Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS DESIGUALDADES REGIONAIS. SOLIDARIEDADE A GOVERNADORA ROSEANA SARNEY, QUE RECUSOU-SE A COMPARECER AO LANÇAMENTO DO PROGRAMA DA HABITAÇÃO POPULAR, NO PALACIO DO PLANALTO, EM FACE DO NÃO CONTEMPLAMENTO DO ESTADO DO MARANHÃO.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • ANALISE DAS DESIGUALDADES REGIONAIS. SOLIDARIEDADE A GOVERNADORA ROSEANA SARNEY, QUE RECUSOU-SE A COMPARECER AO LANÇAMENTO DO PROGRAMA DA HABITAÇÃO POPULAR, NO PALACIO DO PLANALTO, EM FACE DO NÃO CONTEMPLAMENTO DO ESTADO DO MARANHÃO.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Luiz Otavio, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1999 - Página 9805
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, TRATAMENTO, ESTADOS, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS.
  • SOLIDARIEDADE, ROSEANA SARNEY, GOVERNADOR, RECUSA, COMPARECIMENTO, LANÇAMENTO, PROGRAMA, HABITAÇÃO POPULAR, GOVERNO, FAVORECIMENTO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DISCRIMINAÇÃO, ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, INVERSÃO, ORDEM, PRIORIDADE, PROGRAMA, HABITAÇÃO POPULAR, ATENDIMENTO, ESTADOS, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POBREZA, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, certa vez, falando talvez mais como sociólogo do que como Presidente, disse que o Brasil não é um país subdesenvolvido, é um país injusto.

Um país que tem uma renda per capita da ordem de U$5 mil já poderia ter, talvez, erradicado a miséria - embora não a pobreza -, mas não é isso que se observa. O Brasil apresenta enormes desigualdades, Sr. Presidente: desigualdades inter-regionais, desigualdades de renda abismais e desigualdades, sobretudo, no tratamento que o poder público e a própria sociedade dispensam aos seus membros, dividindo-os entre cidadãos de primeira e segunda classe, ou melhor, entre aqueles que são, realmente, cidadãos e os demais, que são, apenas, subcidadãos ou não-cidadãos.

Mesmo quando o Governo acerta e anuncia programas e medidas que parecem caminhar no rumo certo, Sr. Presidente, comete erros enormes na implementação desses programas que apenas levam à perpetuação, senão ao agravamento das desigualdades.

Ainda ontem, o Governo Federal anunciou um programa de habitação popular com o qual serão despendidos R$ 3 bilhões na construção de moradias para a população de baixa renda. Corretíssimo, Sr. Presidente: nada melhor do que estimular a indústria de construção civil, em razão de seus impactos econômicos e sociais. A construção de casas gera na economia o que se chama de efeitos de encadeamento, porque é altamente absorvedora de insumos os mais variados. A construção de uma casa, por mais modesta que seja, implica compras de areia, barro, tijolo, cimento, vidro, ferro, madeira, material elétrico, material hidráulico, e tudo isso, Sr. Presidente, gera, por sua vez, a procura, o aumento da demanda de matérias-primas, gerando, portanto, uma reação em cadeia, que é benéfica para toda a economia.

O impacto social é óbvio, por se tratar de uma indústria que, por sua natureza, não se automatizou, é altamente empregadora de mão-de-obra. E mais, Sr. Presidente: é altamente empregadora de mão-de-obra não qualificada; é uma das poucas indústrias, hoje, que pode oferecer emprego em larga escala para o trabalhador sem nenhuma especialização, aquele que vai exercer a função de peão de obra, aberta até para os analfabetos. Isto sem falar que, ao se construir uma casa popular, está-se alojando uma família e melhorando as condições de habitação da população mais pobre.

Muito bem. O governo está certíssimo em lançar esse programa, mas o fez de maneira errada: as primeiras casas serão construídas no Rio de Janeiro e em São Paulo, exclusivamente, Sr. Presidente. De início, exclusivamente nessas duas cidades, o que provocou o protesto da Governadora Roseana Sarney - com a qual eu me solidarizo -, que manifestou sua indignação e se recusou a comparecer ao Palácio. Apesar dos apelos que lhe fizeram, ela não foi, porque não aceita a discriminação, Sr. Presidente.

