Discurso no Senado Federal

ANALISE DA ATUAL CRISE ECONOMICA BRASILEIRA, DESTACANDO OS PERCALÇOS NA CONDUÇÃO DO PLANO REAL, QUE LEVOU A CONSEQUENTE DESNACIONALIZAÇÃO DO NOSSO PARQUE INDUSTRIAL. APOIO AO FOMENTO DAS EXPORTAÇÕES E AS REFORMAS ESTRUTURAIS.

Autor
Pedro Piva (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Pedro Franco Piva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ANALISE DA ATUAL CRISE ECONOMICA BRASILEIRA, DESTACANDO OS PERCALÇOS NA CONDUÇÃO DO PLANO REAL, QUE LEVOU A CONSEQUENTE DESNACIONALIZAÇÃO DO NOSSO PARQUE INDUSTRIAL. APOIO AO FOMENTO DAS EXPORTAÇÕES E AS REFORMAS ESTRUTURAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/1999 - Página 4836
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, PROVOCAÇÃO, DESNACIONALIZAÇÃO, PARQUE INDUSTRIAL, AUSENCIA, ARTICULAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, VALORIZAÇÃO, INCENTIVO, EMPRESA NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA POLITICA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, IMPORTANCIA, UNIÃO, PODER PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, INCENTIVO, EXPORTAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, EMPREGO, RENDA.

O SR. PEDRO PIVA (PSDB-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assomo esta tribuna para analisar um pouco a situação atual do nosso País. E o meu discurso é um alerta sobre a situação atual por que passamos.  

Chegou a hora da verdade!  

Chegou a hora da verdade para o Brasil.  

Ou temos a coragem de realizar, sem hesitações, até as últimas conseqüências, as grandes transformações que o País reclama, ou estaremos fadados a fazer a travessia do século sob o signo da crise, sem perspectivas para a nossa economia e, pior, sem esperanças para os milhões de compatriotas que ainda permanecem subjugados pelos grilhões da miséria.  

De nada adianta a explicação de que este já não é mais um país pobre, mas ainda é um país socialmente injusto, pois a justiça social não virá de boas intenções, medidas tópicas, decretos, portarias ou leis. Tudo que se fizer por aí, em favor das populações desfavorecidas, evidentemente ajuda e tem o nosso apoio. Porém, só há um caminho seguro para a construção de uma sociedade economicamente mais equilibrada e socialmente mais justa: é o caminho do desenvolvimento, do crescimento econômico, de uma aposta sem volta nas atividades produtivas, que gerem emprego e renda. O resto é retórica.  

Chegou a hora da verdade!  

Chegou a hora da verdade para a economia brasileira.  

Falar da genialidade do Plano Real – brilhantemente conduzido pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso – já não basta. Os méritos do Plano são conhecidos e reconhecidos. Foram a pedra de toque do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique. Ao por fim à inflação, o real distribuiu renda e renovou a auto-estima dos brasileiros.  

Cinco anos se passaram e, de repente, como numa explosão, tudo parece ir pelos ares. Assombram-nos de novo os fantasmas da inflação, da indexação, da recessão, do desemprego. Onde o Brasil errou?  

Uma boa pista nos foi dada no último final de semana por ninguém menos que o próprio Presidente da República. "O ajuste fiscal não foi feito no primeiro governo e isso foi um erro", disse ele em entrevista à revista Época. Mas, bem sabe Sua Excelência, não foi o único erro.  

A fragilidade do viés monetarista da política econômica, apoiada na âncora cambial, desnudou-se completamente ante a opinião pública no recente episódio da desvalorização do real e da troca de comando no Banco Central.  

Não foram poucos os críticos que advertiram para o caráter predominantemente virtual dessa política, quase alheia ao dia-a-dia da microeconomia, insensível em relação à vida real das empresas. Empresas massacradas nos últimos anos pelas taxas de juros e falta de créditos, para não falar das dificuldades de todos conhecidas e sintetizadas na expressão custo Brasil.  

