Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE REATIVAÇÃO DA CREDIBILIDADE BRASILEIRA JUNTO AO MERCADO INTERNACIONAL.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • NECESSIDADE DE REATIVAÇÃO DA CREDIBILIDADE BRASILEIRA JUNTO AO MERCADO INTERNACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/1999 - Página 5144
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, DIFICULDADE, PLANO, REAL, RETORNO, INFLAÇÃO, ANALISE, DADOS, AUMENTO, CUSTO DE VIDA, DESEMPREGO.
  • AVALIAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO, REGISTRO, ATRASO, IMPLEMENTAÇÃO, AJUSTE FISCAL, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, CRITICA, LIBERALISMO, ECONOMIA, FALTA, CONTROLE, CAPITAL ESPECULATIVO, EXCESSO, ABERTURA, COMERCIO, IMPORTAÇÃO.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), COMERCIO EXTERIOR.
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, AUXILIO, POPULAÇÃO, CRISE, RECESSÃO.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, GOVERNO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXPECTATIVA, MELHORIA, ATUAÇÃO.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, nobres Colegas, é verdadeiramente lamentável que o Plano Real, inaugurado em 1994, mais precisamente com a introdução da URV em março daquele ano, venha hoje enfrentar imensas dificuldades. Tanto esforço, tanto sacrifício ao longo desses quase cinco anos - como o crescimento exponencial da dívida pública e o baixo crescimento do produto - para, agora, acabarmos, assim, com a volta da inflação, que deverá ficar em 17% ou mais neste ano, e com o risco do retorno da reindexação que esse repique inflacionário traz.  

Por vezes, a tarefa de controlar a inflação, em nosso País, recorda-me o fado daquela conhecida personagem mitológica grega, Sísifo, condenado pelos deuses a passar sua existência a empurrar uma pesada rocha até o cume de uma montanha. Quando estava quase chegando ao cimo, a pedra novamente rolava para baixo e Sísifo recomeçava a ingrata tarefa.  

Decerto, encontramo-nos com o ânimo abatido em razão da sucessão de más notícias que nos acometem desde a desvalorização do real, em meados de janeiro. Pode ser, todavia, que a crise não seja tão acentuada quanto está parecendo agora, no curto prazo, e que, dentro de alguns meses, a economia possa retomar seu crescimento devido à remoção da pior barreira: o câmbio valorizado, juntamente com os juros altos.  

Porém, dúvida não resta de que o quadro atual é desolador. A inflação reapareceu depois de cinco anos ausente de nossas vidas e chegou a 3,5% no último mês. O salário mínimo está perdendo rapidamente seu valor real. Levantamento da Associação dos Supermercados, no Rio de Janeiro, apurou que o preço da cesta básica já está em R$159, valor 22% superior ao salário mínimo de R$130. Isso quer dizer que o trabalhador que ganha um salário mínimo não mais consegue comprar uma cesta básica por mês para sua família. Os juros de longo prazo subiram ainda mais. O desemprego, medido pela taxa de desemprego aberto do IBGE - um índice conservador -, atingiu 7,73% da população economicamente ativa no último janeiro. Com certeza, vai aumentar mais, uma vez que dados oficiais, constantes do acordo com o FMI, prevêem de 3% a 4% de encolhimento do PIB para este ano. Em resumo, o quadro não é nada bom.  

Nesse sentido, não custa nada lembrar os erros que foram cometidos para que colocássemos a perder o plano de estabilização mais competente que se mostrou desde a redemocratização do País. Infelizmente, não podemos voltar no tempo e alterar o que teria de ser modificado. Todavia, visitar o passado deve servir de ensinamento para o futuro.  

Em primeiro lugar, embora o Congresso e Governo, agora sob o impacto da crise, se apressem em aprovar todas as medidas de ajuste fiscal, esse zelo com as contas públicas vem mais tarde do que deveria ter vindo. A falta de uma maior disciplina fiscal do lado dos gastos do Estado brasileiro, em seus três níveis político-administrativos, levou a que o Plano Real tivesse de se apoiar exclusivamente na âncora monetária - os altos juros - e na âncora cambial - o real valorizado. Isso corroeu a capacidade de crescimento da economia brasileira. Aliás, diga-se de passagem, nossa incapacidade crônica em colocar ordem nas contas públicas já ocasionou, no passado recente, o "falecimento" de outros planos antiinflacionários, entre os quais o mais famoso foi o Plano Cruzado.  

