Discurso no Senado Federal

PROTESTO CONTRA OS SIGNIFICATIVOS CORTES ORÇAMENTARIOS NA AREA SOCIAL. DENUNCIA DE DESVIO DO PROPOSITO DA OPERAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE CREDITO ENTRE O GOVERNO BRASILEIRO E O BID, NO VALOR DE 2,2 BILHÕES, PARA PAGAMENTO DE JUROS DA DIVIDA EXTERNA. (COMO LIDER)

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ORÇAMENTO. POLITICA SOCIAL.:
  • PROTESTO CONTRA OS SIGNIFICATIVOS CORTES ORÇAMENTARIOS NA AREA SOCIAL. DENUNCIA DE DESVIO DO PROPOSITO DA OPERAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE CREDITO ENTRE O GOVERNO BRASILEIRO E O BID, NO VALOR DE 2,2 BILHÕES, PARA PAGAMENTO DE JUROS DA DIVIDA EXTERNA. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/1999 - Página 12221
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ORÇAMENTO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, RECESSÃO, DESEMPREGO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, EMPOBRECIMENTO, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, CORTE, ORÇAMENTO, PARALISAÇÃO, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, AGRAVAÇÃO, CRISE, NATUREZA SOCIAL, AUMENTO, PROBLEMA, BENEFICIARIO, PROGRAMA ASSISTENCIAL.
  • DENUNCIA, OBJETIVO, CONTRATAÇÃO, EMPRESTIMO, GOVERNO BRASILEIRO, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA EXTERNA, ALEGAÇÕES, UTILIZAÇÃO, EMPRESTIMO EXTERNO, FINANCIAMENTO, POLITICA SOCIAL, PREJUIZO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, REFORMA AGRARIA, RENDA MINIMA.
  • SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, DISCURSO, ORADOR, TABELA, DEMONSTRAÇÃO, IRREGULARIDADE, PREVISÃO, RECURSOS, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, DESPESA, POLITICA SOCIAL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de mais nada, quero dizer que torço para que tudo o que foi hoje apontado aqui não passe realmente de uma brincadeira de mau gosto.  

Eu não quero discutir a questão da Sudam, mas creio que não se pode duvidar de absolutamente nada que venha da parte do Governo Fernando Henrique Cardoso. Desse Governo tudo é possível. E é tão possível, Sr. Presidente, que o assunto que me traz aqui é, talvez, tenha uma gravidade ainda maior do que os fatos publicados hoje no Diário Oficial da União. Trata-se também de uma verdadeira brincadeira que se faz com o Senado da República e com a Nação brasileira – a questão do empréstimo do BID de US$2,2 bilhões. Todavia, quero fazer considerações mais amplas a respeito do Governo Fernando Henrique e chegar a essa questão.  

Volto a ocupar a tribuna desta Casa para apresentar fatos e considerações quanto aos cortes orçamentários, num conjunto significativo de ações sociais recentemente promovidas pelo Governo, e cujos reflexos concretos sobre a sociedade brasileira, em particular as camadas mais pobres, são muito graves e demandam profunda reflexão de todos nós, Senadoras e Senadores.  

Após o primeiro biênio 1995/1996, em que o número de pobres decresceu no Brasil, este Governo iniciou um processo sistemático de redução dos gastos na área social que, ao lado de outros fatores, como o aumento do desemprego e a política de privilégio às instituições financeiras, redundou na reversão do processo com o aumento do percentual de pobres brasileiros nos anos de 1997 e de 1998. Para se ter uma idéia, 27,5% da população economicamente ativa – PEA ganha menos de R$65,00 por mês. É um enorme contingente de miseráveis, que vai sendo engrossado dia a dia, graças à malfadada política econômica do Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso.  

Dados obtidos em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA -, que é do Governo, mostram que a concentração de renda também cresceu, anulando os dados positivos antes anunciados. O balanço inexpressivo do primeiro mandato do Presidente Fernando Cardoso, em termos de redistribuição de renda e erradicação de miséria, é agora sucedido, neste início de Governo, por uma série de medidas que vão contribuir ainda mais para o agravamento da crise social em que já se encontra o País.  