Não importa a promessa de que o programa, gradativamente, chegará a todo o país. Pergunto: por que não se inverteu a ordem de prioridade, Sr. Presidente? Por que as primeiras construções não começaram exatamente pela regiões periféricas e mais pobres? Será porque o desemprego em São Paulo e no Rio de Janeiro gera manchete? Será porque o aumento de 0,5% no desemprego, ao mês, em São Paulo e no Rio de Janeiro, é notícia em todos os jornais e nas televisões? O desemprego em Manaus aumenta de forma desastrosa - o distrito industrial em Manaus empregava 80 mil, hoje está empregando menos de 40 mil - e não surge nenhuma nota, nem de rodapé, em qualquer jornal daqui. Será por saber disso que o governo deu prioridade a São Paulo e ao Rio de Janeiro?

E nós vamos nos conformar? Aceitar isso, Sr. Presidente? Portanto, louvo a coragem da Governadora do Maranhão. Será ela a única a se manifestar? Sem nenhum machismo: será que é preciso alguém que use saia para falar, quando há tantos governadores homens que ficaram calados, das Regiões Norte e Nordeste? Meus parabéns à Governadora Roseana Sarney.

Sr. Presidente, estou falando em injustiça, em desigualdade porque isso, evidentemente, agrava as desigualdades regionais, na medida em que as regiões mais pobres ficarão certamente em último lugar.

Mas a desigualdade não fica apenas nisso, Sr. Presidente. Ela é geral, em todos os campos. Parece que o tratamento injusto é um fator de ordem cultural, a impregnar toda a sociedade brasileira, quem sabe fruto da herança que deita raízes no começo de sua formação.