Em segundo lugar, a política de liberalização financeira ampla, geral e irrestrita mostrou-se claramente um equívoco. Deveríamos ter controlado o influxo de capitais especulativos de curto prazo, exigindo-lhes uma permanência mínima no País. Assim, teríamos evitado que, ao menor sinal de dificuldades, eles nos tivessem deixado na mão na velocidade de um raio. Foi imprudência e ingenuidade não ter erigido barreiras à entrada desse tipo de capital no Brasil. Quanto a isso, não há dúvida. Já há consenso generalizado quanto ao fato de que não se levantaram barreiras nem proteção contra o capital especulativo que aqui entrou.  

Em terceiro lugar, Sr. Presidente, a política de abertura comercial deveria também ter sido mais prudente e mais gradual. Fizemos concessões comerciais, baixamos tarifas de importação, tanto em favor dos Estados Unidos, quanto em favor da União Européia, sem termos exigido as devidas contrapartidas.  

Lembro - e já expressei este comentário desta tribuna - que, em recente reunião da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), inclusive com a participação do Ministro do Desenvolvimento, Embaixador Celso Lafer, afirmei que o Governo Federal deve ser mais agressivo na sua política comercial. O pragmatismo deve imperar, com ações rápidas e eficientes, que passam, inclusive, pela escolha de bons e experientes profissionais para operar na área. Sr. Presidente e nobres Colegas, em Florianópolis, ele próprio nos disse que pretende recrutar cerca de noventa técnicos para ajudar o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio. Parece-me importante o pragmatismo e a experiência de pessoas do meio, que devem ser colocadas à disposição para ajudar nesse arrojo, a fim de enfrentarmos a política comercial no campo internacional.  

Feitas essas considerações, eu gostaria de defender uma participação mais ativa do Governo Federal em relação aos efeitos deletérios da recessão em que começamos a mergulhar. A recessão é a pior praga que pode acometer o trabalhador brasileiro e sua família. Já vínhamos de taxas de desemprego extremamente altas e, agora, com o encolhimento do produto pelo menos até o fim do primeiro semestre, vamos assistir um aprofundamento do desemprego. Quanto a isso, também não há dúvida. O próprio Governo reconhece que, até o fim deste primeiro semestre, haverá recessão e que, com isso, sem dúvida alguma, haverá mais desemprego. Portanto, os problemas sociais deverão agravar-se pelo menos até a metade deste ano.  

Em tais condições, o Governo não pode restar inerte, esperando as coisas melhorarem no segundo semestre. Cumpre fazer algo para minorar o sofrimento da legião de desempregados e mesmo dos empregados que vêem o poder aquisitivo de seu salário em queda livre.  

Há de se aprofundar, por exemplo, o Programa do Salário Desemprego, de forma a atingir um maior número de desempregados por um período mais longo. Há de se intensificar os programas assistenciais a cargo do Comunidade Solidária, levando-os também às periferias dos grandes e dos pequenos centros urbanos, para que não haja discriminação em lugar algum deste País. Enfim, o Governo deve, sem tardar, sensibilizado pelo drama da massa de desempregados, colocar em prática um plano para minimizar os efeitos sociais da crise em que nos encontramos.  

Certamente um programa para minimização dos efeitos da recessão implicará em maiores gastos. Contudo, o Governo deve ter a competência de saber governar, que nada mais é do que saber eleger prioridades: cortar o que pode ser cortado e aumentar gastos no que deve ser priorizado. Além do mais, esses gastos representariam muito pouco em relação ao grande desperdício de recursos que existe na máquina pública. Lembremos que cuidar da população desassistida é a maior e a mais nobre função do Estado.  

Vou fazer um último comentário para encerrar este discurso, Sr. Presidente, nobres Colegas.  

