprestar? Agora, é óbvio que estamos diante da segunda onda de falência do sistema bancário brasileiro. Para que isso não fique transparente - e que assim também ficasse antes da reeleição -, o que faz o Banco Central? Cria-se - como eles chamam - um andar, para o fornecimento de um juro de 19% ao ano para um dinheiro parado no sistema bancário nacional. Uma espécie de embolia, obviamente, está derrubando, colocando em situação perigosa o sistema bancário nacional, tampona a circulação e cria um coágulo na circulação monetária do Brasil.

Os bancos estão paralisados não podem emprestar, pois não há tomador para o seu dinheiro, investidores nem comerciantes que se aventurem. Na Capital do Rio de Janeiro, no mês de setembro, não foi vendida nenhuma loja, nenhuma casa comercial, sequer houve venda. Portanto, dessa vez, o sistema bancário está submetido a essa obstrução de suas artérias.

Dessa forma, o Banco Central, com uma situação dessas, resolve pagar por esse dinheiro parado, tamponado, ocioso, 19% ao ano. E para os inativos? Por que não mais trabalham, eles merecem menos que o capital/dinheiro especulativo de empréstimos? Aos aposentados parados, nada; mas ao dinheiro parado, 19% ao ano.

Ao ser indagado sobre a retirada desse dinheiro extra dos inativos, na Folha de S. Paulo de sexta-feira, o Senhor Presidente da República respondeu que “isso é um sinal para o FMI.” Quer dizer, estrangula-se e coloca-se o garrote vil nos aposentados para retirar-lhes a pele e os ossos, sinalizando, assim, que somos bem comportados e iremos cumprir o acordo até a sepultura.

Tendo em vista essa situação, vemos que as coisas se complicam e que a inflação - como dizia Keynes - é um elixir que ativa a economia, pois a inflação reduz salário. O capitalista quer salário alto? Não, salário baixo. A inflação reduz o salário. A inflação perdoa a dívida dos capitalistas que compraram a prazo os seus equipamentos e fizeram os seus investimentos, quando não há correção monetária, e ela não existe no resto do mundo.

Para terminar, a inflação dispara no Brasil e em outras partes do mundo. Doses cada vez maiores do remédio inflacionário têm de ser aplicadas no paciente Brasil, para que o salário se reduza mais, para que os lucros aumentem, para que o capital possa apresentar 12.460% de remuneração de lucro na década perdida, na década que esse sistema bancário brasileiro nos ajudou a perder.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Concedo, com prazer, um aparte ao nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Lauro Campos, eu, que quase sempre concordo com V. Exª, desta feita, vejo-me na contingência de discordar de alguns pontos, pelo menos. V. Exª não concorda com a ajuda financeira do Governo aos bancos, mas isso é um procedimento de todos os países capitalistas do mundo. O Japão está fazendo isso seguidamente, gastando mais de U$100 bilhões com a ajuda aos bancos. Diversos outros países procedem do mesmo modo. Não podemos querer que o sistema bancário abra falência. Ruir o sistema bancário brasileiro significa ruir a economia nacional. Recorrer ao Fundo Monetário Internacional? Ora, somos sócios do FMI, são mais de cem países sócios deste grande banco, que empresta dinheiro ao mundo por preço barato. Estamos recorrendo ao Fundo para receber U$40 bilhões a custos baixos, para nos ajudar a debelar uma crise momentânea. V. Exª também se refere ao funcionalismo público e não há, neste plenário, que eu saiba, nenhum Senador que seja contra o funcionário público - eu não sou -, mas se formos olhar a folha pessoal de cada Estado em relação às receitas, ficaremos alarmados. Ainda há pouco, O Globo publicava uma lista completa de todos os Estados. Vemos, nessa lista, Estados que gastam com sua folha de pessoal 90%, 80%, 70%, 68% do orçamento. A Lei Camata fixa um patamar de 60% como sendo o ideal. A mim me parece uma tragédia um Estado brasileiro despender com 2% da população, que são os servidores públicos, 60% de suas receitas, restando 40% - na melhor das hipóteses - para o cumprimento da dívida do Estado, para o custeio e para 98% da população. O que se gastará do orçamento de cada Estado com a população acaba se reduzindo a algo em torno de 3%, 4% ou 5% para 98% da população. Trata-se de investimento com água, energia, estradas, saúde, educação, etc. Não posso, desta feita, concordar com V. Exª, o que sempre faço com prazer, mas acredito que as medidas que o Governo está tomando são corretas para impedir o caos econômico neste País.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Tentarei, nobre Senador Edison Lobão, responder o aparte inteligente de V. Exª resumindo o que eu teria a dizer com aquilo que aqui está na Folha de S.Paulo do dia 07 de janeiro, quinta-feira. Discute-se, nos Estados Unidos e em outros países que, realmente, participam fortemente da composição do Fundo Monetário Internacional é se ele deve continuar a existir ou não. O FMI está literalmente falido, assim como a ONU. Tivemos oportunidade de ir lá há pouco tempo e vimos que nem a conta de água do nosso representante na ONU está sendo paga. O FMI é um espantalho. Aliás, o nome desse artigo é: “O FMI como fachada.”