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Concedo-lhe o aparte, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (PSDB-RR) - Senador Jefferson Péres, com muita propriedade, V. Exª relata as notícias de que tomamos conhecimento nos últimos dias sobre o novo plano de habitação popular lançado no País. Segundo versões oficiais, inicialmente o programa beneficiaria apenas os Estados mais ricos da Federação. A Governadora Roseana Sarney e outros governadores protestaram contra essa medida. Gostaria de me juntar à voz de V. Exª, para efetivamente registrar que é inadmissível que os Estados mais pobres não tenham sido contemplados neste momento. Se o objetivo do programa, em primeiro lugar, é gerar empregos, é nos Estados mais pobres que estão as menores alternativas de emprego. Se se busca um componente social para melhorar a condição de vida da população, também nos Estados mais pobres é que estão as maiores dificuldades, a ponto de governos e prefeituras não terem condições de executar programas sociais ligados à habitação. Portanto, por todas as teses que o programa defende, se quisermos no mínimo preservar, e não agudizar, o desnível regional e os desníveis sociais neste País, ele deveria ter sido criado de forma proporcional a todos os Estados, e não concentrado, da forma que foi, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Portanto, somo minha voz à de V. Exª e à da Governadora Roseana Sarney, que, com muita coragem e muita propriedade, registrou seu protesto contra essa questão. Quero também apelar ao Presidente da República, ao Secretário de Política Urbana, Sérgio Cutolo, e aos diversos segmentos do Governo envolvidos nesta questão que revejam a destinação dos recursos e até os ampliem, para que todos os Estados, indistintamente de posição política de seus Governadores, sejam atendidos harmonicamente e da forma que merecem. Afinal, estamos tratando de questões graves da sociedade brasileira - o desemprego e a falta de habitação. Parabenizo V. Exª pelo registro.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Obrigado, Senador Romero Jucá. Devo dizer a V. Exª que o Secretário Sérgio Cutolo explicou que o programa seria estendido aos demais Estados, mas, ao ser perguntado, não soube precisar quando isso ocorreria. Portanto, Sr. Presidente, fica para as calendas.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Jefferson Péres, não pode haver apartheid no Brasil, pois com ele se agride a consciência dos brasileiros ou daqueles que se sentem discriminados com uma política lançada nesses termos. Quando se qualificam algumas regiões em detrimento de outras, vende-se uma idéia de separação, de discriminação. E isso não é bom. Os brasileiros que moram em Manaus, em Florianópolis, na fronteira com a Argentina ou em qualquer lugar deste Brasil têm sangue vermelho circulando em suas veias, do mesmo jeito daqueles que moram nas regiões contempladas pelo plano. Isso não é bom para o Governo, não é bom para ninguém. Em função dessa discriminação é que surgem as Margareths Tatchers do Brasil, como a Governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Isso revolta, isso não faz bem. Cansei. Todos cansam de dizer que o custo das grandes metrópoles para gerar empregos é bem mais alto do que o das menores comunidades do Brasil. E as grandes metrópoles já têm três problemas fundamentais de infra-estrutura, ou seja, saneamento básico, moradia e segurança. Quando se oferecem essas condições, incentiva-se o êxodo para essas metrópoles. O programa é um paliativo que arruína cada vez mais a situação. Vendo isso, os que são do Nordeste, da fronteira, do Centro-Oeste ou de outros lugares do Brasil pensam: “Vou encontrar casa em São Paulo, vou encontrar no Rio de Janeiro”. E vão para essas cidades, inchando-as e criando problemas maiores. Temos que atacar as causas. Vamos formar diques neste Brasil, fazendo com que a interiorização do desenvolvimento aconteça, levando as pessoas a permanecerem onde se encontram. Se uma vez houve os bandeirantes para desbravar nossa terras, abrindo estradas, hoje temos que buscar soluções para que as pessoas se mantenham nessas regiões antes desbravadas, evitando-se sua ida para as grandes cidades pelos mesmos caminhos abertos pelos antepassados. Com essas políticas governamentais, incentiva-se a centralização, sem dúvida alguma. O grito de revolta da Governadora do Maranhão repercute em todo o Brasil. Somos todos brasileiros, também contribuímos, também temos prazo para declarar o Imposto de Renda, cujo último dia de entrega é hoje! Esse grito ecoa em todos os lugares. “Se não for atendido, também pego minhas trouxas e vou para lá”. E se acumularão mais problemas de segurança, infra-estrutura, assaltos. Não sei por que não enxergam isso. Falar aqui não tem eco. E isso agride, ofende, isso não é possível. Penso que essa caminhada não é possível. A pessoa que mora não sei onde também tem o direito de se sentir bem em seu local de origem, e assim ela vai até incentivar a volta daqueles que foram para as metrópoles, aliviando-se os problemas desses lugares. De coração, cumprimento-lhe neste momento, Senador Jefferson Péres, pois sei que V. Exª representa não só o seu Estado, o Amazonas, mas esse grito ecoa no Sul, no meu Estado, Santa Catarina, no Pará, no Estado do Senador Luiz Otávio, que aqui se encontra, no Estado do Senador Romero Jucá, em todos os lugares, no Brasil inteiro - é a grande verdade. Os que não foram contemplados sentem-se vítimas do apartheid, sentem-se separados por um ato administrativo do Governo.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner. V. Exª tem razão. Às vezes nos sentimos vítimas de um apartheid, porque esse é um episódio entre muitos. Há poucos dias, quando o Governo prometia aos Governadores compensá-los pela chamada Lei Kandir, verificou-se que, dos 800 milhões que seriam redistribuídos aos Estados, 700 milhões iriam para o Estado de São Paulo e apenas 100 milhões para os demais Estados exportadores. Como se pode ser tão insensível? O Governo deveria agir com mais correção, se não por espírito de justiça, ao menos por inteligência, já que isso tem um retorno altamente negativo para o Governo.

O Sr. Luiz Otávio (PPB-PA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Ouço com prazer o Senador Luiz Otávio.