Eu poderia ter arrolado entre os itens que citei um pouco antes, a respeito dos erros cometidos que ocasionaram o fim do plano de estabilização, um que é de caráter mais geral e que se refere mais a uma mentalidade do que a uma política específica. É o seguinte: a excessiva preocupação com indicadores de conjuntura econômica em prejuízo dos indicadores sociais. Por trás dos números da economia, há um povo que trabalha, que sofre e que precisa de apoio e de cuidados.  

Gostaria até de voltar a refletir, Sr. Presidente, nobres Colegas, sobre esse último parágrafo. Há uma excessiva preocupação do grupo central, do âmago do Governo, em relação aos números econômicos, aos números matemáticos, às questões desse plano, em prejuízo das questões prementes do campo social. Não é possível dissociar as questões das bases, as questões sociais, das questões econômicas. Esse conjunto de atitudes, de medidas, não pode - como eu disse antes - ser dissociado. Há um relacionamento direto entre todos esses campos.  

É necessário, portanto, que o Estado brasileiro cumpra a função de promover não apenas o desenvolvimento econômico, mas também o desenvolvimento social, para que o Brasil deixe, um dia, de ser o país das desigualdades alarmantes, dos péssimos indicadores de desenvolvimento humano, da miséria e da fome, e se converta em verdadeira Nação solidária e humana. O mercado, deixado atuar por si só, jamais alcançará a construção dessa nação. É insubstituível - e, entre todas, é sua função mais nobre - o concurso do Estado para realizar essa aspiração, que é a de quase todos os brasileiros.  

Por isso, Sr. Presidente, nobres Colegas, neste momento, uma missão do Governo na área econômica se desloca para mercados internacionais, principalmente com entidades creditícias, para tentar reativar a credibilidade do Brasil junto a esses organismos. Neste momento, o Brasil firma mais um entendimento com o Fundo Monetário Internacional e se encaminha por outra vereda na direção do Banco Central, colocando ali alguém do meio, que conhece o mercado financeiro e os mecanismos de especulação, e realizando, assim, uma experiência na tentativa de obter melhores resultados. O Brasil procura encontrar novos tempos - não há como descermos mais, pois estamos praticamente no fundo do poço -, numa tentativa de sairmos dessa crise. Estamos adotando uma outra direção no Banco Central, para tentarmos, quem sabe com mais agressividade, enfrentar a especulação do mundo inteiro. Os especuladores não têm dó, não se preocupam com nossos profundos problemas sociais; eles querem ganhar cada vez mais.  

Quando o Governo tenta enfrentar essa situação com mais arrojo e, como eu disse anteriormente, quando o Governo, junto ao Ministério da Fazenda e à área econômica, tenta reativar créditos em instituições financeiras internacionais, precisamos, ao lado de uma política de relações internacionais mais agressiva e mais arrojada no campo do mercado, enfrentar o mundo nesse tipo de globalização, para defendermos aquilo que é essencial, aquilo que é nosso. É preciso fazer com que mercadorias de primeira grandeza compitam no campo internacional, para que não soframos, como ocorreu nos últimos quatro anos, uma diminuição de nosso capital interno, da nossa produção interna, gerando desemprego, e para que enfrentemos isso de igual para igual. Precisamos desse arrojo, desse recrutamento de profissionais que sejam mais pragmáticos

, sobretudo para os ministérios ligados às áreas de desenvolvimento e relações de comércio internacional. Este é o momento. Mas, ao lado dessas políticas, para conseguirmos o equilíbrio da balança comercial, não podemos nos descuidar do campo social, do alto índice de desemprego. É preciso que haja um relacionamento mútuo aconchegante desse conjunto de atividades, e nós, do Congresso Nacional, temos a responsabilidade de acompanhar esse relacionamento de perto, temos que estar alertas, para que não desassociemos essas questões tão fundamentais no Brasil de hoje.  

Vamos experimentar, vamos tentar avançar. São os votos, os propósitos de que precisamos estar imbuídos.  

Eram, Sr. Presidente, nobres Colegas, as considerações que queria fazer nesta manhã de quinta-feira, pois não podemos enfrentar o fim de semana sem abordarmos os casos aqui enfatizados.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/1999 - Página 5144