Refiro-me, Sr. Presidente, aos cortes, já mencionados, que atingiram a maioria dos programas sociais do Governo, de forma bastante significativa, por conta de um ajuste fiscal acordado com o Fundo Monetário Internacional, organismo que representa os interesses dos países mais ricos e não se importa com os reflexos de suas avaliações e exigências econômicas no contexto social dos países mais pobres, que com ele negociam.  

Vale ressaltar que, nos Estados Unidos da América, a maior expressão entre os países ricos, tem-se anunciado sucessivos crescimentos de seu PIB e melhora da qualidade de vida de seu povo. Certamente, isso ocorre às custas das imposições feitas a países como o Brasil.  

Os cortes impostos pelo FMI ao Orçamento da União para o ano de 1999, além de praticamente paralisar todos os investimentos em infra-estrutura, freando o desenvolvimento do País e aumentando o desemprego, reservou para a área social cortes que ultrapassam a casa dos dois bilhões de reais, aumentando muito os problemas na vida dos beneficiários dos programas sociais e, o que é mais grave, atingindo fortemente os grupos de baixa renda, mais vulneráveis: as crianças, os deficientes, os idosos, os sem-teto, os sem-terra, enfim, uma massa populacional que representa algumas dezenas de milhões de brasileiros.  

Soma-se a isso, Srªs e Srs. Senadores, o fato de que a análise da execução orçamentária do primeiro trimestre deste ano - e quero chamar a atenção dos Srs. Senadores para este fato - revela que o Governo gastou apenas 16,5% do orçamento previsto (excluída a rolagem da dívida externa via emissão de títulos - porque isso o Governo cumpre religiosamente) numa clara política de contenção de gastos.  

A área social foi a mais atingida. A média de gastos no mesmo período ficou em 7% do total previsto. Os programas de reforma agrária, por exemplo, receberam no período apenas 6,61% do previsto no orçamento da União. Saneamento e habitação: esses, coitados, nem se fala, receberam insignificante 0,14%. Na sua totalidade os programas sociais receberam muito abaixo dos seus cronogramas de necessidade - que já são baixos.  

É óbvio, Sr. Presidente, que, com tamanha retenção de recursos, o Governo esteja obtendo surpreendente superávit noticiado nas primeiras páginas de jornais. Não se avalia o custo social e os prejuízos para a Nação dessa aventura econômica. Os próprios organismos internacionais, primeiros interessados nesse resultado, sugerem cautela e afirmam não haver motivo para tanta euforia.  

O "dinheiro no papel", representado pelas dotações não liberadas, aumenta os graves problemas sociais existentes. E o Governo Federal tem o dever de prestigiar o cumprimento do Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional, principalmente quando isso se reflete diretamente na qualidade de vida dos brasileiros.  

É preciso entender que relegar as políticas sociais a plano inferior é uma grande perversidade da política do mundo globalizado. O Governo FHC tem defendido essa política, a ela se submetido e até, por que não dizer, tem-na reverenciado. Porém, essa obsessão tem provocado, nos integrantes do Governo, especialmente na equipe econômica, uma espécie de perda de sensibilidade, que impede a percepção dos limites da ética, daquilo que é lícito e socialmente aceito. Saibam, Srs. Senadores, eles têm-se utilizado da miséria para justificar a captação de recursos, que, na verdade, serão utilizados para pagamento de juros da dívida e não para o combate da pobreza.  

Para falar sobre isso, eu gostaria de dedicar os próximos minutos. É esta a grave denúncia que trago a esta tribuna.  

