Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DE PENURIA E NECESSIDADE QUE PASSAM OS SOLDADOS DA BORRACHA.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • SITUAÇÃO DE PENURIA E NECESSIDADE QUE PASSAM OS SOLDADOS DA BORRACHA.
Publicação
Publicação no DSF de 30/01/1999 - Página 2552
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INJUSTIÇA, SITUAÇÃO, SOLDADO, BORRACHA, AUSENCIA, RECEBIMENTO, PENSÃO PREVIDENCIARIA.
  • SOLICITAÇÃO, WALDECK ORNELAS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), URGENCIA, SOLUÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, TRABALHADOR, BORRACHA, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a justiça social e o interesse prioritário pelos cidadãos humildes sempre foram as principais bandeiras de minha vida pública, como aspectos maiores da grande dívida que o Brasil tem para com essa maioria de seus habitantes. Desde os primeiros passos como legislador e, durante quatro anos, como Governador do Estado do Acre, sempre voltei a atenção para os conterrâneos menos privilegiados, para os que tudo deram e quase nada receberam dos poderes constituídos.  

Torna-se emblemática, nesse triste quadro de injustiças, a situação dos Soldados da Borracha, porque seus problemas e sofrimentos foram causados direta e assumidamente pela política oficial, dentro do esforço de guerra que uniu o Mundo Livre, no início da década de 1940, contra as ameaças do nazi-fascismo europeu e do imperialismo nipônico. A saga dos Soldados da Borracha é uma das mais belas páginas da História do Brasil, marcada pelo heroísmo, pela dedicação, por uma determinação que encontra raros paralelos em todos os outros países; a jornada que esses homens e suas famílias cumpriram, da caatinga nordestina até a mata fechada da Amazônia, é digna de um filme épico, pois foi marcada pela coragem, pelo sofrimento, por grandes dramas humanos dentro de uma aventura repleta de ataques de índios, doenças tropicais fulminantes, acidentes fatais em rios caudalosos e em estradas precaríssimas.  

Não vou, todavia, rememorar hoje a tremenda façanha da ocupação dos seringais nativos no auge da II Guerra Mundial, porque, decerto, todos os Srs. Senadores já a conhecem ou dela ouviram falar.  

O que me traz hoje à tribuna do Senado é a necessidade de reabrir o debate nacional em torno da situação dos Soldados da Borracha, na eterna luta para verem consolidados seus benefícios constitucionais, legais e históricos, conquistados de fato e de direito desde quando foram atraídos, quase compulsoriamente, ao esforço de guerra contra a tirania do Eixo. Esse reconhecimento se materializou na Assembléia Nacional Constituinte, cujo plenário acatou emenda, de minha autoria, conferindo a cada um dos pioneiros ou, quando de sua morte, aos respectivos sucessores legais, uma pensão vitalícia em valor correspondente a dois salários mínimos mensais.  

Foi uma árdua batalha, em que o grande inimigo era o desconhecimento daquela importante página da nossa história. As bancadas do Centro-Sul, que raramente se interessam pelo que acontece longe das praias ou da Avenida Paulista, procuraram torpedear a iniciativa com as costumeiras alegações, tachando-a de mero "clientelismo" e "paroquialismo", o que obrigou os representantes da Amazônia a exaustivas negociações. Quero destacar o papel desempenhado pelo então Relator-Geral, o grande amazônida Bernardo Cabral, que hoje enriquece o Senado com seu talento, seu patriotismo e seu formidável saber jurídico - esse e outros valiosos apoios, afinal, permitiram que o benefício se fizesse concreto. Nas negociações, tive de aceitar a fixação da pensão em dois salários, ao invés dos três propostos na emenda original. Não fazê-lo significaria perder tudo!  

A pensão aos Soldados da Borracha foi inserida no Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, como art. 54, o qual , por seu turno, veio a ser regulamentada pela Lei nº 7.986, de 1989, onde se estabeleceram as primeiras exigências objetivas para habilitação dos candidatos ao benefício, regras fundamentadas no Decreto-lei nº 5.813, de 1943, que deu origem ao recrutamento de trabalhadores para os seringais nativos da Amazônia. Em 1990, a Portaria nº 4.630, do Ministério da Previdência Social, disciplinou o disposto no § 1º do citado art. 54, onde se estendeu o benefício a todos quantos participaram desse esforço de guerra, listados ou não no édito oficial, inclusive aos brasileiros que já se ocupavam da produção de borracha natural na região, garantindo também aos respectivos sucessores o usufruto do direito quando de sua morte.  

Sete anos depois, todavia, houve uma grande e danosa mudança na sistemática de habilitação, nos termos da Ordem de Serviço nº 582, de 19 de setembro de 1997, emitida pela Direção Geral do INSS, que exigiu provas materiais como fundamento para a simples abertura dos processos de habilitação, ou seja, fulminando os pedidos baseados exclusivamente em provas testemunhais. Combatida no tocante à juridicidade, a citada ordem de serviço foi suplantada pela Medida Provisória nº 1.663-10/98, de 29 de maio de 1998 - que, imune a contestações legais, consubstanciou aquela exigência draconiana, a qual, em novembro último, viu-se consolidada com a sanção da Lei nº 9.711.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre que tratarmos de questões ligadas à Amazônia, devemos lembrar um princípio básico de justiça social: não existe iniqüidade maior do que tratar igualmente os desiguais. É injusto, é perverso, é um ato de insensibilidade!  