No citado artigo, Lawrence Summers, subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos, resume: “O FMI fez mais para promover a agenda comercial e de investimentos dos EUA na Coréia do que 30 anos de entendimentos comerciais bilaterais.”

O FMI foi à Coréia e conseguiu dolarizar sua economia e abrir o mercado para o Japão e para os Estados Unidos, fazendo mais do que a diplomacia americana havia conseguido fazer em 30 anos; tudo isso para a globalização que privilegia os globalizadores e nos ferra - desculpem a palavra.

No entanto, o FMI não dispunha de recursos para nos emprestar e, por isso, teve de fazer uma reunião com o G-7. O FMI está-nos emprestando a conta-gotas, observando se estamos sinalizando - como disse Sua Excelência, o Presidente - corretamente, ou seja, se estamos seguindo de modo certo a cartilha. Dos US$41 bilhões, parece-me que, por enquanto, foram liberados aproximadamente US$6 bilhões. O dinheiro não está mais rolando como em outras épocas.

Penso que, em vez de profligar o Governador Itamar Franco e tentar ridicularizá-lo, o Governo Federal e o Brasil - sem mostrar qualquer resquício de inveja ou descontentamento - deveriam seguir o exemplo de Minas Gerais, isto é, daqueles que sabem muito bem que não é bom dizer “desta água não beberei”. Dessa água da moratória beberemos sim, inexorável e fatalmente. E quanto mais cedo pedirmos a moratória em nível federal, nacional, melhor será. Não seremos os primeiros, os décimos nem os vigésimos a fazer isso.

Tratar-se-á, destarte, de moratória pedida e obviamente aceita - porque nunca houve recusa. Esse pedido não pode ser recusado, principalmente nessas circunstâncias e com os antecedentes trazidos por mim - de autoria de Kissinger, além de economistas e pensadores da direita norte-americana. Eles sabem que precisamos pedir a moratória, já que não podemos continuar nessa situação.

Outro erro que cometeu o Governo foi pensar que poderia manter aqui os US$80 bilhões em reserva se aumentasse a taxa de juros a 49%. Quando o Brasil elevou a taxa de juros a 49%, ele se desmoralizou no concerto das nações razoáveis, porque o mundo paga de 4% a 7% de juros ao ano. Se um País coloca os juros em 49%, é óbvio que esse País está totalmente em dessintonia consigo mesmo, em crise, em contradições e conflitos profundos, porque, senão, não poderia fazer uma loucura dessas em nome de salvar o capital especulativo que aqui está.

Para terminar, e agradecendo a paciência da Presidência, gostaria de dizer apenas o seguinte: quando isso foi feito, mesmo com os 49%, o capital estrangeiro continuou a sair, caiu de 80 bilhões para 40 bilhões. Hoje as nossas reservas estão em vinte e poucos bilhões. Os dólares estão saindo, apesar da taxa de juros de 49% que o Governo estabeleceu para mantê-los aqui.

Então, não é possível colocar a culpa dessa fuga de capital em qualquer pronunciamento de governador de Estado. Não sou advogado, não conheço pessoalmente o ex-Presidente Itamar Franco, mas digo que, em 1983, quando falei por quatro horas na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Dívida Externa, na Câmara dos Deputados, procurei, aqui no Legislativo, quem havia assumido uma postura semelhante à defendida por mim, ou seja, da moratória, do não-pagamento da dívida externa. Observei que ninguém o havia feito, ninguém dos partidos de esquerda. O único que havia se pronunciado a favor da moratória se chamava Senador Itamar Franco. Não o conheço pessoalmente, não estou fazendo qualquer defesa político-partidária; estou apenas contando aquilo que é do meu conhecimento e sobre o que tenho absoluta certeza e confiança.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/01/1999 - Página 628