Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO DOCUMENTO 'ANALISE DE CONJUNTURA', DA TRIGESIMA SETIMA ASSEMBLEIA ANUAL DA CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • COMENTARIOS AO DOCUMENTO 'ANALISE DE CONJUNTURA', DA TRIGESIMA SETIMA ASSEMBLEIA ANUAL DA CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/1999 - Página 10079
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, RESULTADO, CONGRESSO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, SUBORDINAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, POBREZA, AUMENTO, DESEMPREGO, VIOLENCIA, FOME, DOENÇA, ANALFABETISMO, BRASIL.
  • CONTESTAÇÃO, AVALIAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPOSSIBILIDADE, IGREJA, DISCUSSÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, CRITICA, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), PROGRAMA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ISENÇÃO, REDUÇÃO, CUSTO, CONTRATO, EMPRESA NACIONAL, DIVIDA, EXTERIOR, ESPECIFICAÇÃO, AQUISIÇÃO, EQUIPAMENTOS.
  • APRESENTAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, REQUERIMENTO, CONVOCAÇÃO, PRESIDENTE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ESCLARECIMENTOS, PROGRAMA, FINANCIAMENTO, EMPRESA.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há assuntos que, aparentemente, com o passar do tempo, perdem sua importância, porque deixam de fazer parte do noticiário do dia-a-dia, embora tenham grande profundidade em termos da conjuntura do nosso País e mereçam uma abordagem, ainda que esta pareça extemporânea e às vezes atrasada, em função da dificuldade que os Senadores hoje têm em conseguir espaço para se pronunciarem na Casa — o que não é positivo para a democracia interna do Senado Federal.  

Quero resgatar, portanto, Sr. Presidente, nesta oportunidade, uma polêmica recentemente estabelecida entre o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso e a CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Esta entidade realizou sua 37ª Assembléia Anual no Mosteiro de Itaici, Indaiatuba, reunindo 280 Bispos.  

A Assembléia, como sempre, concluiu com algum documento oficial, que, desta vez, foi denominado "Análise de Conjuntura". A abordagem e as críticas estabelecidas no documento certamente contrariaram setores do Governo, em especial o Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque a CNBB entendeu por bem criticar determinados aspectos do plano econômico e ações governamentais, como, por exemplo, o ganho exagerado de alguns bancos nessa virada do câmbio, nessa liberalização do câmbio.  

Além disso, o documento aponta que a política econômica do Governo é submissa ao FMI e que a globalização tem sido traduzida para os países pobres, emergentes, em desenvolvimento, como sinônimo de aprofundamento da pobreza, com o aumento do desemprego, da violência, da fome, das doenças e do próprio analfabetismo. O Presidente contestou publicamente a CNBB com a alegação, que me parece exagerada, de que da mesma forma como Sua Excelência não interfere nos dogmas da Igreja, a Igreja não deveria se envolver com assuntos dessa natureza, com críticas dessa natureza.  

Retomo essa discussão, esse debate para que se tente estabelecer, também aqui, uma verdade que precisa ser consagrada. Porque o Governo procura analisar os problemas do País apenas sob a sua ótica. Então, quando o Governo fala em globalização, em privatização, em mudança das regras trabalhistas, supressão de direitos adquiridos, o Governo encontra uma palavra-símbolo, que é a palavra modernização. E o Governo parece que não quer entender que a Igreja, ao longo do tempo, também vem se modernizando. E que essa modernização não apenas da Igreja, mas de todas as instituições sociais, eclesiásticas e políticas do nosso País, tem que ser entendida como um avanço também cultural, político, social.  

Por isso, quero, aqui desta tribuna, contestar essa avaliação do Governo de que a Igreja não pode discutir problemas políticos, que a Igreja não pode discutir questões sociais, que a Igreja não pode discutir problemas econômicos.  

