Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE O TRABALHO INFANTIL NO BRASIL.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE O TRABALHO INFANTIL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 16/01/1999 - Página 1615
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, ATUAÇÃO, EMPENHO, SOCIEDADE, PREFEITURA, GOVERNO ESTADUAL, MOBILIZAÇÃO, COMBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BRASIL.
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, VALOR, SALARIO MINIMO, BRASIL, GARANTIA, AUTONOMIA, NATUREZA FINANCEIRA, FAMILIA, MAIORIA, POPULAÇÃO, PROVOCAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, nosso Brasil é um país curioso: somos um país com estrutura sócio-econômica de Terceiro Mundo, gerido com discursos de Primeiro Mundo e práticas do Mundo da Fantasia.  

Em que nação minimamente civilizada a discussão do trabalho infantil se colocaria, apenas, em termos de assunto trabalhista e, sobretudo, de fiscalização do Ministério do Trabalho?  

Trata-se, efetivamente, de assunto de ordem social, com raízes na profunda desigualdade de oportunidades da sociedade brasileira, onde se convencionou que o salário mínimo é um referencial social e economicamente justo para discutir as demandas da população.  

Parece que assistimos a uma comédia de humor negro quando ouvimos diferentes setores falarem em aumento do poder aquisitivo do salário mínimo. Não há lógica que permita aceitar que um brasileiro possa sustentar-se, com um mínimo de dignidade, com os atuais R$130,00. Quanto mais sustentar uma família.  

Se tomarmos como exemplo qualquer um dos países desenvolvidos, o salário mínimo será superior a R$1.000,00 mensais, o que, nessa nossa terra tupiniquim, pretende-se que seja quase o teto da aposentadoria dos trabalhadores. Seria cômico se não fosse trágico o fato de, com nossa ínfima renda mensal, termos de arcar com um custo de vida muitas vezes igual ou superior ao de países como os Estados Unidos, França ou Inglaterra.  

Esta é a razão básica por que encontramos tantas crianças trabalhando: seus pais não têm como prover-lhes o sustento sem que elas trabalhem.  

Haverá sempre alguém que argumentará: por que, então, pôs o filho no mundo, se não tinha meios de sustentá-lo?  

Defrontamo-nos, aqui, com a segunda grande questão ligada ao trabalho infantil: a ignorância das populações de mais baixa renda não lhes dá nenhuma alternativa de ascensão social, pois todos têm de trabalhar desde cedo. Estudar não lhes é permitido se querem sobreviver.  

A ação do Governo, em todas as suas esferas, coibindo o uso de mão-de-obra infantil, principalmente no trabalho no campo, está longe de ser suficiente e eficaz. Ela é correta, certamente, pois assegura que a lei seja cumprida e os infratores punidos. Contudo, o que farão as famílias cuja renda se vê amputada da minguada, porém vital, participação de suas crianças?  

Eis uma questão complexa e de difícil equacionamento a curto prazo. Sua solução envolve problemas estruturais graves e profundos da sociedade brasileira, como a histórica exploração das classes pobres pelas opulentas, sem que às primeiras sejam dadas mínimas chances de ascensão. Há também histórica omissão dos Governos - quando não conivência - diante das mesmas classes dos poderosos que fez com que, no Brasil, houvesse uma quase cristalização desses sistema iníquo de opressão, pela manutenção dos mais pobres em permanente dependência dos favores dos que dominam a política e a economia.  

Sr. Presidente, a gente brasileira mais humilde não pode continuar a ser tratada como se viver fosse para eles uma benesse magnanimamente concedida pelos ricos deste País. Nossas crianças pobres não podem continuar a ser mutiladas nas plantações de sisal da Bahia, nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, nos canaviais de São Paulo ou do Nordeste, na indústria de calçados do Rio Grande do Sul, nos seringais ou nos prostíbulos amazonenses. Não podem continuar a ser marginalizadas em favelas miseráveis no Rio de Janeiro, em terras dilaceradas por secas reiteradas e nunca resolvidas do sertão nordestino.  

Sr. Presidente, nobres Senadores e Senadoras, eu poderia recitar aos ouvidos de vossa sensibilidade ou fazer desfilar, diante dos olhos do espírito público de V. Exªs, um infindável rosário de situações em que nossas crianças são exploradas pela sociedade e pelos seus próprios familiares. Certamente arrancaria dos mais emotivos lágrimas de angústia. Meu objetivo, porém, é lançar um grito de alerta em nome desses milhões de pequenos brasileiros para que se dê fim a essa cruel selvageria.  

Há que haver um basta para tal crime! As autoridades responsáveis e as organizações vivas da sociedade têm de mudar esse quadro. Não haverá Brasil no futuro, se não houver brasileiros sadios para construí-lo.  

Programas como o da bolsa-escola, recentemente adotado pelo Governo Federal, com base em experiências bem-sucedidas como a do Distrito Federal, são iniciativas que podem produzir bons frutos a médio e longo prazos. Contudo, uma ação intensa, por parte da sociedade como um todo, é imperativa. As prefeituras e os governos estaduais devem mobilizar-se para, junto com as entidades representativas da sociedade local, atacarem de frente a prática do trabalho infantil.  

Medidas importantes podem ser adotadas localmente, tais como: assegurar renda às famílias que colocam seus filhos em escolas; educar os pais para a importância da formação de seus filhos. Programas de educação para o controle familiar são também necessários, na medida em que, evitando proles numerosas, é possível aos pais darem melhores condições de vida aos filhos. Há que se extirpar a cultura das famílias numerosas em função dos muitos braços para o trabalho no campo, substituindo-a pela do trabalho cooperativo e pela da melhoria do padrão educacional das crianças.  

O Brasil é, como disse ao iniciar este pronunciamento, um país que vive em três mundos diferentes. É chegada a hora de vivermos no mundo real, onde os brasileiros sejam seres humanos reais para a Administração Pública e para os poderosos deste País. Enquanto nossos mandatários teimarem em ignorar a extrema injustiça e a perversidade que existe no fato de obrigarmos nossas crianças a trabalharem desde a mais tenra idade, só estaremos colocando lenha no fogo que alimenta o caldeirão de nossos conflitos sociais. Esse foi o fogo em que arderam grandes nações em passado não muito remoto. Poderosos viram seus impérios políticos ou econômicos ruírem sob a revolta dos oprimidos. Assim caiu a monarquia francesa no século XVIII, assim caiu Ferdinando Marcos, nas Filipinas, na década passada. Aqueles que não aprenderam com a História no futuro haverão de aprender pela via mais dolorosa.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se queremos que o Brasil seja uma grande nação no século XXI, devemos começar a prepará-la desde já, o que significa fazer de todo brasileiro um vencedor, dando-lhe condições de estudar na idade apropriada, de acordo com o que está prescrito em nossa Constituição Federal; dando-lhe espaço para trabalhar, após obter boa qualificação profissional na escola. Essa é a receita para o nosso sucesso e tem sido a de todos os que foram ou são grandes neste mundo.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/01/1999 - Página 1615