Discurso no Senado Federal

REGISTRO DO DIA EM MEMORIA DO HOLOCAUSTO.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • REGISTRO DO DIA EM MEMORIA DO HOLOCAUSTO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1999 - Página 7641
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, VIOLENCIA, GENOCIDIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NAZISMO, COMPARAÇÃO, MANUTENÇÃO, MUNDO, PROCESSO, EXCLUSÃO, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL, DESTRUIÇÃO, POPULAÇÃO, VITIMA, FOME, MISERIA, DESEMPREGO.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, membros da Mesa, Srªs e Srs. Senadores, eu comentava há pouco com o nosso companheiro Senador Tião Viana que, ontem, uma amiga, uma pessoa por quem tenho muita estima - e sei que ela também tem por mim muita estima e consideração - dizia que não gostava de assistir à TV Senado porque eu só falava de tristeza. Até sei que tenho muitos motivos pessoais para ter alegria porque sou uma sobrevivente, muitos que ficaram não conseguiram sobreviver nem chegar até aqui. Sei também que tenho muitos motivos para ter alegria porque vejo os meus filhos indo para a escola, tendo oportunidade de se alimentar, mas peço a Deus, todos os dias, diante das tormentas e tristezas que acontecem na minha e na vida de milhares de cidadãos brasileiros, que Ele possa estar presente nas nossas cabeças e nos nossos corações.  

Hoje, infelizmente, também é um dia de se falar em tristezas, pois é um dia em memória do Holocausto, um dia que, sem dúvida, sacode as cabeças e os corações de todos os que se preocupam e lutam pelos direitos humanos em todo o mundo.  

Para nós, que acreditamos em princípios humanistas e temos discernimento moral, sempre pareceu tolerável pensar naqueles fatos como loucura, como uma aberração, como um desvio da História. Realmente, é muito doloroso pensar naquela barbárie e aceitá-la, porque todos sabemos que ela foi decorrência de uma ideologia racista, eugenista, anti-semita, que mobilizou não apenas uma minoria de fanáticos e burocratas oportunistas, frios e imorais, mas a sociedade de um Estado - pasmem! - moderno. Essa sociedade cometeu um extermínio de massa de forma rotineira e sistemática, porque sabemos que todas as operações, desde as experiências médicas até a de funcionamento da câmara de gás, foram realizadas pensando-se nos mínimos detalhes e medindo-se os perversos termos de custo e benefício.  

Houve um período anterior à barbárie em que os judeus, os doentes e os miseráveis foram sendo gradual e sistematicamente excluídos da vida alemã, por meio das inúmeras preocupações, proibições e pelo isolamento nos guetos. Muitos, muitos e muitos países conciliaram-se com o nazismo e muitos outros deles tinham conhecimento mas se calaram covardemente diante do extermínio de populações inteiras.  

São muitas e dolorosas as imagens da barbárie e sempre devemos pensar nelas: nas gigantescas pilhas de roupas, de sapatos, de cadáveres; nas pilhas de histórias de vida que foram destruídas; nas pessoas queimadas com lança-chamas, fuziladas, torturadas ou assassinadas nas câmaras de gás; nas pessoas separadas de suas famílias para enfrentar o trabalho forçado, nas toneladas - as malditas toneladas! - de cabelos humanos destinados ao enchimento de travesseiros; enfim, nas pessoas mortas pela fome, pela sede e pelo frio.  

Pensemos, agora, nos dias de hoje. Façamos um esforço interpretativo, aproximemo-nos daquela época e pensemos no mundo de hoje. Certamente, chegaremos à triste conclusão de que aqueles perversos eventos não são remotos e inatingíveis. O extermínio, o racismo, o genocídio de populações e povos inteiros continuam acontecendo no nosso quotidiano. Por quê?  

Será que desapareceram do mundo atual os burocratas frios, medíocres, covardes e mesquinhos de ontem, que exerciam as suas tarefas com o máximo de zelo, para ascenderem socialmente e estarem de bem com o poder, que iam para os tribunais e estufavam o peito dizendo que não tinham matado com suas próprias mãos - mas que matavam, sim, porque davam ordens para que pessoas fossem mortas? Será que essas pessoas desapareceram? Será que os guetos de judeus de ontem não são as favelas de hoje? Será que não existem mais pessoas separadas de suas famílias, com seus laços familiares quebrados, perambulando pelas estradas deste País ou submetidas ao trabalho escravo e covarde? Será que aquelas malditas pilhas de cadáveres, que muitas vezes desaparecem das nossas mentes, não poderiam ser reconstruídas com as vítimas da nossa mortalidade infantil? Poderiam, sim, ser reconstruídas!  

As terríveis câmaras de gás foram substituídas pela morte lenta e perversa da fome, da sede, da miséria; as cercas dos campos de concentração, que muitos ajudaram a derrubar e muitos mais ajudaram a preservar, foram, hoje, substituídas por muitas outras, quer sejam as do latifúndio imoral, quer sejam as cercas invisíveis, ainda mais dolorosas, que separam os que podem comer, tomar água e viver daqueles que só têm a fome, a miséria, o desemprego e o sofrimento.  

É verdade que o genocídio atual não é decidido em conferências, como foi o do povo judeu. Hoje, ele é decidido por vários outros métodos e mecanismos, sutis mas igualmente sórdidos: assinaturas de acordos, contratos e tantas outras formas de se garantir o extermínio burocrático no Brasil e em outros lugares do mundo. Portanto, ao tempo em que pensamos e deixamos que os nossos corações chorem a vida de milhões de judeus assassinados, pensemos também no holocausto que acontece hoje, nas pessoas vítimas da brutalidade, da fome, da miséria, do desemprego e do sofrimento; que consigamos identificar os burocratas frios e insensíveis que assinam acordos perversos e covardes, como os feitos com o FMI, que destróem populações inteiras e nações espalhadas pelo mundo, e que possamos nos encher de coragem e de esperança para superarmos todas as formas perversas e malditas de opressão e de injustiça social.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1999 - Página 7641