Discurso no Senado Federal

DEFESA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO DA AMAZONIA COMO GARANTIA DA SOBERANIA NACIONAL NAQUELA REGIÃO.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DEFESA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO DA AMAZONIA COMO GARANTIA DA SOBERANIA NACIONAL NAQUELA REGIÃO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1999 - Página 9788
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • DEFESA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, FORMA, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA, IMPEDIMENTO, AMEAÇA, INVASÃO ESTRANGEIRA.
  • COMENTARIO, INTERESSE, ORGANISMO INTERNACIONAL, BIODIVERSIDADE, BRASIL, POSSIBILIDADE, DESCOBERTA, MEDICAMENTOS, CONTROLE, DOENÇA.
  • DEFESA, PROVIDENCIA, SETOR, INFRAESTRUTURA, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, RODOVIA, HIDROVIA, ENERGIA ELETRICA, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE).

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta manhã escolhi como tema para trazer ao debate no Senado a questão da Amazônia. E não posso deixar de confessar que meu discurso é uma apologia à Amazônia e também um alerta aos graves problemas da nossa região e às questões estratégicas também de interesse nacional e internacional, em particular os aspectos de defesa da Amazônia brasileira.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1494, o Tratado de Tordesilhas dividia o mundo entre os domínios de Portugal e da Espanha. Como sabe - ou deveria saber - toda criança que tenha cursado as primeiras séries do Primeiro Grau, a parte do Continente Sul-Americano que cabia à Portugal - e que viria a ser a base territorial do nosso Brasil - terminava mais ou menos ali, na longitude de 48º oeste, na cidade de Belém do Pará, à margem direita do estuário do Amazonas. Toda a área a oeste, que compreende a maior parte de nosso País, teria de ser conquistada, ao longo dos séculos seguintes, pela ação de brasileiros como os bandeirantes, nos primeiros tempos, e os pioneiros do Acre, já em fins do século passado.  

Quem, consciente dessa história, olhar hoje o mapa do Brasil não pode deixar de notar que o feito foi muito mais significativo nas baixas latitudes, que correspondem à Região Amazônica. Enquanto mais ao sul o Brasil não ultrapassa os 58º de longitude oeste, a Amazônia brasileira atinge os 74º, na Serra de Contamana, no Acre.  

O que intento mostrar com isso, Srs. Senadores, é que, se a Amazônia constitui um presente da natureza a toda a humanidade, a soberania brasileira sobre a área é obra de nossa gente, de nossos antepassados. É um legado que não podemos sequer pensar em desprezar. Mais ainda: quero chamar especial atenção para o fato de que, nestes tempos de crescente conscientização ambiental no mundo, a manutenção de nossa soberania sobre a região está intrinsecamente relacionada à nossa capacidade de promover seu desenvolvimento, melhorando as condições de vida e a renda de seus habitantes, sem descuidar da preservação de seu ecossistema.  

A percepção desse fato é clara entre os integrantes da cúpula de nossas Forças Armadas. Até alguns anos atrás, o cenário de provável conflito mais estudado era o de uma guerra contra os argentinos, e isso justificava, entre outras medidas, a política de manter a maior parte dos efetivos ao longo da fronteira sulista. Hoje, ninguém duvida de que a ameaça maior à nossa integridade territorial resida na cobiça internacional pela Amazônia. Entre os especialistas em inteligência militar se comenta até mesmo que o governo norte-americano guardaria na manga a hipótese de usar de propaganda para, com falsos argumentos de emergência ambiental, convencer o povo estadunidense da necessidade e urgência de uma invasão militar da Amazônia, na eventualidade de uma crise grave de popularidade ou credibilidade de um presidente americano.  

Nesta oportunidade, ressalto que não estou aqui para fazer nenhum terrorismo psicológico, mas minha abordagem baseia-se em referências na imprensa nacional e internacional de episódios que nos remetem a concluir por essa possibilidade de o governo americano ter interesse, do ponto de vista estratégico, de intervir na Amazônia.  

No caso de um ataque desses, não haveria nada que pudéssemos fazer, com nossas Forças sem treino nem equipamento adequado, senão chorar na sarjeta e reclamar à Organização das Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança nos faria, certamente, ouvidos moucos.  

A quem considere essa idéia estapafúrdia, é conveniente lembrar do ataque ao Iraque durante a fase mais aguda do caso Monica Lewinsky, quando ainda parecia possível mover a opinião pública em favor de um impeachment. Apesar do resultado pífio do ataque em termos de objetivos militares - visto que Saddam Hussein continua no poder, e tão ameaçador ou tão fraco quanto antes -, a subida dos índices de popularidade de Clinton foi imediata e significativa. A operação, na verdade, foi um sucesso completo no que diz respeito aos seus reais objetivos.  