O Sr. Luiz Otávio (PPB-PA) - Senador Jefferson Péres, nesta manhã V. Exª aborda um assunto da maior importância para o nosso País, principalmente para os Estados e cidades que têm menos condições, não só econômico-financeiras, mas também políticas. Igualmente participei ontem da solenidade no Palácio do Planalto e fiquei muito satisfeito quando observei, da parte do Presidente da República, a preocupação com a moradia, com o incentivo à geração de emprego e de renda no País. Faço aqui uma observação que considerei muito importante naquele momento: vi muita preocupação com o lado técnico da proposta. Interessante! E quase todos os jornais de hoje abordam isso de uma forma ou de outra: a falta de coordenação política. O Presidente Fernando Henrique faz o mais difícil: consegue realmente estabelecer metas, revitalizar a nossa economia, estabelecer uma condição bastante razoável - diria até boa - no que se refere às taxas cambiais. Mantém-se tranqüilo, dentro dos holofotes das CPIs, permitindo, inclusive, que representantes do Governo, não só a Bancada do Governo, mas também homens da sua confiança, venham depor aqui no Senado Federal. Mas falta, realmente, conteúdo político. Com certeza, com relação à visão técnica, vê-se a falta de sensibilidade política no atendimento a essas demandas - e aí não quero aqui jogar todas as mágoas, as diferenças e até as dúvidas em cima do Secretário Nacional Sérgio Cutolo, que ontem foi até chamado de Ministro pelo próprio Presidente Fernando Henrique. Se olharmos apenas os números, os nossos Estados, as nossas cidades realmente têm a menor densidade não só populacional como política, mas também a capacidade econômica bastante menor do que os Estados maiores. Notei a preocupação do Presidente Fernando Henrique em dizer que esses recursos não serão repassados para os próximos governos, ou seja, que as dívidas ou as diferenças que fiquem nas prestações não serão repassadas e, ao término do contrato, quando se concluir a operação financeira, a casa, o bem, será quitado. Sua Excelência não usou o termo leasing, usou o termo aluguel, mas é, na verdade, um leasing imobiliário. Quando acabar de pagar o aluguel, a casa está quitada, porque não existem os custos financeiros. Mas aí eu diria: por que essa preocupação tão grande em dizer que não vamos deixar nada para o futuro? Ao contrário, aí é que falta a parte técnica. Se pudemos fazer do fluxo de caixa o seu desenvolvimento ao longo do tempo, eu acho que isso deve ser normal. Não tem por que se preocupar tanto com a condição de que não se pode deixar, como já se deixou de fazer neste País por uma questão apenas técnica. Está aí agora o próprio BNDES que dá uma demonstração de capacidade de enfrentar os desafios que tem na área financeira. E já o Banco Mundial, preocupado com o BNDES, quer refinanciar as dívidas de empresas nacionais que têm dívidas em dólar, alongando também o seu prazo em mais dois anos. Por quê? Porque também vem a diferença da discussão política com a discussão técnica. Penso que tínhamos de encontrar um consenso nessa questão. É mais importante mostrarmos o clamor e a necessidade que o povo brasileiro tem do que apenas mostrarmos a decisão dos aspectos técnicos.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Obrigado, Senador Luiz Otávio.

Eu acho que o Governo acerta em muitas coisas. A política macroeconômica do Governo é basicamente correta, levada com muita competência. E, pontualmente, o Governo adota medidas no campo social também. É inegável isso. Mas, a meu ver, falta ao Governo políticas públicas compensatórias, políticas bem articuladas e coordenadas. A construção de casas, eu já disse, é impactuante, positivamente, do ponto de vista econômico-social.

Mas, ao mesmo tempo em que o Governo faz isso, comete um erro no tratamento desigual das regiões econômicas, em detrimento das mais pobres. Não aceito, Senador Luiz Otávio, que Belém do Pará, Capital do Estado que V. Exª representa, e Manaus, Capital do meu Estado, cidades com mais de um milhão de habitantes, não sejam, de saída, contempladas ao menos com mil ou duas mil casas desse programa. Não há nada do Governo que justifique isso e é contra isso que eu me insurjo.

O Sr. Luiz Otávio (PPB-PA) - Permite-me V. Exª uma réplica?

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Pois não.