Exigências cartoriais impostas a cidadãos cultos, calejados nas lides burocráticas, são meros obstáculos que podem ser vencidos sem maiores problemas. Mas querer que homens rudes, parcamente letrados ou completamente analfabetos, hoje envelhecidos e quebrados por doenças, ainda tenham e apresentem documentos de meio século atrás é um disparate cruel e absurdo. Sim, porque essa é a realidade: as provas materiais, se um dia existiram, quase sempre se perderam com o tempo, com as mudanças, com o agravamento da miséria e do desespero que vitimaram aqueles desbravadores.  

Mesmo porque - e esse é um argumento irrespondível -, até doze anos atrás não existia esperança de conquistar o benefício hoje vigente, criado por iniciativa minha durante a Constituinte da segunda metade dos anos 80. É crueldade, repito, exigir dos candidatos à pensão de Soldado da Borracha que eles tivessem guardado por tantos anos documentos sem aparente serventia, papéis que só teriam valor na época, por volta de 1944, em contextos hoje completamente extirpados da vida de cada um deles ou de seus dependentes.  

Vemos, diariamente, denúncias e acusações da maior gravidade contra práticas corriqueiras no País. Nesse contexto, os números e os valores que cercam a vida dos Soldados da Borracha são gritantemente modestos: a lista original de conscritos, decorrente do citado Decreto-Lei nº 5.813, de 1943, era de exatos 9.969 nomes - mas foram integrados milhares de outros brasileiros no contingente que deixou o Nordeste e mergulhou nos seringais amazônicos, além daqueles que, como lembrei acima, já habitavam as áreas extrativistas. E não temo afirmar que as reais proporções da migração superam, em muito, o número de habilitados ou postulantes ao que preceitua o art. 54 do Ato das Disposições Transitórias, que são 18.894 pessoas, dispersas nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Pará e Roraima. É no Acre que se concentram os maiores contingentes: 10.942 habilitados e 726 postulantes, dos quais 268 já tiveram negado o benefício, por falta dos documentos exigidos pela MP nº 1.663, mais tarde confirmada pela Lei nº 9.711.  

Notem bem V. Exªs que não advogo a mudança das exigências por serem poucos os envolvidos - não, não se trata de quantidade e sim de qualidade. Qualidade humana, social, histórica, respeito à coragem e ao patriotismo singelo desses pioneiros. Devemos defender a Justiça exatamente porque é justa, porque procura garantir os direitos dos desvalidos, busca valorizar os excluídos; essa obstinação merece ser redobrada quando, além de corrigir injustiças, não traz qualquer dano ao esforço de recuperação da economia nacional.  

Fui a Rio Branco no último dia 23, sábado passado, para participar de uma reunião promovida pelo Sindicato dos Aposentados do Estado do Acre, Siacre, com representantes dos Soldados da Borracha, representantes sociais e líderes políticos. O temário do encontro destacava "os prejuízos causados pela Medida Provisória nº 1.663-10/98, que redefiniu os critérios para concessão da aposentadoria àqueles profissionais, ocasionando a suspensão de vários benefícios já concedidos e conturbando a vida de centenas de pais de família em nosso Estado". Debatemos, calorosa e objetivamente, os melhores caminhos para reverter essa situação deletéria - e, retornando a Brasília, entrei imediatamente em contato com o Ministro da Previdência, nosso eminente colega Waldeck Ornelas, para tentar sensibilizá-lo da gravidade do problema e da necessidade de solução para o mesmo.  

Fiz ver a Sua Excelência que não pode persistir o quadro de desespero e de revolta no seio daqueles brasileiros, encanecidos e maltratados pelos sofrimentos de toda uma vida dedicada à consolidação das fronteiras nacionais. Encareci, finalmente, que essa solução seja adotada com urgência e eficácia, de forma realista, coerente com as imensas dificuldades que marcam a vida na Região Amazônica, dificuldades que já foram muito maiores.  

Estou certo de que o Ministro Waldeck Ornelas será sensível à exposição que lhe fiz, aos argumentos concretos, humanos, sociais e práticos trazidos de Rio Branco e dos contatos ali mantidos com os veteranos da heveicultura. E quero, neste momento, endereçar àqueles bravos pioneiros uma palavra de esperança e de cautela: tenho a promessa do Ministro da Previdência de que sua assessoria está analisando a questão com grande empenho e dará, brevemente, uma palavra definitiva a respeito da mesma, dentro dos interesses nacionais e do compromisso que o Brasil tem para com seus desbravadores.  

Vamos, portanto, aguardar essa decisão, na certeza de que os Soldados da Borracha não se arrependerão de confiar em seus representantes e nos responsáveis pela conduta dos destinos do País.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/01/1999 - Página 2552