Do mesmo modo que os meios de comunicação internacionais "demonizaram" o líder iraquiano - não que ele seja nenhum herói, longe disso -, a opinião pública mundial há muito vem sendo preparada, com a repetição das notícias de devastação da floresta tropical, para aceitar como necessária, para o bem-estar da humanidade, uma eventual intervenção militar na Amazônia. Intervenção que poria fim ao domínio, sobre a região, dos "bárbaros" - que somos nós - que não a sabem valorizar nem preservar.  

A quem veja tudo isso como uma idéia fantasmática, ou uma teoria conspiratória sem qualquer fundamento, seria bom lembrar um "inocente" adesivo plástico, visto e relatado por diversos viajantes brasileiros, colado aos pára-brisas de muitos veículos na Europa e nos Estados Unidos. Neles pode-se ler algo mais ou menos como: "Faça alguma coisa pelas florestas: mate um brasileiro". Além dos estereótipos da malandragem e da sensualidade, a imagem internacional do brasileiro agora inclui a idéia de que somos os destruidores da floresta tropical.  

Quero também deixar claro que não estou aqui fazendo nenhuma defesa em favor daqueles que devassam de forma irresponsável a Amazônia ou dos que não valorizam nossos ecossistemas e a nossa biodiversidade, muito pelo contrário. A verdade é que, por detrás de todo esse bom-mocismo ecológico, esconde-se o interesse puramente comercial das grandes corporações transnacionais. A Amazônia é uma província de riquezas naturais e minerais dificilmente calculáveis, em grande parte ignoradas por nós, mas certamente melhor conhecidas das grandes potências, que dispõem de satélites-espiões de alta resolução, dotados de aparelhos sofisticados e de nomes - como "espectógrafos" e "interferômetros" - compreensíveis apenas por especialistas. Aquilo que já conhecemos de riqueza mineral, como Carajás, por exemplo, pode ser uma parte ínfima do que há por se descobrir.  

Riqueza muito maior que a mineral talvez esteja contida na incomparável biodiversidade da Amazônia. Não se trata apenas de riqueza no sentido do mero conhecimento científico do funcionamento da vida vegetal e animal, proporcionado pela variedade de biotas e dos arranjos intrincados de interação com o ambiente que muitos seres vivos encontram para sobreviver. Principalmente, a biodiversidade interessa à comunidade internacional pela possibilidade de descoberta de medicamentos e de cura para moléstias ainda não controláveis ou de tratamentos com menores efeitos colaterais para as doenças controláveis.  

Quanto a esse aspecto, é sempre bom lembrar que o conhecimento tradicional, propriedade dos povos da floresta, de tratamentos naturais para inúmeras moléstias está na mira dos grandes conglomerados farmacêuticos. Denúncias de biopirataria vêm-se tornando comuns e constituem uma das mais acintosas formas de roubo de propriedade intelectual e cultural.  

De fato, o furto pelas potências dos tesouros da arte e da cultura dos povos dominados não constitui novidade, bastando para constatá-lo uma visita aos setores egípcio ou grego do Museu Britânico ou do Louvre. Grécia e Egito, hoje democracias razoavelmente estáveis, periodicamente reclamam a devolução daqueles objetos que julgam lhes pertencer. Essa foi, por exemplo, a grande luta da atriz grega Melina Mercouri em sua gestão como Ministra da Cultura de seu país. Ingleses e franceses fizeram ouvidos de mercador e continuarão a fazer.  

Em nossa era científico-tecnológica, porém, muito pior que o butim arqueológico representado por estatuária e joalharia, será a apropriação indébita do conhecimento. A perda econômica não se limitará, em nosso caso, à ninharia da cobrança de taxa de ingresso em museus, mas implicará a eterna dependência das patentes estrangeiras, o eterno pagamento de royalties por um saber que nos foi roubado.  

Não se deve pensar, porém, que a ameaça à soberania brasileira sobre a Amazônia se limite ao apetite das grandes potências e de suas megaempresas. Nossos vizinhos, países fronteiriços, têm seus interesses, ainda que, hoje, sufocados pela falta de condições presentes de alterar, diplomática ou militarmente, as linhas reconhecidas de fronteira. Mas não nos iludamos: eles se mantêm à espreita. Qualquer posição fraca do Brasil, militar ou diplomática, pode oferecer-lhes oportunidades para ganhos territoriais. Esse problema é agravado pela instabilidade política de alguns desses países e pela existência neles de violentas guerrilhas, contestando a autoridade e a legitimidade de seus governos.  