O resultado dessa equação foi a brutal desnacionalização do nosso parque produtivo e do nosso sistema bancário, cujos exemplos são gritantes e por demais conhecidos para repeti-los.  

Nada contra o capital estrangeiro. Ao contrário, a internacionalização dos capitais e a interdependência econômica são características dos atuais mercados globalizados. E a globalização é um fato da nossa era. Não é de direita nem de esquerda, não é liberal nem conservadora, é simplesmente um fato que não se pode ignorar. Ignorar a globalização é dar marcha a ré na História.  

O problema é que a desnacionalização do parque produtivo privado não veio acompanhada de uma política articulada de crescimento econômico, de valorização e estímulo à boa empresa nacional. De política industrial nem se ouviu falar. Como se política industrial significasse necessariamente a volta aos tempos do protecionismo, que hoje não tem mais lugar.  

Quando falamos em política industrial, falamos simplesmente na aplicação de fundamentos que garantam, por meio da isonomia competitiva, a integração soberana do Brasil na economia globalizada.  

Nos quatro anos da primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso ocorreram 1.181 fusões e aquisições. Destas, 650 contaram com a participação de capital estrangeiro.  

Alguns exemplos: Cofap (comprada pela italiana Magnetti Maretti), Lacta (comprada pela Philip Morris), Freios Varga, Metal Leve (comprada pela Mahler-Cofap), Peixe (comprada pela Cirio), Adria (comprada pela americana Quaker), Petroquímica União (comprada pela americana Union Carbide), Arno (comprada pela francesa SEB).  

O setor de alimentos foi um dos primeiros a ser atingidos pelas fusões e aquisições, seguido do de autopeças. Grandes negócios aumentaram a participação de grupos como a Parmalat, Fleischman Royal, Bombril-Cirio e Unilever. O movimento se estendeu para outros setores como fabricantes de bens de consumo durável, bens de capital, siderurgia e varejo.  

De 1980 a 1995, a participação das empresas que têm capital estrangeiro (minoritário ou majoritário), cresceu de 29% para 42% do total do faturamento da indústria de transformação. Nesse período, a participação estrangeira no setor de máquinas e equipamentos passou de 40% para 62%.  

De janeiro a junho do ano passado os estrangeiros estiveram presentes em 71% das aquisições, contra 55% de 1997 e 33% em 1992. A participação dos estrangeiros ainda é maior nas joint-ventures: 90% em 1998 contra 86% em 1987.  

De 1994 a 1997, o capital nacional nas empresas de autopeças caiu de 51,9% para 39,9%. Em 1992, 21 empresas brasileiras se associaram ou foram compradas por grupos estrangeiros e, no ano passado, esse número pulou para 204.  

As companhias controladas por estrangeiros geram mais da metade do faturamento líquido de todas as empresas instaladas no Brasil. Em 1980, eram 28%.  

Também participaram dos consórcios que levaram 12 das 13 empresas de telecomunicações privatizadas em julho do ano passado.  

Chegou a hora da verdade!  

Chegou a hora da verdade para as exportações.  

É dever patriótico fazer da crise uma oportunidade de negócio. Nunca como agora, nos anos recentes, surgiu oportunidade tão favorável para lançarmos uma grande ofensiva exportadora, aproveitando a desvalorização do real ante o dólar. Do mesmo modo em que o momento é crucial para a nacionalização de insumos e componentes que se estavam importando para os processos industriais.  

No campo das exportações, é fundamental para a recuperação da economia brasileira a organização de uma aliança estratégica entre Poder Público e a iniciativa privada, voltada para um grande salto nas nossas vendas.  

Para essa mobilização nacional pelas exportações, devem ser convocados todos os setores produtivos: agricultura, indústria, comércio, serviços, bancos. Empresas de todos os portes não podem deixar de atender ao chamamento: das micro e pequenas às médias e grandes; nacionais e multinacionais. A iniciativa privada, com certeza, fará a sua parte.  

