Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR JOÃO CALMON.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR JOÃO CALMON.
Publicação
Publicação no DSF de 22/01/1999 - Página 1912
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO CALMON, EX SENADOR, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. Representantes dos Diários Associados, é sempre um risco falar depois de Hugo Napoleão. E, sabendo-se que S. Exª é o meu Líder, esse risco se eleva muito mais ainda. Em todo o caso, cumpro o meu papel de grande amigo que fui de João Calmon e de funcionário, de repórter do Correio Braziliense , que fui e que sou, porque estou apenas licenciado. Eu, na verdade, sou um político por tempo determinado; o que sou verdadeiramente é um jornalista emprestado à vida pública, não sei por quanto tempo.  

João Calmon já atingira 82 anos de idade, era diabético e servia-se de um marcapasso para disciplinar seus batimentos cardíacos. No entanto, nós, que usufruíamos diariamente a sua tão agradável convivência, jamais pensamos na hipótese de sua morte. Talvez seja essa a reação natural em face das personalidades agradáveis, suaves, com que nos deparamos ao longo de nossa vida.  

As Srªs e os Srs. Senadores que têm tomado assento nesta Casa nos últimos dias perderam a oportunidade de ver, na última bancada, a figura tão generosa de João Calmon. Embora não mais Senador, depois de representar o seu Estado do Espírito Santo como Deputado Federal em dois mandatos, João Calmon mantinha-se como um dos mais fiéis e assíduos componentes desta Casa - e ali sentava-se, em atento silêncio, por uma permissão regimental generosa desta Casa.  

Não raro, oradores da tribuna referiam-se a S. Exª e o apontavam ao fundo do plenário, lembrando a extraordinária luta que por toda uma vida política sustentou a favor da educação em nosso País. Sei, Sr. Presidente, que todos se referirão a esse episódio, à faceta admirável de João Calmon que foi a sua luta obstinada pela educação. Mas é bom que se repita isso muitas vezes para que a consciência nacional tenha de fato a verdadeira dimensão do que foi essa luta, sem a qual a educação brasileira, que não é das melhores, seria certamente das piores não fosse essa luta tão determinada e obstinada de João Calmon.  

Na verdade, podemos dizer sem receio que, no Brasil, a política educacional pode ser definida como "antes" e "depois" de João Calmon.  

E a cruzada a que deu início, e à qual dedicou toda sua longa vida parlamentar, não foi confortável. Encontrou pelo caminho inóspitas veredas, margeadas de espinhos, e muitas incompreensões. Há três décadas, não se dava à educação a prioridade que os próprios fatos econômicos demonstraram, mais hodiernamente, lhe deveria ser concedida. Isso explica em parte, em nosso País, a persistente existência de consideráveis contingentes de analfabetos, fato ainda remanescente que, além de nos sujeitar às críticas internacionais constantes, não contribui para o nosso desenvolvimento.  

João Calmon, desde o início da sua vida política, imbuiu-se da consciência dessa realidade que tentou modificar obstinadamente. Nos seus primeiros embates, por meio de suas proposições, não obteve êxito. Defrontou a extraordinária reação de órgãos federais, estaduais e municipais, que se portavam como entidades que seriam lesadas se a Constituição retirasse de seus orçamentos públicos o quinhão obrigatório para a educação.  

Veja-se como se alterou a percepção da sociedade com relação à educação! A nossa evolução cultural, como se sabe, é própria da natureza humana. Muitas vezes damos por certo, hoje, o que no passado considerávamos errado; e, errado, o que ontem dávamos por certo...  

Os primeiros insucessos no processo legislativo, porém, não desanimaram Calmon. Ao contrário, aumentavam-lhe o fôlego, que lhe dava uma incansável disposição de renovar suas proposições, seus discursos, artigos e o contato pessoal com cada um dos seus colegas Parlamentares, levando-lhes dados e argumentos que acabaram convencendo a todos. Eu, que o via nessa peregrinação quase bíblica, tinha a impressão de que a vida pública de João Calmon resumia-se, circunscrevia-se a esse objetivo, ao objetivo da educação. Não era esse apenas o seu objetivo, mas, se fosse, já seria nobre e elevado o objetivo de sua vida.  

Depois de vitoriosas as proposições de Calmon, o setor educacional, em todos os níveis da Federação, passou a receber recursos que ampliaram de maneira excepcional as oportunidades de instrução que podem ser oferecidas aos nossos jovens em todos os quadrantes brasileiros.  

Muito se tem ressaltado, nos tempos atuais, a imprescindibilidade da educação para o desenvolvimento nacional. As estatísticas de hoje demonstram que nações asiáticas, antes atrasadas e subdesenvolvidas, deram formidáveis saltos na economia depois que se conscientizaram da necessidade imprescindível do aprimoramento educacional como o primeiro degrau da longa escada do desenvolvimento.  

Isso que hoje se apregoa já era defendido por João Calmon há mais de três décadas! Ele teve a visão antecipada da importância da educação, e afligia-se, angustiava-se com a lentidão das providências que buscavam oferecer aos jovens brasileiros o aprimoramento intelectual tão necessário às nossas aspirações de crescimento. E nenhum país tem tantas e tão legítimas aspirações nessa direção quanto o Brasil; seja por suas dimensões territoriais, seja pelos seus recursos nacionais e até por sua população.  