O pacote negociado com o Fundo Monetário Internacional, que impôs ao Brasil a paralisação do crescimento e profunda recessão, garante, por outro lado, empréstimos da ordem de U$41 bilhões, numa composição de diferentes fontes, entre as quais U$9 bilhões do Banco Internacional para a Reconstrução do Desenvolvimento - BIRD e do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. A participação de ambas as instituições nesse grande empréstimo tem por objetivo propiciar medidas compensatórias aos efeitos da recessão, provocada pelas exigências do FMI, de gerar um superávit primário de 2,6% do PIB, em 1999. Pelo menos, é esse o discurso. Em março último, este Plenário aprovou um empréstimo do BID no valor de U$252 milhões e 520 mil.  

Como condicionante para os empréstimos, os bancos exigiram a manutenção e até um aumento de gastos com o social, materializando-se na seleção de 22 projetos e programas sociais intitulados Rede de Proteção Social para serem tratados como prioridade. Não se sabe muito bem quais foram os critérios para a seleção desses 22 programas. É incompreensível, por exemplo, que a reforma agrária não esteja incluída. Mas essa é uma discussão à parte.  

Os empréstimos viriam compensar os cortes promovidos pelo Governo na área social. É sabido, Srªs e Srs. Senadores, que 61% dos programas voltados à população de baixa renda sofreram cortes este ano em relação aos gastos de 1998. Ao todo, os cortes ultrapassam R$2 bilhões, como já disse. Essa redução, somada aos efeitos da recessão imposta para este ano e para os próximos, demandaria, então, a adoção de medidas que visassem a impedir o agravamento da pobreza em nosso País. Essas deveriam ser as razões para tais empréstimos.  

Mas, apesar do discurso do Governo, não é o que vem ocorrendo. Foi enviada ao Senado Federal mensagem do Executivo que solicita autorização para contratação de operação de crédito externo no valor de R$2,2 bilhões do BID, conforme Mensagem 98/99 em tramitação nesta Casa. Quando a analisamos, podemos perceber que, no detalhamento dos 22 projetos selecionados, o compromisso de gastos assumidos pelo Governo Federal não ultrapassa o aprovado no Orçamento Geral da União, ou seja, não ultrapassa os valores que contemplam os cortes impostos pelo acordo com o FMI.  

Lembram os Srs. Senadores que, logo após as eleições, o Governo enviou ao Congresso Nacional uma segunda proposta de Orçamento propondo significativos cortes em relação à primeira Mensagem enviada. Na verdade, a soma das metas assumidas com o BID é ainda menor do que os valores aprovados *para o Orçamento, nas rubricas dos programas da chamada Rede de Proteção Social. É, portanto, uma grande mentira a afirmação de que os empréstimos vêm compensar os cortes promovidos e os efeitos da recessão provocada pelo acordo com o FMI. É mentira que esse dinheiro esteja vindo para financiar o desenvolvimento e a redução da pobreza. Na realidade, esse dinheiro está predestinado a voltar para o mesmo lugar de onde vem, na forma de pagamento de juros da dívida. Tudo não passa de um jogo de cena para a opinião pública nacional e internacional, já que os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento - BID e BIRD - não poderiam emprestar para a finalidade que está sendo e será usado o dinheiro, ou seja, o pagamento de juros da dívida externa.  

Estamos vendo algo absolutamente falso tramitar no Senado da República: uma proposta de empréstimo do BID, no valor de US$2,2 bilhões, que oficialmente atenderia a 22 programas na área social. Porém, todos nós sabemos que essa quantia será utilizada para pagar juros e serviços da dívida externa.  

*Várias entidades nacionais vêm questionando tal aberração, tendo mesmo representado ao Ministério Público Federal. São elas: a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais; a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais; o Instituto de Estudos Sócio-Econômicos; o Fórum DCA; a Marcha Global contra o Trabalho Infantil; o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos. Somamos a eles a nossa indignação.