É uma cruzada pelo crescimento econômico - por mais produção, emprego e renda - a que o Governo não pode faltar.  

Que o recém-criado Ministério do Desenvolvimento ou a Camex (esta diretamente ligada à Presidência da República) articule esse esforço, coordenando a ação dos órgãos governamentais afins, assegurando créditos - principalmente créditos -, desburocratizando procedimentos administrativos e fiscais, garantindo, enfim, o acesso da marca Brasil aos mercados estrangeiros.  

Perder esta oportunidade pode significar a perpetuação da crise que todos queremos superada.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite V. Exª um aparte, Senador Pedro Piva?  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB-SP) - Com prazer, Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª nos traz uma evolução de dados da indústria brasileira e também de outros setores de forma muito significativa, com exemplos, com nomes de empresas e com dados estatísticos por parte de grupos econômicos nacionais que venderam o controle de suas empresas para grupos estrangeiros. Eu gostaria de assinalar que, há cerca de um ano e meio, o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez menção a um estudo que o sociólogo e hoje indicado para ser embaixador do Brasil em Cuba, Luciano Martins - um de seus amigos pessoais -, fez a respeito. De acordo com essa análise, os grupos nacionais industriais estavam se desenvolvendo com força total. Quando vi esse estudo publicado e a menção ao mesmo - lembro-me perfeitamente de ele ter sido publicado na primeira página do Jornal Gazeta Mercantil -, estranhei um pouco. A matéria não parecia ter o mesmo tom de tantas outras publicações sobre evolução de dados de empresas, como, por exemplo, da Metal Leve, que pertencia à família de José Mindlin e outros, que foi vendida, e tantos outros citados no pronunciamento de V. Exª. Estou até aguardando a argüição que teremos na Comissão de Relações Exteriores. O Embaixador indicado Luciano Martins deverá comparecer a esta Casa para dialogar com o Senado Federal. Já anuncio que farei essa pergunta. Quero conhecer o estudo, porque a evolução de dados que V. Exª traz mostra que o Presidente pode não estar informado; ela não corresponde à percepção do Presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua equipe. É preciso que isso seja levado ao conhecimento de Sua Excelência. Cumprimento V. Exª.  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB-SP) - Obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Aliás, o discurso chama-se: A Hora da Verdade.  

As reformas se impõem. Chegou a hora da verdade para nós, políticos. Não mais por questões conceituais ou ideológicas, mas, ouso dizer, pela própria sobrevivência do regime democrático. Não fazer a lição de casa em toda a sua profundidade, como já deveríamos ter feito, pode levar a desdobramentos imprevisíveis. Sem um grande ajuste fiscal, abrangendo União, Estados e Municípios, a crise financeira se generalizará com gravíssimas repercussões sociais.  

Agora, já não são suficientes as medidas emergenciais, as respostas casuísticas a cada novo problema que surge. Vamos fazer, de uma vez por todas, a tão esperada reforma tributária, diminuindo o número de impostos, reduzindo alíquotas e ampliando a base de arrecadação. Na Previdência, vamos ter uma audácia cívica de fazer a reforma da reforma, pondo fim ao falido regime de repartição, substituindo-o por um saudável sistema de capitalização, assegurando benefícios e criando poupança interna para investimentos produtivos e sociais.

 

Vamos encarar de frente o desafio de realizar a reforma política.  

Como assinalou o eminente Professor Miguel Reale, domingo último, em O Estado de S. Paulo , "entra pelos olhos que uma política efetiva de contenção de despesas e desenvolvimento sustentado não será possível enquanto não houver quadros partidários legítimos que nos garantam representações parlamentares empenhadas somente na realização do bem público e não vinculadas a odiosos corporativismos, bem como governadores e prefeitos que não decidam e ajam em função de populismo imediatista".  

