Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DAS COMUNIDADES INDIGENAS NO TRANSCURSO DO DIA DO INDIO, HOJE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DAS COMUNIDADES INDIGENAS NO TRANSCURSO DO DIA DO INDIO, HOJE.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1999 - Página 8556
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, COMENTARIO, REDUÇÃO, POPULAÇÃO, TERRITORIO, COMPARAÇÃO, EPOCA, DESCOBERTA, BRASIL, EXTINÇÃO, CULTURA.
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, INDIO, ESTADO DO ACRE (AC), EXPECTATIVA, PROGRAMA ESPECIAL, GOVERNO ESTADUAL.
  • COBRANÇA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, PRAZO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, URGENCIA, TRAMITAÇÃO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, BENEFICIO, INDIO, ESPECIFICAÇÃO, ESTATUTO, CONVENÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Fico feliz de inspirar esse desejo de cumprimento do Regimento à Mesa.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, infelizmente, o tempo que me é dado talvez seja proporcional ao tempo que as comunidades indígenas têm para falar dos seus problemas, para defender a demarcação de suas terras; talvez seja proporcional ao tamanho das terras, da assistência de saúde, da assistência técnica, do apoio que recebem por parte do Governo e da sociedade, que, há 500 anos, invadiu este imenso território e os confinou em apenas 11% deste País continental. Tudo está de acordo.  

Havia preparado um pronunciamento sobre o dia que estamos hoje comemorando, o Dia do Índio, o dia 19 de abril. Para mim, todos os dias são dias de índios, brancos, negros, enfim, dos seres humanos. Infelizmente, como vivemos em uma sociedade que pratica a discriminação, que segrega as pessoas, que estimula e realiza preconceitos, fomos criando dias comemorativos para nos lembrarmos de que determinados segmentos são constituídos por pessoas que também possuem direitos. Por isso, há o Dia do Idoso, o Dia do Indio, o Dia da Criança, o Dia da Mulher. Poderia falar de uma embiricica de dias que temos para nos lembramos de que esses segmentos sofrem algum tipo de discriminação.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existe um grupo de índios que vive próximo ao rio Tocantins, os Kraôs. Eles costumavam levantar-se com o sol. Após um banho no igarapé vizinho à aldeia, as mulheres preparavam um quebra-jejum, geralmente feito com um pouco de biju, macaxeira cozida ou banana. Após alimentarem-se, os índios saíam para o centro da aldeia, que tinha a forma de uma laranja cortada ao meio — parecida com a deste plenário, mas um pouco menor. Enquanto se esquentavam, conversavam sobre as atividades do dia. Geralmente, essas atividades eram inspiradas nos sonhos que haviam tido na noite anterior, porque boa parte das comunidades indígenas tem o costume de decidir sobre seus problemas importantes, tendo como orientação os sonhos. Isso permite até fazermos um trocadilho: os índios são aqueles que sonham e realizam seu sonho no dia seguinte; nós somos aqueles que ficamos o tempo todo projetando nossos sonhos para algum lugar no futuro. Talvez seja bom aprendermos com eles sobre como sonhar no presente e realizar a cada dia nossos sonhos.  

Outra questão a que gostaria de referir-me, Sr. Presidente, é que, há quase 500 anos, quando os brancos chegaram aqui, tínhamos uma população de cinco a seis milhões de pessoas, que foram chamadas de índios, embora não se denominassem assim. Tinham outras denominações de acordo com sua língua, com sua cultura, com o tronco lingüístico a que pertenciam. Hoje, sendo otimista, são apenas 330 mil pessoas, representando apenas 7% da população encontrada: um dos maiores massacres já praticados na história da raça humana, quase a dizimação total de um povo e de uma cultura.  

Essas comunidades, como já falei anteriormente, vivem confinadas em apenas 11% do território que antes tinham à sua disposição.  

Segundo estudos realizados pela Antropóloga Juanaceli da Costa, desapareceram 1.200 línguas que antes eram faladas por essas comunidades indígenas. Hoje existem apenas 206 etnias, que falam 170 línguas diferentes em todo o território brasileiro.  

Fico feliz que no meu Estado ainda tenhamos uma boa quantidade de índios, os quais são considerados os que conseguiram mais avanços no que se refere à demarcação de suas terras, mais avanços no que se refere à questão de saúde e educação porque têm educação bilíngüe e têm um sistema de saúde que parte do treinamento de agentes da própria aldeia.  