Creio, portanto, que o Presidente perdeu uma grande oportunidade de ficar calado. No momento em que uma instituição qualquer apresenta reação a seu Governo, Sua Excelência deveria analisar os aspectos da profundidade com que as questões são tratadas. E a CNBB tratou as questões nessa assembléia com bastante profundidade, inclusive criticando a própria Oposição. E ninguém da Oposição levantou a voz para contestar ou para afirmar que a CNBB não teria capacidade ou não teria responsabilidade para tratar desses assuntos, a ponto de criticar a Oposição, quando a CNBB afirma, em seu documento, que a Oposição também não apresenta alternativas positivas para o País. Temos discordância com relação a essa afirmação, mas temos como válida a discussão, a análise, o debate e a apresentação de alternativas e sugestões pela CNBB.  

Nessa polêmica, tento encontrar algo de positivo. Onde está o positivo? Está na proposta de um pacto do Governo com a sociedade. Não aquele pacto tão desgastado de outras épocas - pactos econômicos, pactos sobre inflação, não é isso; mas um pacto que estabeleça uma agenda positiva para discutir os problemas sociais brasileiros.  

Hoje, temos uma grande predominância de debates sobre assuntos econômicos. Sabemos que os problemas sociais derivam dos problemas econômicos, mas é preciso que o Governo se debruce sobre assuntos de grande importância como os da área social, e a CNBB propõe que se estabeleça esse pacto, levando em consideração temas como o desemprego, o que é um consenso.  

Existe uma concordância plena de que hoje um dos maiores problemas do nosso País é o desemprego. Precisamos encontrar alternativas que minimizem essa chaga que se estabeleceu em nossa população.  

A violência, outra grande calamidade pública, já atinge várias cidades, vários Estados do nosso País, precisa ser tratada pelo nosso Governo com a responsabilidade que o assunto requer. Depois, a fome; a questão das doenças; do analfabetismo; habitação.  

O Governo começou a desenvolver políticas que possam, a médio prazo, reduzir o déficit habitacional no Brasil; mas essa ação ainda é muito tímida. Vou um pouco mais além. Na verdade, o Brasil precisa estabelecer um plano de metas sociais.  

No início de seu mandato, o Presidente Fernando Henrique Cardoso criou o chamado Plano Brasil em Ação. Apesar de ter sido reavaliado, esse Plano contempla praticamente apenas aspectos de infra-estrutura, grandes obras, necessárias, mas que foram inviabilizadas pela crise econômica que se abateu sobre o Brasil.  

Então, quem sabe, o Governo possa repensar e, ao invés de Programas como o Comunidade Solidária, estabelecer o Plano de Metas Brasil Solidário, em que não apenas se trabalharia com metas de inflação, como propõe agora a equipe econômica do Governo e também o Dr. Armínio Fraga. Desde que assumiu a Presidência do Banco Central, o Dr. Armínio Fraga tem demostrado que a sua política é estabelecer metas para a inflação - agora, parece-me que isso começa a evoluir com maior rapidez -, como uma forma de controlá-la e, assim, retomar o desenvolvimento do País.  

Entendo, também, que deveríamos ter metas claras. Um exemplo muito bem-sucedido é o Plano de Metas Chinês. Estive na China, em 1995, e pude observar de perto alguns avanços surpreendentes, do ponto de vista econômico e social. Naquele País, a meta prioritária era alimentar o povo; a segunda, vestir o povo - os chineses morrem, ainda hoje, em função do frio exagerado na região e porque não têm vestuário adequado -; terceira, garantir a habitação para o povo.  

Assim, esse documento da CNBB é uma proposta concreta que deve ser estudada pelo Senado, pela equipe econômica, por integrantes do Governo como um todo e por instituições interessadas na solução dos problemas sociais do País, buscando estabelecer metas com prazos determinados e ações, inclusive como a reforma agrária, que implica diretamente em habitação, em alimentação e em educação para a população da zona rural.  

Sr. Presidente, o que me trouxe à tribuna na tarde de hoje foi exatamente um tema que já tratei em outra sessão: a manchete da Folha de S. Paulo de quinta-feira, 29 de abril de 1999, " BIRD critica plano do BNDES para dívidas".  

Essa reportagem relata que o BNDES está propondo desenvolver um programa para isentar ou reduzir os custos de contratos que empresas brasileiras contraíram no exterior, sobretudo para aquisição de equipamentos. O programa foi criticado por uma instituição que tem sido uma aliada do Brasil na questão econômica, o BIRD, que declarou concretamente que, se acarretar desembolso para o Governo brasileiro, o programa será inadequado, até porque as empresas já estão conseguindo superar suas dificuldades.  