Não devemos, tampouco, desprezar a ameaça representada pelo narcotráfico, cujas máfias ou cartéis já constituem o poder e a autoridade de fato em parte de território, por exemplo, como o da Colômbia.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Permite-me V. Exª. um aparte?  

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Concedo, com muito prazer, o aparte a V. Exª, Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT-AC) - Ilustre Senador Sebastião Rocha, gostaria de parabenizá-lo pelo assunto trazido ao plenário desta Casa. Acredito que nós, da Amazônia, temos a responsabilidade de colocar na ordem do dia da discussão do nosso País, da nossa soberania, o tema que V. Exª aborda. É um assunto que tem uma profundidade extremamente ampla; é um assunto que envolve a mais alta responsabilidade civil, de defesa nacional e de quem pensa o Brasil como um país de grande personalidade no próximo milênio. Não é novidade para ninguém o que dizem algumas autoridades internacionais, como o próprio Vice-Presidente dos Estados Unidos, Al Gore, que afirmou, na imprensa internacional, que a soberania do Brasil diante da Amazônia era muito relativa. Afirmações como a do Primeiro-Ministro da Inglaterra, Tony Blair, de François Mitterrand e de autoridades de referência internacional apontam um olhar diferente para a Amazônia brasileira. O Brasil tem que tratar com mais profundidade essa questão, sem ufanismo, sem fazer apologia da guerra, da invasão, mas tem que estar atento, olhando para os pequenos detalhes que ocorrem. A imprensa internacional tem tratado a questão amazônica de uma forma parcial e, acredito, o pronunciamento de V. Exª merece atenção. Penso, Senador, que a melhor maneira de defendermos a nossa Amazônia é apostarmos no desenvolvimento daquelas populações que vivem naquela região. V. Exª se referiu ao narcotráfico, que é uma ameaça às famílias, ao povo amazônico e ao povo brasileiro, que já impera na nossa região. Isso é um fato. No Estado do Acre, por exemplo, digo, sem qualquer insegurança, que, até o mês de dezembro, o narcotráfico era a primeira fonte da economia informal presente dentro do Estado e talvez a primeira fonte de emprego informal que tínhamos dentro do Estado. Não há uma decisão do Governo Federal no sentido de apostar no desenvolvimento humano e tratá-lo como prioridade, aliando-o à defesa da Amazônia. A abordagem que V. Exª faz, como médico, da nossa biodiversidade, das nossas potencialidades futuras, inserindo o Brasil no cenário de Primeiro Mundo no próximo milênio, é um fato que ninguém pode contestar. Hoje, todos discutem, mas não negam que quem tiver o recurso natural e o instrumento da tecnologia para o desenvolvimento vai estar na ordem do dia na política do próximo século, do próximo milênio. A nossa biodiversidade talvez seja o caminho da nossa independência. É preciso inteligência, responsabilidade e profundidade na discussão desse assunto, o que V. Exª faz muito bem.

 

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Tião Viana, que, no pouco tempo que está nesta Casa, já demonstrou profundos conhecimentos sobre a nossa região, o seu Estado e sobre as questões sociais do nosso País em destaque. Essa questão da pirataria da biodiversidade me preocupa, porque muitas vezes o próprio Governo brasileiro, os governos estaduais, com o intuito de desenvolver novas tecnologias e fazer novas descobertas, acabam sendo permissivos com relação a esse intercâmbio, do ponto de vista da pesquisa, quando o mais importante para nós seria que essas pesquisas fossem feitas por brasileiros, por instituições brasileiras preparadas. E temos muitas instituições em condições plenas de realizar esses estudos.  

Por exemplo, no meu Estado, o Governador do Amapá desenvolve um programa de desenvolvimento sustentável que é aceitável, apesar de eu ter críticas severas contra a condução, na prática, de suas ações ou de suas teorias. Em termos de planejamento, parece-me adequado para a Amazônia o trabalho que está sendo feito, mas envolve uma parceria com instituições internacionais na área da pesquisa da nossa floresta, da nossa biodiversidade como um todo. Isso me preocupa, sim, porque estão levando daqui muitos genomas, muitos fundamentos para, quem sabe, mais tarde, implementarem novas tecnologias, até para produção em massa, como fizeram com a produção da borracha na Malásia e em outros países.  