 

Não podemos admitir, Sr. Presidente, que se contraiam mais empréstimos em nome do financiamento de políticas sociais, utilizando os recursos para pagamento de juros de uma dívida que não tem fim. Isso está sendo feito em detrimento de programas estratégicos para o País, como o Programa de Reforma Agrária, que sofreu cortes de quase metade dos recursos inicialmente previstos. Está também sendo realizado em prejuízo do Programa de Renda Mínima, recentemente aprovado no Senado, que visava ao atendimento de famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo. O Orçamento inicialmente previsto para o programa era R$637 milhões. Na segunda versão, o valor baixou para R$100 milhões. Agora, após o comprometimento do Governo com o BIRD, baixou para R$54 milhões. A primeira pretensão era atender a um milhão e quatrocentas mil famílias. Agora, não atenderá, com certeza, a mais do que 50 mil famílias.  

Poderia citar vários outros importantes programas sociais e de desenvolvimento sacrificados. Não me vou alongar, pois o que já disse demonstra claramente que o nosso povo está pagando com a saúde, com a fome e com a própria vida o preço de uma política econômica que só traz atraso ao País.  

Finalizando este pronunciamento, chamo a atenção dos nobres Pares para o fato de que a Mensagem nº 98/99, que solicita autorização para a contratação de operação de crédito externo no valor equivalente a US$2,2 bilhões com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, tramita nesta Casa. Se houver a decisão da maioria dos membros do Senado, poderemos aprová-la, mas condicionando que os recursos sejam utilizados exclusivamente para financiar programas sociais destinados ao combate da pobreza , e não para o Governo fazer como fez com o dinheiro do SUS, com o dinheiro da CPMF, conhecido por "Imposto do Cheque". Quando criamos esse imposto, o Governo deveria acrescê-lo ao segmento da saúde no nosso País, e o que fez? Retirou o dinheiro do orçamento da saúde e colocou lá, no seu lugar, o dinheiro da CPMF cobrado dos brasileiros. Quer dizer, o que se está pretendendo fazer aqui agora é a mesma coisa, ou seja, o Governo recebe US$2,2 bilhões do BID e prevê gastos de US$11 bilhões na área social nesses 22 programas. Naturalmente, deixa de gastar essa quantia e pode até utilizar o dinheiro que vem do BID. O que nós, aqui no Senado da República, podemos condicionar no momento da aprovação desse projeto é que esses recursos venham efetivamente para atender às áreas sociais do nosso País, sendo acrescidos aos que já estão previstos no Orçamento da União. Essa é a nossa proposta.  

Esta discussão é pertinente, sobretudo depois que este Plenário aprovou na sessão de ontem o requerimento da Senadora Heloisa Helena, que garante apreciação dessa mensagem pela Comissão de Assuntos Sociais. Entendo que é papel desta Casa fiscalizar as ações do Executivo e estabelecer os limites e a utilização correta dos recursos.  

Quero anexar ao meu pronunciamento, Sr. Presidente, a tabela que demonstra que os recursos previstos no Orçamento da União para despesas na área social em 1999 é maior do que o que o Governo, na sua Mensagem n.º 98/99, apresentou ao Congresso Nacional como seu comprometimento ao BID. Se for isso, estaremos sendo ludibriados e ludibriando a sociedade brasileira.  

Não me surpreende, portanto, a notícia de fatos como ao que assistimos nesta tarde. Talvez, não sei ao certo, mas espero que assim não seja, o Governo pense que as pessoas estão apáticas e não estão lendo o que é publicado no Diário Oficial da União . O que estão querendo fazer com o Senado da República é mais grave do que se fossem as notícias publicadas do Diário Oficial da União hoje de que o Presidente da República, por meio da Sudam, estaria contratando Elba Ramalho para comemorar o seu aniversário por R$800 mil e o Pelé para dar palestrar por R$500 mil.  

De forma que é esse o alerta que deixo a esta Casa, esperando que, na tramitação desse projeto, consigamos reverter o que o Governo quer fazer e com que o dinheiro que venha do BIRD seja para atender às necessidades sociais da nossa população.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/1999 - Página 12221