Costumo dizer que hoje o Governo é um grande salão de beleza especialista em mascarar informações e maquiar dados. Essa máscara, essa maquiagem que está sendo feita no plano econômico, mais uma vez remete a uma tranqüilidade aparente do povo brasileiro, que aparenta estar confiante do controle da inflação, da superação dos problemas. Em função disso, as empresas estão conseguindo resgatar os seus compromissos lá fora sem precisar que o BNDES comprometa parte do Tesouro Nacional ou de recursos próprios para o salvamento dessas empresas.  

O que acontece neste caso? Sessenta por cento das empresas são bancos – mais uma vez socorro para bancos – e o restante são grandes empresas. Se isso implicar em custos, nada mais coerente do que o documento da CNBB, que afirma textualmente ter este Governo uma grande preocupação em resolver o problema dos bancos, mas não ter mesma diligência quando se trata de resolver problemas de habitação, alimentação, emprego, educação e saúde.  

Por isso, por acreditar que existe uma certa conexão entre um tema e outro, vim à tribuna para dizer que, por causa desse programa do BNDES, estou apresentando à Comissão de Assuntos Econômicos um requerimento convocando o Presidente do BNDES para explicar melhor esse programa. Queremos saber concretamente se isso terá custo para o Brasil e, havendo custo, qual será?  

Tenho certeza de que a Comissão de Assuntos Econômicos irá aprovar o requerimento, para estabeleceremos então o debate com o Presidente do BNDES sobre aquilo que, penso, poderá ser a ponta de um novo escândalo nos órgãos públicos em nosso País. Não estou levantando falsas premissas nem falsas previsões, por isso optei por convocar o Presidente do BNDES para explicar esse novo programa.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Concedo o aparte ao eminente Senador Antonio Carlos Valadares.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Senador Sebastião Rocha, como sempre agiu V. Exª nesta Casa, o assunto abordado é da mais alta utilidade para todos nós que acompanhamos os trabalhos do Senado Federal e, mais do que atualizado, haja vista que V. Exª fala sobre a possibilidade de o Governo adotar metas administrativas visando à solução dos problemas sociais do Brasil. Lamentavelmente, o debate nacional está sendo invertido. Hoje, os problemas econômicos preponderam sobre os problemas sociais e assuntos como saúde pública, educação e habitação são relegados a um segundo plano em nome de uma tal estabilidade econômica que nunca chega. Só para exemplificar, hoje tivemos uma reunião das Bancadas de Sergipe e Alagoas, integrada por Senadores, Deputados Federais e Prefeitos Municipais que vieram a Brasília discutir, numa das salas de comissões cedidas pela Câmara dos Deputados para que Parlamentares e demais autoridades pudessem participar dessa reunião, a preparação de um documento para ser entregue ao Presidente da República. Nesse documento, os Prefeitos prevêem a adoção de medidas elementares de emergência para o atendimento de flagelados que já somam mais de 400 mil, só nos Estados de Alagoas e Sergipe, e que estão morrendo de fome, à mingua, inclusive com os salários das frentes produtivas atrasados desde o mês de fevereiro. Ora, é uma agenda particularizada, mas diz respeito à Região Nordeste, uma das mais pobres do Brasil. Os órgãos regionais de combate às secas, que trabalham pelo desenvolvimento econômico foram totalmente esvaziados - eu fui Governador. Eu, por exemplo, participei de muitas reuniões da Sudene quando fui Governador de Sergipe, e lá o debate sobre as questões regionais era intenso. Os recursos federais eram canalizados para os Estados e Municípios no intuito de apoiá-los. O Banco do Nordeste e outras instituições financeiras participavam também dessa discussão. Hoje, lamentavelmente, devido ao esvaziamento da Sudene, os recursos deixaram de ser canalizados. Atualmente, não há um comprometimento do Governo Federal para com as regiões mais pobres, o que é lamentável. V. Exª vem de uma região que poderia ser mais desenvolvida, um Estado novo em relação ao Estado de Sergipe, que precisa de impulso para sobreviver e se desenvolver mais ainda. Garanto que lá as discussões são quase que restritas, limitadas à sociedade local, porque o Governo Federal não estimula o debate em torno das questões sociais, econômicas e regionais. Ora, como podemos ter um País desenvolvido com as regiões empobrecendo cada vez mais? Com essas disparidades regionais? Com o desemprego campeando? E a prioridade ímpar é o capital para, segundo os propugnadores do plano governamental, alcançarmos a estabilidade econômica, que já entra no sexto ano, o equilíbrio da moeda, a valorização do real etc. Na realidade, Senador Sebastião Rocha, um plano como esse a que V. Exª se referiu, o plano chinês, é uma coisa simples. Para as coisas serem bem executadas não precisam ser complexas. Quanto mais complexas elas se apresentam ao povo, menos viável é a probabilidade de virem a acontecer. Para um país como o Brasil, que hoje está mergulhado no desemprego e na crise, claro que seria um grande plano de meta. V. Exª traz a lume um assunto, como disse, da maior atualidade. O Brasil precisa de um Governo que tenha projeto, que tenha objetivo, que tenha metas sociais bem claras, transparentes. No entanto, o que vemos é a prevalência do lucro dos bancos, 20 bilhões foram gastos para salvá-los. Salvando os bancos, dizia-se, haveria o equilíbrio do sistema financeiro, o capital externo seria atraído para novas empresas no Brasil. O que sabemos é que, para que elas se instalarem aqui, os Estados devem dar quase tudo, como aconteceu no Rio Grande do Sul. O mesmo ocorreu com o Brahma, uma empresa hoje nacional, que, para se instalar no Estado de Sergipe, o Governo teve de dispensá-la de impostos por 10 anos e, depois desse prazo, a empresa terá direito ao ressarcimento daquilo que pagou em relação aos equipamentos importados. Ao invés dos 3.600 empregos que prometeram, há somente 200 empregados, resultado do avanço da tecnologia usada. O Estado deu terreno, deu água, infra-estrutura e tudo o mais, lamentavelmente, os empregos não surgiram. É preciso discutir esses assuntos. Se o debate for na direção comentada por V. Exª, naturalmente os investimentos serão mais bem analisados e haverá benefício para as populações de todas as regiões do Brasil. Parabenizo V. Exª por esse pronunciamento. V. Exª conta com a minha total solidariedade.