Não que essa seja a regra do comportamento da classe política brasileira, a que tenho orgulho de pertencer. Mas é imperioso levar em conta a advertência do ilustre Professor Reale.  

Na conjugação dessas reformas - tributária, previdenciária e política - está a chave para a reformulação do pacto federativo que a nova realidade brasileira impõe.  

Chegou a hora da verdade!  

Chegou a hora da verdade para a nossa geração - hoje majoritariamente responsável pelos destinos do País. É a geração que assistiu ou viveu a sucessão de crises abertas pelo suicídio do Presidente Getúlio Vargas; que se encheu de esperanças nos tempos desenvolvimentistas de Juscelino Kubitschek; ficou perplexa com a renúncia de Jânio Quadros; espantou-se com a desestruturação do Governo João Goulart; passou pelas agruras do regime militar; festejou a redemocratização; viu os planos econômicos se sucederem sem êxito; superou a crise do impeachment; apoiou entusiasmada o Plano Real; apostou na proposta de Fernando Henrique Cardoso.  

Se para a nossa geração chegou a hora da verdade, não chegamos, contudo, ao final do tempos. Podemos mudar, pelo bem do Brasil. Devemos mudar, sob pena de deixarmos como legado paras as próximas gerações um País sem rumo e ainda injusto.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB-SP) - Com prazer, Senador Bernardo Cabral.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Pedro Piva, V. Exª fala com uma responsabilidade muito grande. Primeiro, como homem que dá apoio político ao governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso; segundo, não há como afastar a sua figura de empresário bem-sucedido, pai de um jovem que eu já conheci há muito tempo e que, portanto, podem pensar em uma influência que talvez nem haja de V. Exª para ele e muito menos dele para V. Exª. Quero fazer um contraponto ao aparte anterior do Senador Eduardo Suplicy: V. Exª realmente aponta um quadro da desnacionalização da nossa economia, o que é grave; V. Exª menciona a sobrevivência do regime democrático. Aí é que está o valor do seu discurso, ele tem o título A Hora da Verdade. No instante em que um parlamentar vem criticar, aponta caminhos e indica soluções. V. Exª não ocupou a tribuna apenas para falar de um quadro que todos conhecemos. A responsabilidade se amplia porque, sendo V. Exª da base de sustentação política do Presidente, faz questão de marcar uma posição, dizer da sua independência; mas aponta, além do diagnóstico, a terapêutica. Portanto, é bom que o Governo ouça ou leia as suas palavras, elas contêm um indicativo; e uma pena é que sobre elas se faça ouvidos de mercador. Oxalá isso não aconteça. Pelo menos estou aqui para cumprimentá-lo.  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB-SP) - Obrigado, Senador Bernardo Cabral. O intuito do meu discurso era justamente esse; não se trata de um discurso de crítica, mas do discurso de um aliado, de um homem que respeita o Presidente da República, que forma sua base de Governo. Também é um discurso de alerta, é um discurso que indica caminhos e é o que eu penso a respeito da crise e dos caminhos para solucioná-la.  

Obrigado, Senador Bernardo Cabral.  

Se para a nossa geração chegou a hora da verdade, não chegamos, contudo, ao final dos tempos. Podemos mudar, pelo bem do Brasil. Devemos mudar, sob pena de deixarmos como legado paras as próximas gerações um País sem rumo e ainda injusto. Com a mesma lealdade que, em todos os momentos, desde a sua posse no primeiro mandato, asseguramos nosso apoio ao Presidente da República, defendemos agora uma firme mudança na política econômica, com ênfase no desenvolvimento e nas atividades produtivas.  

Presidente Fernando Henrique Cardoso, empunhe com vigor a bandeira do crescimento econômico, da produção, do emprego, da distribuição de renda, e conte com a solidariedade, não só dos Partidos da base do Governo, mas de todos os Parlamentares e cidadãos que acreditam no futuro deste País.  

Comande essa cruzada, Presidente! O Brasil é maior do que a crise!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/1999 - Página 4836