O Sr. Luiz Otávio (PPB-PA) - Digo a V. Exª que concordo plenamente com tudo aquilo que foi colocado nesta manhã, especificamente com relação a esse assunto. Mas volto, realmente, ao meu ponto de vista: é a condição política. Os nossos Estados e, principalmente, as nossas Bancadas Federais, não temos força política, uma coordenação, uma forma de nos posicionarmos, pois as dificuldades que temos - está aí o exemplo -, estão relacionadas a esse assunto que V. Exª aborda hoje com muita propriedade, Senador Jefferson Péres: o Ministro do Rio de Janeiro e o Secretário de São Paulo. Sempre é assim. Então, sem demérito nenhum para a condição da capital paulista e a do Estado de São Paulo, pelo potencial econômico que tem, e o próprio Rio de Janeiro, vê-se sempre que há essa diferença de tratamento. Tanto para a nossa Região, como para a Região Amazônica e para o Nordeste, os projetos são alocados, as prioridades só são dadas se, na verdade, houver uma contrapartida de benefícios ao Sul e ao Sudeste. Está aí o exemplo: a notícia que vem sendo colocada nacionalmente, o início da construção da Barragem, da Hidroelétrica de Belo Monte, em Altamira. Por quê? Ela vai gerar muito emprego, ela é necessária. Eu apóio, concordo e V. Exª, com certeza, também, só que isso será realizado pela necessidade da falta de energia no Sudeste e no Sul do País; exclusivamente por isso. A capacidade de geração de energia da Amazônia é vislumbrada por esses aspectos como, amanhã, também, nós, com certeza, estaremos exportando água potável. Por quê? Pelo motivo de não haver mais condições de se abastecer os grandes centros. Com certeza é isso. Sempre existe essa tendência.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador.

Mas como eu dizia, Sr. Presidente, o problema das desigualdades no Brasil é, também, um problema cultural que vem de longe e que se percebe em fatos rotineiros, do cotidiano. Dou um exemplo, Sr. Presidente: quando a residência do Sr. Chico Lopes foi vasculhada pelo Ministério Público, até o Presidente da República disse, no exterior, que aquilo era um arbítrio. Por quê? Porque o Sr. Chico Lopes é membro da elite do País e, no entanto, a busca foi rigorosamente dentro da lei, com ordem judicial feita pelo Ministério Público, uma vez que havia indícios de prática de irregularidades feitas por ele. No entanto, diariamente, milhares de lares brasileiros são invadidos e vasculhados pela polícia, até sem ordem judicial, e isso não provoca indignação. Mas quando se toca em alguém da elite provoca e por quê? Porque são cidadãos de primeira classe.

Querem ver outro episódio? O Ministro Chefe da Casa Civil viajou, há um mês, em viagem de lazer, num avião da FAB. Alegação: não havia nada que proibisse. No Regulamento da FAB não havia nenhuma proibição para que ele não fizesse isso e o Presidente da República disse também que os membros do Governo, infelizmente, ganham pouco. Ele ganha pouco e, por isso, pode usar um avião da FAB para ir com os seus familiares passar férias em Fernando de Noronha. E por que não para todos? Esses funcionários que estão aqui hoje, os Taquígrafos, por exemplo, ganham menos que o Chefe da Casa Civil da Presidência da República e por que não o avião da FAB levá-los para Caldas Novas, Sr. Presidente, que é mais perto? Gasta-se menos gasolina. Por que esses funcionários merecem menos que o Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República? Mas isso está até no subconsciente do Presidente da República. Porque é um alto funcionário do Governo, ele tem direito a usar um avião da Força Aérea Brasileira para uma viagem de lazer, o que deveria caracterizar improbidade administrativa. Não podemos usar bens públicos para nosso proveito e das nossas famílias. No entanto, isso acontece por que é um membro da cúpula do Governo.

Isso está impregnado em toda a sociedade que aceita esse tipo de acontecimento como legítimo, como aceita que, amanhã, o salário mínimo vá para R$137,00 ou R$140,00. Mas há quem entenda que membros do governo que percebem oito, dez mil reais, ganham pouco. Compara-se com o salário do Primeiro Mundo. Não se compara com os que estão na base da pirâmide. O salário mínimo ainda é pago a milhões de brasileiros, e serve de referência, inclusive, para os que trabalham no mercado informal. Amanhã, no Dia do Trabalho, vão receber isso. Como pode um trabalhador que ganha R$130,00 e vai passar a ganhar R$137,00, R$138,00, R$140,00, se conformar com isso, sabendo que no Paraguai o salário mínimo é maior, embora sua renda per capita seja quatro vezes menor que a nossa? Em nome do ajuste fiscal, a âncora do real não é mais a cambial, mas a salarial. É por isso que foram impostas contribuições confiscatórias aos servidores públicos.

Olha, Sr. Presidente, o Presidente da República tem razão. Este é um País injusto, mas Sua Excelência, em primeiro lugar, e todos nós temos que fazer o possível para que se torne cada vez menos injusto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1999 - Página 9805