Discurso no Senado Federal

REPUDIO A ENTREVISTA DO SR. HELIO JAGUARIBE NA REVISTA VEJA, DE 27 DE JANEIRO DE 1999.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA.:
  • REPUDIO A ENTREVISTA DO SR. HELIO JAGUARIBE NA REVISTA VEJA, DE 27 DE JANEIRO DE 1999.
Publicação
Publicação no DSF de 30/01/1999 - Página 2566
Assunto
Outros > IMPRENSA.
Indexação
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CORRESPONDENCIA, AUTORIA, ORADOR, ENDEREÇAMENTO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REPUDIO, PUBLICAÇÃO, ENTREVISTA, HELIO JAGUARIBE, SOCIOLOGO, AGRESSÃO, CIDADÃO, REGIÃO AMAZONICA, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, MESA DIRETORA, VOTO, CENSURA, CONTEUDO, ARTIGO DE IMPRENSA.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Senador Sebastião Rocha, a revista Veja vem publicar, com destaque, em suas páginas amarelas, entrevista com o auto-intitulado cientista político Hélio Jaguaribe, que, sem o menor pudor e a pretexto de emitir conceitos pretensamente científicos, ataca, em linguagem desabrida, diversas instituições nacionais permanentes e algumas cláusulas pétreas da Constituição Federal, como a Federação e o direito à cidadania, e, especialmente, os habitantes da região amazônica, considerados por ele, indistintamente, como "índios e onças".  

Indignado com tal invectiva e esta forma trocista e desrespeitosa de referir-se a temas dessa natureza, dirigi correspondência à Veja, reclamando desse deslize de seu padrão editorial, carta que faço questão de passar a ler desta tribuna:  

"Ilustríssimo Sr. Diretor de Redação da Revista Veja

Leitor habitual de Veja há muitos anos, acostumado ao seu alto nível editorial e à qualidade do jornalismo que pratica, foi com espanto e natural indignação que tomei conhecimento dos conceitos desprimorosos e eivados de preconceitos contra os cidadãos do meu Estado e da Região Norte em geral, emitidos pelo Sr. Hélio Jaguaribe, em entrevista publicada por essa revista no dia 27/01/99.  

Alertado para o teor da declaração por um amigo, em rápida conversa telefônica, imaginei, em minha boa-fé, a princípio, que se tratasse de uma brincadeira, uma piada e fosse outra sua autoria.  

Pensei que o Jaguaribe em questão fosse o Sérgio Jaguaribe (o Jaguar), célebre cartunista carioca, fundador de "O Pasquim" na década de 60, e que a alusão à Região Norte como "lugar onde só tem índio e onça" tivesse, pelo menos, a atenuante de um contexto humorístico, ainda que de gosto duvidoso.  

Só depois, ao ler a matéria, verifiquei tratar-se não de uma piada de um profissional do humor, mas de um conceito emitido por um sociólogo, sendo o Jaguaribe em tela não o Sérgio, mas o Hélio.  

Fosse enveredar pela senda aberta pelo Sr. Jaguaribe do insulto e da chacota barata, poderia até engrossar o coro dos que atribuem sua frouxidão de linguagem nos últimos anos a sinais de senilidade precoce, aos 75 anos.  

Prefiro, porém, tomar o caminho mais sério e ameno possível no exame de sua infeliz declaração, não na qualidade nem de índio, nem de onça, naturalmente, mas de representante eleito pelo povo do Amapá, constituído de gente honesta, laboriosa e bem menos selvagem do que supõe o Sr. Jaguaribe.  

Aliás, é tão grande a lista de preconceitos contida na expressão debochada daquele cientista político que me assombra tenha merecido publicação, e ainda com o destaque das páginas amarelas dessa conceituada revista."  

Continua a minha carta:  

"Para começar, o preconceito com o próprio povo da Região Amazônica, considerado pior que gentalha, quase semoventes, reduzidos à animalidade ou à vida silvícola, sem direito a qualquer forma de civilização e ainda menos de cidadania. Em seguida, o preconceito contra o próprio índio, tratado com desprezo, igualado em direitos políticos às onças na república ideal e de elite preconizada pelo sociólogo.  

Note-se que são os mesmos índios a quem a Constituição Federal vigente dedica um inteiro capítulo de sua Ordem Social e aos quais a Carta Magna defere o direito de sufrágio facultativo, se analfabetos, podendo se alistar eleitores sempre que o quiserem, conforme disposto no art. 14 do Texto Constitucional.  

