Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDIDA PROVISORIA 1.803-1, DE 1999, QUE ESTABELECE PRAZO PARA AS RATIFICAÇÕES DE CONCESSÕES E ALIENAÇÕES DE TERRAS FEITAS PELOS ESTADOS NA FAIXA DE FRONTEIRA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDIDA PROVISORIA 1.803-1, DE 1999, QUE ESTABELECE PRAZO PARA AS RATIFICAÇÕES DE CONCESSÕES E ALIENAÇÕES DE TERRAS FEITAS PELOS ESTADOS NA FAIXA DE FRONTEIRA E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/1999 - Página 3755
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • ANALISE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXAME, CONGRESSO NACIONAL, ESTABELECIMENTO, PRAZO, RATIFICAÇÃO, CONCESSÃO, ALIENAÇÃO, TERRAS, ESTADOS, LOCALIZAÇÃO, FAIXA DE FRONTEIRA.
  • CRITICA, AMEAÇA, DIREITOS, PRODUTOR RURAL, RISCOS, CONFISCO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), TERRAS, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DE MATO GROSSO (MT).

O SR. ALVARO DIAS (PSDB-PR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, traz-me a esta tribuna a Medida Provisória nº 1803-1, de 28 de janeiro de 1999, ora sob o exame do Congresso Nacional, e que "estabelece prazo para as ratificações de concessões e alienações de terras feitas pelos Estados na Faixa de Fronteira e dá outras providências". Sua oportunidade regimental para apreciação deverá expirar-se em 27 de fevereiro em curso.  

Ora, obriga-me um dever de consciência para com o meu País, para com unidades federadas irmãs e, especialmente, para com o Paraná, Estado que aqui me cabe a honra de representar, trazer ao crivo deste Plenário considerações de grave cunho, respeitantes ao objeto da referida Medida Provisória.  

Esta, sob o escopo de estabelecer normas para a ratificação de concessões e alienações de terras feitas pelos Estados, localizadas na extensão de 150 km a partir das nossas linhas divisórias fronteiriças, permite, em verdade, à Administração Pública apropriar-se de terras, ainda que produtivas, para fins de distribuição agrária. Elide do processo o intocável instituto constitucional da ampla defesa ao direito lesado ou ameaçado. Trata de forma díspar os produtores rurais. Enfim, cria ambiência legal para que o INCRA promova o mais brutal confisco de terras no País.  

Estatui, pois, de plano, a norma:  

"Fica estabelecido o prazo de dois anos, contados de 1º de janeiro de 1999, para que detentor de título de alienação ou concessão de terras feitas pelos Estados na Faixa de Fronteira de até cento e cinqüenta quilômetros, ainda não ratificado, requeira ao Instituto nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a ratificação de que trata o art. 5º, § 1º, da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, observado o disposto no Decreto-Lei 1.414, de 18 de agosto de 1975.  

Também preconiza: "somente será possível a ratificação de título cuja exploração do imóvel atenda, simultaneamente, aos requisitos da função social da propriedade, nos termos da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993."  

Ao aqui se fundir, no corpo da norma em comento, quesito da Lei nº 8.629/93, passa-se a exigir mais do que o faz a Constituição Federal vigente para o instituto da desapropriação por interesse social. A Carta Peninsular, em seu art. 185, torna insusceptível de desapropriação, para fins de reforma agrária, a propriedade rural produtiva, de média e pequena extensão, desde que o proprietário outra não possua. Embora, em dispositivo ulterior, faça a Carta Maior alusão à função social dessa propriedade, não a vincula, em nenhuma hipótese, ao instituto expropriatório.  

Intenta, então, está claro, a Administração Federal mais do que a ratificação de títulos e concessões. Cria forma própria de dispor das terras fronteiriças, mesmo que produtivas, para a finalidade da reforma.  

Estabelece, ainda, essa Medida Provisória que, decorridos os dois anos de prazo concedidos para a ratificação, declarada será a nulidade do título de terra, viciosamente concedido, sem a chancela do Serviço do Patrimônio da União; cancelado será o seu registro e requerido será este em nome da União, no competente Registro de Imóveis. Quanto a tais normas, estas simplesmente passam a desconhecer cláusulas pétreas da Constituição Federal que garantem a apreciação, pelo Poder Judiciário, de lesão a direito ou ameaça e que impossibilitam a privação de bens sem o devido processo legal.  

Consideremos mais: a União fere frontalmente a Carta Magna, quando propõe nos artigos 2º e 3º da MP em causa procedimento sumário para a expropriação das terras situadas em faixa fronteiriça. Está, dessa forma, tratando de procedimento processual, quando aquele diploma maior, em seu artigo 184, preceitua ser este, no caso específico a que se alude, objeto exclusivo de Lei Complementar.  

Atingidos por esse Diploma Legal serão, de fato, os Estados de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Nestes, há títulos de alienação e concessão, na chamada faixa fronteiriça, concedidos sem a anuência do SPU-Serviço de Patrimônio da União, nas décadas de 1930-1940. Caberia, assim, aos Estados proceder, à época, à argüição de assentimento daquele organismo. No entanto, os produtores rurais obtentores das referidas terras em faixa de fronteira com países vizinhos fizeram-se, como assim os contempla o Direito, adquirentes de boa-fé.  

