Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLITICA PARA O SETOR AGRICOLA QUE DIMINUA A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLITICA PARA O SETOR AGRICOLA QUE DIMINUA A CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1999 - Página 7715
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, DECISÃO, NATUREZA POLITICA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, INCENTIVO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, AGRICULTURA, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, REDUÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PAIS.
  • COMENTARIO, PROPOSIÇÃO, ORADOR, CRIAÇÃO, COMISSÃO, AGRICULTURA, ABASTECIMENTO, POLITICA FUNDIARIA, SENADO, DISCUSSÃO, PROBLEMA, AGILIZAÇÃO, PROVIDENCIA, INCENTIVO, BRASIL.

O SR. AMIR LANDO (PMDB-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, segundo os mais recentes relatórios do Banco Mundial, coloca-se como o país de mais alta concentração de renda de todo o planeta. Apenas um, em cada cinco brasileiros, abocanha mais de dois terços da renda nacional. Na verdade, a nossa distribuição de renda caracteriza um verdadeiro " apartheid social", configurando o que se convencionou chamar "Dois Brasis", um com características de primeiro mundo, outro que mais se parece com as nações mais deprimidas.  

Os dados oficiais dão conta de uma população equivalente à da Argentina abaixo da linha da pobreza, sem condições mínimas de sobrevivência, mais da metade dela considerada miserável, com renda que não atinge, nem mesmo, o suficiente para a alimentação básica.  

Essa população vive, na sua grande maioria, nas cidades. Apenas um, em cada cinco brasileiros, ainda reluta na quase teimosia da lida no campo. As luzes da cidade incharam as periferias escuras. Não é à toa que o processo de concentração fundiária é, ainda, mais perverso: dez por cento dos estabelecimentos correspondem a quase a metade da área rural de todo o país.  

A migração campo-cidade teve como correspondência a diminuição da área cultivada com grãos, principalmente de alimentos básicos. Apenas na última década, mais de sete milhões de hectares deixaram de ser cultivados. Portanto, a tão alardeada safra recorde para o próximo ano agrícola dever-se-á, mais uma vez, a aumentos de produtividade. Em 1980, o país produzia, em média, 1,3 tonelada de grãos por hectare e, no ano passado, algo em torno de 2,2 toneladas.  

É evidente que aumentos de produtividade, associados com diminuição de área cultivada, significam o deslocamento da agricultura alimentar para a produção para a exportação. Não é à toa, também, que, embora todas as nossas potencialidades edafoclimáticas, importamos, no ano passado, US$ 2,6 milhões, somente em produtos básicos. Isso corresponde a 11,3 milhões de toneladas de grãos, em especial o arroz, o feijão, o milho e o trigo. O arroz com feijão, prato típico do brasileiro, já não é tão nativo: 2,6 milhões de toneladas são de outras terras. Na tal mesma superssafra, o trigo, que responde com 2,5 milhões de toneladas, já significou, há pouco mais de uma década, mais de seis milhões, fazendo com que, hoje, o pão nosso de cada dia seja, cada vez menos, nosso.  

A diminuição da agricultura produtora de alimentos tem, também, outros traços perversos: em primeiro lugar, quem deixa de produzir passa, imediatamente, a demandar no mercado, pressionando os preços e alimentando, na realidade, a inflação ou novas importações que atingem, negativamente, a balança comercial. Além disso, é a agricultura produtora de alimentos que mais absorve mão de obra. Consequentemente, deixar de produzir alimentos significa menos comida, menos emprego e mais importação.  

É nesse sentido que as estatísticas oficiais, em termos de expectativas de safras e de acréscimo de renda rural, pode não significar, necessariamente diminuição das disparidades de renda. Em primeiro lugar, porque eventuais ganhos de receita são atribuídos, principalmente à desvalorização cambial, o que significa agricultura de exportação. Tal desvalorização também implica no aumento dos custos de produção, porque onera os insumos agrícolas importados, levando o agricultor a despender uma quantidade cada vez maior de seu produto por unidade de insumo que utiliza para produzi-lo.  