 

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP) - Agradeço a V. Exª. Seu aparte muito contribuiu para o meu pronunciamento. Antes de encerrar, quero dizer que V. Exª me estimula a fazer uma confissão: estou extremamente entusiasmado com a idéia de que algo deve ser feito para a concepção de um plano de meta social para o Brasil. Já solicitei um estudo comparativo dos planos de metas de todos os governos brasileiros, desde João Goulart, o governo militar, o de Juscelino Kubitschek, o atual plano "Brasil em Ação", o plano de metas chinês, planos de outros países para que possamos fazer uma análise comparativa.  

Eu quero ser aliado de uma corrente defensora desse mesmo pensamento. Não me coloco na condição de coordenador. Creio que as pessoas que hoje fazem o Comunidade Solidária podem contribuir e muito para esse projeto. O entusiasmo que eu tenho hoje, se prosperar, com certeza, produzirá algo alternativo para o País. Entendo que o Senado – uma Casa com grandes técnicos e especialistas, quer sejam Parlamentares ou funcionários – pode coordenar esse processo. A proposta que estou analisando – obviamente, se tudo caminhar como penso – nos próximos dias, nos dará a oportunidade de apresentar ao Senado o chamamento não do FMI, não do BIRD, não do BID, mas, quem sabe, a Unesco, a Organização Mundial de Saúde, a FAO, a CNBB, instituições com grande prestígio nacional e internacional e que podem nos auxiliar a encontrar este caminho: o de estabelecer um plano de metas sociais para o Brasil. Antecipadamente, até mesmo poderia denominá-lo de Plano Brasil Solidário.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/1999 - Página 10079