Agora, se os índios do meu Estado são considerados como os que vivem em melhor condição, fico imaginando os dos outros Estados. Mesmo com essas informações apresentadas, posso afirmar, Sr. Presidente, que a situação é muito difícil. Boa parte deles não tem assistência à saúde, mas apenas uma minoria. Uma outra maioria também não tem assistência à educação e muito menos acesso a transporte e apoio técnico.  

Hoje o Governador Jorge Viana está criando um programa especial para trabalhar junto com as comunidades indígenas. Inclusive, criou uma Secretaria de Extrativismo e Floresta só para atender às demandas de seringueiros, caboclos e ribeirinhos lá do nosso Acre. Mas essa realidade está iniciando e poderá ser um exemplo para a Amazônia e para alguns outros Estados da Federação. Temos também um exemplo do Estado do Amapá, de onde recebemos notícias de que o Governador Capiberibe tem feito um trabalho respeitoso com as comunidades indígenas.  

Sr. Presidente, gostaria de lembrar o compromisso assumido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso de que até a comemoração dos 500 anos, iria demarcar as terras indígenas - todas elas. Hoje, os levantamentos e estudos foram feitos em 62 áreas; no entanto, faltam demarcações em muitas, mais ou menos 161, que precisam ser identificadas. Esse compromisso assumido pelo Governo está sendo cobrado pelas comunidades indígenas, pela sociedade brasileira e, no Congresso Nacional, por todos aqueles que têm compromisso com esses segmentos da nossa sociedade.  

Devemos participar dessa cobrança, da cobrança positiva, para que seja enviado a esta Casa o estatuto do índio, a fim de ser aprovado com a urgência de tantos projetos que por aqui passam e que temos de debater e aprovar em apenas 12 dias. Que também seja aprovada uma outra convenção. Hoje, aprovamos a convenção da UPOV. Houve um debate profícuo, bastante longo, em caráter de urgência. No entanto, a Convenção 169 está em tramitação há anos. Estamos a todo tempo alertando para a necessidade dessa convenção da OIT, mas que, infelizmente, não merece a mesma urgência.  

Lamentavelmente, não tenho o tempo necessário para falar de todas as questões aqui elencadas, mas quero conclamar o Bloco da Oposição e os demais Srs. Senadores sensíveis a essa questão, independentemente de Partido, para que façamos um esforço no sentido de aprovar a Convenção 169, o Estatuto do Índio e, acima de tudo, buscar políticas voltadas para a demarcação das terras indígenas, o atendimento de saúde e educação, enfim, o respeito a essa comunidade invadida e massacrada por nossa cultura.  

Por isso estou apresentando um projeto que institui acesso livre de todo e qualquer índio que termine o 2º grau, para que possamos partilhar com as comunidades indígenas aquilo que de bom a nossa sociedade pode oferecer. Até agora só oferecemos as doenças, a dizimação de vários povos, a violência, hábitos que não existiam nesses povos, como a bebida, a prostituição e até mesmo a redução de suas terras, que, antes, como disse, era todo este imenso Brasil e, hoje, estão reduzidas a 11%.  

Tenho aqui uma carta, que peço seja anexada ao meu pronunciamento, na íntegra, assinada pelo Movimento Indígena, na pessoa do seu representante quanto à comemoração dos 500 Anos, Sebastião Manchineri, um índio do Acre, que diz: "500 anos. Nada a comemorar." E fala das muitas lutas a serem empreendidas para que as terras dos índios sejam demarcadas.  

Quando da comemoração dos 500 anos de chegada triunfal dos brancos a uma terra em que havia 5 milhões de índios, em que agora há apenas 330 mil, comemoremos, mas com o respeito devido àqueles que são diferentes e que podem nos oferecer um outro caminho.  

Penso como seria o processo civilizatório se pudesse haver um intercâmbio cultural da civilização ocidental com os maias, os incas, os astecas, legitimamente com os kaxinawás, os jaminawas, os apurinãs, os Kanpas, os kraôs, também com os xavantes, com todos os índios do nosso País a quem devemos respeito e, com respeito, temos um tributo a pagar.  

O primeiro deles, a demarcação das suas terras; o segundo, o respeito à sua cultura; e o terceiro, a convivência com as diferenças, sem querermos transformar o diferente na igualdade caótica, muito monótona.  

Muito obrigada.  

à §


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1999 - Página 8556