A Lei Maior do País lhes reconhece, portanto, o estatuto de cidadania, o mesmo que lhes é negado pelo sociólogo, auto-investido, assim, em legislador constituinte, com poderes de revogar dispositivos constitucionais.  

Outro artigo da Constituição Federal contra o qual se insurge Sua Senhoria é o 45, parágrafo único, que fixa o número máximo e mínimo de representantes por unidade da Federação na Câmara dos Deputados. Discutíveis que sejam tais números, é impossível imaginar um Estado autônomo da Federação, como o Amapá e Roraima, por exemplo, sem uma mínima representação em ambas as Casas do Congresso Nacional.  

Sendo o Brasil uma República Federativa, é composto de Estados-membros autônomos do ponto de vista político, isto é, capazes de auto-organização, autogoverno e auto-administração e, assim, sujeitos do direito de integrar com sua vontade a vontade política da Federação.  

Não há, portanto, federação sem representação das suas entidades autônomas nos órgãos decisórios centrais do País."  

O SR. PRESIDENTE (Joel de Hollanda) - Senador Gilvam Borges, pediria a V. Exª para, na medida do possível, concluir rapidamente o seu discurso, porque a sessão já ultrapassou em mais de uma hora o período normal.  

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Já concluo, Sr. Presidente. Atendendo ao apelo de V. Exª e levando em conta paciência dos servidores desta Casa, comprometo-me em ser breve e encerrar o meu pronunciamento, que é a leitura desta carta que enviei à revista Veja

"Uma verdade acaciana, mas por incrível que pareça, desconhecida ou contestada, quem sabe, pelo zombeteiro cientista político.  

Além disso, os preconceitos de Sua Senhoria atentam também contra o art. 1º da Constituição Federal, que funda a República Federativa do Brasil.  

Neste ponto, o Sr. Jaguaribe, com seus remoques, parece levar lenha à velha fogueira do separatismo, classificando o País em Estados de primeira e segunda classes. Não se pense, porém, que as prevenções antidemocráticas e quase racistas do Sr. Jaguaribe se voltam apenas contra os nossos concidadãos da Região Norte do País.  

A folhas tantas de sua entrevista, investe o entrevistado contra o Congresso Nacional, que, a seu juízo, "funciona mal, não tem coerência, mas tem enorme poder, tanto quanto no sistema parlamentarista".  

Advoga, assim, a redução das competências institucionais do Parlamento, mas se declara, sem se ruborizar, com a contradição, parlamentarista convicto, embora tenha votado, como observa, no plebiscito de 1993, pelo presidencialismo.  

Ora, com tudo isso, não chega a ser um modelo de coerência, portanto, para quem acusa de incoerente o Congresso Nacional.  

Mas as idiossincrasias pseudocientíficas do Sr. Jaguaribe não param aí.  

A seguir, investe contra os partidos de oposição, aos quais distribui, sem sequer o benefício da exceção confirmadora da regra, a carapuça de "gente ressentida, que não costuma votar por princípios, mas por conveniências, por raivinhas".  

Gente, como diz, "dada a reações raivosas de quem diz: Eu não gosto do Presidente e sou contra tudo o que ele propuser", e arremata do alto de sua ciência: "Uma oposição útil ao País tem que ter uma proposta alternativa válida; não pode viver de ressentimentos apenas".  

Não contente de ridicularizar os amazônidas, os índios, o Congresso Nacional, as oposições e o sistema político, a fúria reformadora e iconoclasta de Jaguaribe assesta, finalmente, suas baterias contra o que chama de excessivo poder dos Estados.  

Saudoso da ditadura, ou, talvez, do Estado Unitário da Monarquia, Jaguaribe decreta, em édito imperial, que ‘o Brasil gerou uma Federação que deu poder em excesso aos governadores’."  

Sr. Presidente, peço a transcrição, na íntegra, do meu pronunciamento. Gostaria de encerrá-lo, requerendo à Mesa desta Casa, sob a Presidência de V. Exª, um voto de censura ao conteúdo difamatório e escárnio das afirmações do Sr. Hélio Jaguaribe.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Espero que V. Exª encerre imediatamente esta sessão para que possamos continuar os nossos trabalhos.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/01/1999 - Página 2566