Então, tenho preocupação com isso. Entendo que os governadores brasileiros, preocupados em desenvolver novos produtos, novos medicamentos, novas ações nessa área da biodiversidade, deveriam procurar reduzir mais a abrangência com relação a parceiros internacionais e limitassem até a instituições nacionais em condições de realizar essas pesquisas.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Permite V. Exª um aparte?:  

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Concedo o aparte ao nobre Senador Jefferson Péres.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT-AM) - Ilustre Senador Sebastião Rocha, concordo com a quase totalidade do seu discurso, principalmente com a exaltação que V. Exª faz em favor da biodiversidade, e contra a biopirataria. Mas me preocupou uma passagem do seu discurso, que talvez não traduza exatamente o seu pensamento, mas que pode dar lugar a uma falsa interpretação: quando V. Exª investiu contra as entidades ambientalistas, generalizando-as. Pode ser que algumas entidades ambientalistas estrangeiras estejam a serviço de interesses escusos de grandes empresas, mas não é assim com a maioria, Senador Sebastião Rocha. Algumas, a maioria delas, se constituem de organizações respeitáveis, que enfrentam as grandes empresas nos seus próprios países. Elas têm uma sincera preocupação de defesa do meio ambiente e agem em escala internacional, tanto investem contra as empresas poluidoras nos Estados Unidos e na Europa como em defesa da Floresta Amazônica. É preciso reconhecer essas entidades que são sérias e que nos ajudam, são nossas aliadas, Senador Sebastião Rocha, como V. Exª deve saber. Portanto, quando generalizamos e atacamos essas entidades ambientalistas, como estando todas, ou a maioria, a serviço de empresas estrangeiras, nós é que podemos estar sendo ingênuos em defender, na verdade, interesses de empresas locais que querem depredar sim a Floresta Amazônica. Não se pode pensar em Amazônia, e V. Exª sabe muito bem, sem desenvolvimento sustentável. Não pode haver desenvolvimento com destruição da floresta. Eu já disse e repito: não troco um hectare de floresta por um hectare de pastagem ou de lavoura. Se o preço do "desenvolvimento" da Amazônia for a destruição da floresta, eu não o aceito. O Amazonas tem mais de 90% de suas florestas preservadas, graças a Deus e graças, principalmente, para as gerações futuras. Penso que temos, sim, Senador Sebastião Rocha, de defender o direito de nossas populações de melhorarem de vida. Mas não encaremos as entidades ambientalistas como nossos inimigas, elas são nossas aliadas, Senador. Desculpe-me o reparo.  

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Agradeço a V. Exª, Senador Jefferson Péres, pelo aparte. V. Exª sabe do respeito que tenho por V. Exª e o seu aparte me permite colocar as coisas nos seus devidos lugares e aceitar os reparos feitos por V. Exª, até porque não foi essa a minha intenção em nenhum momento do meu discurso. Pode estar nas entrelinhas do discurso, mas realmente não foi minha intenção atingir as entidades ambientalistas, por quem tenho também grande respeito e considero importantes na ajuda ao Brasil em preservar a floresta.  

Também comungo da idéia do desenvolvimento sustentável, Senador Jefferson Péres. Um dos meus primeiros discursos nesta Casa, ainda no ano de 1995, foi sobre a defesa do desenvolvimento sustentável, como uma política de desenvolvimento para a Amazônia.  

Preocupam-me alguns aspectos dessa questão que podem estar sendo utilizados de forma inadequada por governos que tenham interesse na internacionalização da Amazônia ou numa investida sobre a Amazônia.  

E é para este ponto que estou tentando chamar a atenção: para uma deturpação da questão ambiental, utilizando essas informações para efeitos estratégicos. Como se devasta demasiadamente a Região, dá-se o direito a outros países de intervir na Amazônia, com o que não concordo. É esse, então, o reparo que faço, colocando as coisas nos seus devidos lugares.  

Sr. Presidente, apesar de meu tempo estar esgotando, gostaria de pedir permissão a V. Exª para concluir o meu pronunciamento, já que faltam apenas duas páginas.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Pois não, Senador.  

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Muito obrigado.  

Falava eu da questão do narcotráfico, mas não pretendi cometer qualquer desrespeito às populações, aos povos que têm a sua autodeterminação e a sua independência. Quando mencionei os Estados Unidos e a Colômbia, referi-me a fatos concretos, sem querer de forma nenhuma influenciar ou desmerecer os povos desses países.  

Falava que alguns cartéis já constituem o poder e a autoridade de fato em parte de território da Colômbia. A elevadíssima lucratividade dessa indústria clandestina torna aceitáveis, para os que entram no negócio, os maiores riscos. O arsenal dos narcotraficantes é pesado e de primeira linha, superior, muitas vezes, ao de nossas Forças Armadas. Infelizmente essa também é uma prática que acontece muito em nosso País, embora não tenham tanto poder real ainda concentrado em suas mãos. Isso para não mencionar a rede de relações que essa gente estabelece com as populações locais, comprando seu silêncio e acobertamento.  