Não foi por outro motivo que o Senador João Calmon consumia todas as suas energias em prol da educação. E notável foi o reconhecimento dessa luta pelo povo capixaba, que, por 32 anos, o manteve no Congresso Nacional, embora a sua dedicação como legislador se centrasse em assunto tão árido e nem sempre compreendido por populações com tantos outros problemas que atenazavam seu dia-a-dia.  

Vemos, então, Srªs e Srs. Senadores, como estava na direção certa o nosso João Calmon, que, ainda em vida, pôde sorver a vitória dos percentuais constitucionalmente obrigatórios que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm de reservar para a educação.  

A partir de 1976, João Calmon deu início às suas propostas de emendas constitucionais, sempre buscando garantir reservas orçamentárias para projetos educacionais. Inicialmente derrotado, sua insistência fez com que, em 1984, fosse aprovado o percentual de 13% do Orçamento da União até que, na Constituinte de 1988, Calmon - presidindo a Comissão da Família, da Educação, da Cultura e dos Esportes - conseguiu fixar na nova Constituição os 18% que há anos pleiteava para a educação.  

A redação do atual art. 212 da Constituição, implantado através da Emenda Constitucional nº 14, de 1996 - que, entre outras medidas, manda a União aplicar "anualmente, nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino" -, não foi da autoria parlamentar de João Calmon, pois ele já não era Senador, mas interpretada como tipicamente o produto da sua influência.  

Aliás, sabem todos neste Congresso - inclusive os novos parlamentares - que o tema da educação, quando abordado da tribuna ou em projetos, faz lembrar imediatamente a luta que João Calmon travou em benefício das novas gerações de brasileiros. No futuro, todos os avanços conquistados pelo Brasil na questão do ensino sempre lembrarão João Calmon, pois foram dele os primeiros impulsos que procuraram estruturar em nosso País um sistema educacional que correspondesse às nossas aspirações.  

Mas o talento de João Calmon não eclodiu neste Parlamento. Muito antes, a genialidade de Assis Chateaubriand já o descobrira entre as suas centenas de jovens repórteres, e logo o convocou para altas funções nos Diários Associados . Tornou-se o principal companheiro de Chateaubriand na implantação de televisões, rádios e jornais por todo o País. Em 1946, João Calmon chegou a dirigir, com grande sucesso, treze empresas associadas, numa carreira executiva bem-sucedida, que culminou com a sua eleição para a presidência do Condomínio dos Diários Associados , após a morte de Chateaubriand, funções que exerceu de abril de 1968 a 1980.  

Por onde passou, João Calmon teve iniciativas e criou obras que se tornaram as sementeiras de outras sucessivas realizações, inclusive na área social, com a construção, por exemplo, da grande Maternidade Popular de Fortaleza, que então assegurava cem leitos para mulheres indigentes.  

Recebeu inúmeras comendas e, no âmbito internacional, cumpriu várias missões de grande importância, todas elas voltadas para a busca de soluções educacionais nos países em desenvolvimento.  

Não obstante os títulos alcançados pelo trabalho desenvolvido em prol do interesse público, João Calmon aceitou ser assessor da Presidência do Senado, dedicado ao estudo de assuntos educacionais no Instituto Legislativo Brasileiro.  

E o seu prazer pessoal talvez fosse o de assistir às sessões do Senado, numa posição modesta de quem parecia sorver cada palavra dos discursos proferidos.  

O sentimento de perda desta Casa é imenso. A nossa sensação é a de que perdemos não um ex-colega ou um assessor para assuntos da educação, mas um companheiro próximo, uma personalidade que ofereceu inesquecível contribuição à nossa Pátria, e que deixou vazia para sempre aquela cadeira lá no fundo do plenário.  

Essa era a figura notável e excepcional de João Calmon. Era impossível conhecê-lo e não gostar dele, por tudo que representava, por tudo que transmitia. João Calmon transpirava bondade. João Calmon era um homem diferente, eu diria que foi um pró-homem desta República.  

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Edison Lobão?  

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Pois não, nobre Senador Josaphat Marinho.  

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - No momento em que V. Exª afirma que João Calmon era um pró-homem, permita que acrescente: um pró-homem da educação, não só no trato do problema de caráter social, mas um pró-homem da educação no trato pessoal. Era realmente encantador manter um diálogo com João Calmon: a sua lhaneza, a sua delicadeza e, ao mesmo tempo, o largo conhecimento de diferentes problemas do País. Em verdade, ele não dialogava: ele conversava; conversava para emitir o seu juízo, sem nenhuma pretensão de convencer. Era encantador com ele conviver. Guardo esta lembrança que lhe quero transmitir e ao Plenário neste instante.

 

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Senador Josaphat Marinho, o meu discurso, tão pobre diante da monumentalidade que era a personalidade de João Calmon, vê-se agora enriquecido com o aparte de V. Exª, com o qual concluo estas palavras.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/01/1999 - Página 1912