Destaco o Paraná, para exemplificação das conseqüências desastrosas que lhe pode acarretar a Medida Provisória 1803/99, quais sejam:  

Atingidas serão cerca de 40 mil propriedades rurais, pequenas, médias e grandes, passíveis de ratificação, espalhadas pelo Oeste, Sudoeste e parte do Noroeste do Estado. O INCRA poderá atingi-las, a seu juízo, com desapropriação cominada com ação sumária anulatória, sem o pagamento do valor da terra nua aos eventuais desapropriados.  

Sob o âmbito do cumprimento da função social, quase todas as propriedades rurais serão passíveis de anulação dos seus documentos de posse, pois, mesmo produtivas, lhes será provocado o processo anulatório se verificada a inexistência in loccu da reserva legal e das matas ciliares.  

Sob o prisma da equidade social, essa Medida Provisória patrocina inaceitável distorção no tratamento aos produtores rurais por ela envolvidos, em nome da reforma agrária. Enquanto para as propriedades fora da faixa de fronteira exige-se serem apenas produtivas, às que se circunscrevem à faixa exige-se o cumprimento integral da função social, pelo fato de seus proprietários serem, repito, adquirentes de boa-fé, tendo em vista eventuais atos viciosos, praticados pelo Estado nas décadas de 1930-1940. Enquanto para aquelas propriedades são indenizados os valores da terra nua, para estas tal ressarcimento é negado.  

Quanto aos financiamentos agrícolas, instaurar-se-á clima de pânico e de incerteza, notadamente, quanto às garantias reais. Em grande parte dos casos, por força da anulatória dominial, tais garantias deixarão de existir.  

Estas são apenas algumas das graves implicações que intenta acarretar ao meu Estado, a estados irmãos, ao País, o instituto ora sob a análise do Congresso Nacional.  

Ora, Sr. Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores:  

Que não me assista a razão na totalidade dos argumentos espraiados. Que não me assista extraordinário talento da verve romana, capaz de convencê-los de pronto. Que não me assista, hoje, um momento feliz para carrear-lhes a simpatia pelo exposto. Ainda assim, cabe a nós congressistas o dever de refletir, com profundidade, sobre o cabimento de matéria tão complexa, cujos resultados ao Brasil, poderão ser dos mais funestos.  

Falo de produção, de riquezas, de divisas carreadas por essas propriedades rurais ao País. Trato não de terras ociosas, mas, sim, de glebas produtivas. Aliás, discorremos sobre terras férteis, as melhores, banhadas em sua maioria por grandes rios, dada a sua estratégica localização geográfica. E serão essas propriedades, atentem os Senhores, aquelas eleitas para confisco, em função de distribuição agrária.  

Louvo a constante preocupação do Governo Federal com o instituto da Reforma Agrária. Cumpre seu dever para com a devida observância da justiça social. Deve fazê-lo e é bom que o faça. Todavia, assim não haja em detrimento da economia do País, abrangendo áreas, onde campeiam a experiência e o sucesso produtivo.  

Atravessa o Brasil intempéries econômico-sociais já suficientemente graves: decréscimo do nosso Produto Interno Bruto, cujos setores integrantes de cálculo, obtiveram, na sua totalidade, variações negativas; queda nos índices de produção agropecuária e industrial, queda da renda per capita nacional. Não exponhamos a Nação brasileira a mais esta vergasta, de certo, incontornável.  

Concedamos a nós mesmos, em nome da justiça social, do bom-senso, da grande responsabilidade que envergamos, como personalidades investidas do dever e do poder de legislar sobre os destinos do nosso País, tempo e oportunidade para refletir, sem afogadilho, sobre matéria tão decisiva e complexa, dados os seus fins e sérias implicações pertinentes não só, se pouco fosse, a quatro estados federativos, mas ao Estado soberano.  

Cabe-nos tal faculdade, pois não trata a Medida Provisória 1803/99 de matéria de extrema urgência, conquanto de relevância o seja. Afinal, esses dois requisitos legitimadores da edição da medida provisória, fixados no art. 62 da Constituição, não podem ser considerados isoladamente. Só será legítima a medida provisória se, em concomitância, as razões de urgência e relevância se fizerem presentes. Há, portanto, exigência conjunta e não alternativa da situação premente e de importância excepcional. Onde se tipifica a URGÊNCIA dessa matéria? Em que ponto reside o periculum in mora próprio das medidas cautelares? Ademais, constitucionalmente, é questão processual, a ser tratada em lei complementar.  

Erguem-se, a favor de uma maior e mais detida reflexão do Congresso Nacional sobre o instituto em tela, o equilíbrio e a justiça social, a produtividade em larga escala emanada, por exemplo, das áreas aqui tratadas e respeitantes ao Estado do Paraná, que verbera por justiça, pelo benefício de maior detença por parte do Legislativo brasileiro sobre o instituto a que se faz referência.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

¤ Æ


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/1999 - Página 3755