Uma outra questão que vem à tona quando se fala da Amazônia, e que trata de uma das maiores riquezas da região, é a da importância estratégica da água. Estudos realizados em todo o mundo apontam para a escassez progressivamente globalizada de água aproveitável para os diversos usos humanos, domésticos, agrários e industriais. A poluição dos rios, lagos e mananciais, sobretudo nos países de industrialização tardia, o assoreamento de rios e lagos, o uso mal planejado da água para irrigação, o desmatamento nas cabeceiras dos cursos d’água, todos esses fatores levarão o mundo a um quadro dramático de demanda por água boa para consumo.  

Alguns países europeus já apresentam, hoje, sérias dificuldades para obtenção de água: para não me alongar na questão das ilhas vulcânicas, como Malta, Chipre ou Córsega, que não têm rios, limito-me a mencionar o fato que um país dos mais desenvolvidos do continente - a Dinamarca - retira de poços profundos cem por cento da água que utiliza.  

Na África, não são somente os países do Sahel e do Saara que sofrem da escassez crônica de água mas também da África equatorial e do sul têm pouca água utilizável e a vêm empregando predatoriamente. Na Ásia, as poucas regiões outrora bem servidas - como o chamado Crescente Fértil - vêm tendo suas fontes salinizadas pelo uso excessivo e irracional em irrigação. Exemplos lamentáveis são os do rio Jordão, que vem se tornando mais salino pelo uso caótico que dele fazem as colônias israelenses na Cisjordânia, e o do mar de Aral, no Casaquistão, intensamente sangrado e salinizado para a irrigação das fazendas instaladas na área pelos soviéticos, que já tem seu desaparecimento definitivo dado como inevitável pelos especialistas.  

Num mesmo país, como acontece no Brasil, uma região com água abundante pode localizar-se ao lado de uma região com problema crônico de seca, como o Nordeste. Pois bem, Srs. Senadores, enquanto não estiver disponível uma tecnologia barata que permita o emprego do gelo das calotas polares para a obtenção de água para o consumo humano, a Amazônia continuará a ser a maior reserva de água doce do mundo, e terá, no próximo século, só por esse fato, relevância estratégica crescente.  

Ainda em nosso País, o estado de poluição de rios da Região Sudeste, como o Tietê e o Piracicaba, já passou de catastrófico. As denúncias de assoreamento por garimpeiros das cabeceiras do São Francisco acenam com a morte iminente do próprio "rio da integração nacional". A água, por banal e desimportante que nos pareça, é mais um fator a atrair a cobiça internacional sobre a Região Amazônica.  

E é essa Amazônia tão valiosa e invejada, essa Amazônia que custou o suor, o sangue e a vida de nossos antepassados e custa ainda o de tantos contemporâneos - como Chico Mendes ou os massacrados de Corumbiara e de Eldorado de Carajás -, que a Nação parece desprezar como se fora lixo ou como se seus habitantes não fossem compatriotas, titulares dos mesmos direitos dos outros brasileiros. Parecemos ver a Amazônia como lixo, pois não cuidamos de planejar nem de implementar para ela uma política consistente de desenvolvimento sustentável. E, aqui, Senador Jefferson Péres, confirmo a minha defesa em favor do desenvolvimento sustentável. Não cuidamos de levar a seu povo - indígenas incluídos - os mínimos requisitos da cidadania, como educação e saúde. Não cuidamos de orientar os assentados contra o uso de formas primitivas de manejo da terra, como a queimada, que devastou uma área enorme de Roraima no início de 1998.

 

Sr. Presidente, a Amazônia deve se uma prioridade estratégica para todos os brasileiros e não somente uma preocupação dos militares. Thomas Hobbes escreveu, no início do seu Leviatã, que, no estado de natureza, um homem só pode considerar seu aquilo que consegue segurar, enquanto consegue segurá-lo; nenhum direito tem quando um outro mais forte o toma dele. Não nos iludamos com noções românticas sobre o papel da ONU: a política internacional funciona segundo a "lei do mais forte". A Amazônia só será nossa enquanto formos capazes de assegurar sobre ela nossa soberania. Não conseguiremos fazê-lo, legando-a a segundo plano no quadro das prioridades nacionais.  

Ao concluir, quero dizer que esse meu discurso é um clamor por providências na área de infra-estrutura na Amazônia, como as nossas rodovias, hidrovias, a questão energética, e é também, mais uma vez, um "não" à privatização da Eletronorte.  

Muito obrigado.  

 

ma O 2


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1999 - Página 9788