Mesmo que o otimismo das estatísticas oficiais se tornem realidade, não deverá haver correspondência automática no quadro de disparidades no meio rural. Aumentos de produção sustentados, quase que exclusivamente, em acréscimos de produtividade, mercados que privilegiam a agricultura de exportação, preços de alimentos controlados em função de contenção inflacionária, aumento de custos para os pequenos agricultores, sem, também, a correspondência do aumento dos preços, significarão o alargamento da distância entre ricos e pobres, no campo. Os R$ 7 bilhões que se acrescerão no chamado agronegócio brasileiro, neste ano, em função, principalmente, da desvalorização cambial, poderão se circunscrever a grupos de produtores específicos, sem que isso signifique, dadas as suas características, maior geração de emprego e melhor distribuição de renda.  

O que se observa, na prática, é que, mesmo os programas especiais com objetivos específicos de atender aos pequenos produtores rurais, acabam se direcionando para produtos considerados mais nobres e regiões mais desenvolvidas. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, embora de nobres intenções, acaba, segundo as melhores análises, direcionado, na sua maior quantidade, para regiões mais ricas e produtos de exportação, e para produtores no limite superior das faixas limites.  

A crise urbana, que desemprega em assa, tem redirecionado, nos últimos tempos, os fluxos migratórios, agora no sentido cidade-campo. Essa população tem, na sua grande maioria, origens rurais, dados os fluxos inversos das décadas anteriores. Portanto, mais uma vez, a agricultura pode apresentar soluções para os grandes problemas nacionais, nos dias de hoje: desemprego, moradia, fome, violência urbana. E, esse potencial, não pode permanecer camuflado em eventuais estatísticas agregadas, por mais otimistas que elas possam parecer.  

É aí que se coloca a questão dos dois "Brasis". A título de ilustração, se o País possui uma "Argentina" de pobres, em condições mínimas de sobrevivência, dos quais alguns "Uruguais" e "Paraguais" considerados miseráveis, há que se pensar em aumentos de produção agrícola para alimentar, empregar, abrigar e propiciar cidadania plena para esse segundo país de dimensões populacionais correspondentes a um bloco de nações. Seria algo assim como produzir mais para "exportar" para o chamado "segundo Brasil". Terra, não haverá de faltar, desde que com uma política fundiária que permita, efetivamente, assentamentos produtivos. Capacidade de trabalho, também não, porque a maioria das mãos que se estendem, hoje, nas esquinas, ainda guardam os calos dos guatambus dos tempos de roça. Mercado, já se concluiu que também não falta. Recursos, nem se fale. A mais simples das operações pode demonstrar quantitativos vultosos, que se despenderam em nome do sistema financeiro, de empresas mal administradas, de renúncia tributária das mais variadas e criativas, em nome, portanto, do primeiro Brasil!  

Falta, portanto, decisão política. Há, de um lado, todo um povo a ser empregado e alimentado. De outro, terras férteis, capacidade de trabalho e vontade de produzir. A decisão política deverá se direcionar no sentido de que esses dois lados sejam, na prática, um único. Se viabilizada essa mesma decisão, os grandes problemas nacionais podem se transformar, na realidade, na grande solução para os nossos maiores problemas. Repetitivo ara ser enfático: a agricultura brasileira, dados os seus potenciais, pode empregar, alimentar, abrigar, prover segurança e dar rostos verdadeiros para milhões de cidadãos que, hoje, mais se parecem estrangeiros em seu próprio país. Depende da vontade política a nossa transformação em um único país.  

Esse é, para mim, o grande desafio da Comissão de Agricultura, Abastecimento e Política Fundiária, que propus seja criada no Senado Federal. Produção, produtividade, área cultivada, serão quantitativos que, obviamente, necessitarão ser maximizados através de idéias que ali se discutirão. Mas, o mais importante é a discussão de propostas que agilizem os nossos potenciais agrícolas, considerados os mais ricos do mundo, no sentido de uma nação única e soberana, e que permitam devolver o "passaporte" aos milhões de "cidadãos sem rosto", considerados, erroneamente, problemas a serem solucionados com políticas compensatórias ou com programas de solidariedade, mas que, são, na verdade, potenciais latentes de desenvolvimento de um país cujos recursos naturais mais se parecem a obra idealizada pelo próprio Criador.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1999 - Página 7715