Discurso no Senado Federal

REGISTRO DA REUNIÃO DA CUPULA DOS CHEFES DE GOVERNO DE PAISES DO MERCOSUL E DA COMUNIDADE EUROPEIA, A REALIZAR-SE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NO MES DE JULHO, PARA DISCUSSÃO DOS INTERESSES DE PARCERIA ENTRE OS DOIS BLOCOS ECONOMICOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR. POLITICA DE EMPREGO.:
  • REGISTRO DA REUNIÃO DA CUPULA DOS CHEFES DE GOVERNO DE PAISES DO MERCOSUL E DA COMUNIDADE EUROPEIA, A REALIZAR-SE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NO MES DE JULHO, PARA DISCUSSÃO DOS INTERESSES DE PARCERIA ENTRE OS DOIS BLOCOS ECONOMICOS.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/1999 - Página 15230
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR. POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • ANUNCIO, REUNIÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PRESIDENTE, CHEFE DE ESTADO, MEMBROS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), UNIÃO EUROPEIA, IMPORTANCIA, POSSIBILIDADE, AMPLIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR.
  • ANALISE, DIFICULDADE, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, MOTIVO, PROTECIONISMO, UNIÃO EUROPEIA, CONCORRENCIA DESLEAL, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • ANALISE, EXCESSO, PROTECIONISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNILATERALIDADE, DESCUMPRIMENTO, NORMAS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, AÇO, PRODUTO AGRICOLA, BRASIL.
  • DEFESA, REFORÇO, POLITICA EXTERNA, OBJETIVO, MELHORIA, COMERCIO EXTERIOR, UNIÃO EUROPEIA, PROTEÇÃO, EMPRESA, BRASIL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, INVESTIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, COMBATE, DESEMPREGO.
  • GRAVIDADE, DESEMPREGO, BRASIL, REGISTRO, INICIATIVA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), CRIAÇÃO, FRENTE DE TRABALHO, ZONA URBANA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias do mês de junho, deverá ocorrer, no Rio de Janeiro, uma reunião de cúpula entre Presidentes e Chefes de Governo dos países do Mercosul e da União Européia.  

Trata-se de um encontro ao qual atribuímos grande significado, uma vez que será possível testar pragmaticamente o interesse dos países da União Européia em estreitar o relacionamento com o Mercosul, não apenas cultural, que tradicionalmente tem presidido os contatos do Brasil com a França, Alemanha, Inglaterra e tantos outros que integram a União Européia, mas sobretudo o interesse desses países pelas trocas comerciais com os integrantes do Mercosul, enfim, dar um tratamento que permita o aumento das exportações para a União Européia. Aliás, relativamente à distribuição percentual das exportações brasileiras, entre a União Européia, os Estados Unidos, os países da América Latina e outros, o maior índice destina-se à União Européia.  

No entanto, temos enfrentado dificuldades muito grandes, principalmente no que diz respeito aos produtos agrícolas, uma vez que países como a França, que subsidiam fortemente a agricultura e têm nela um dos pilares da sua economia, tudo têm feito para impedir a entrada de nossos produtos em suas terras e no continente europeu, de uma maneira geral.  

A revista Veja desta semana traz, a propósito, uma entrevista com um ministro francês, em que ele diz claramente: "Todos somos protecionistas". Socorre-me aqui o Senador Jefferson Péres, afirmando que se trata justamente do Ministro do Exterior. E as notícias que circulam não só na imprensa mostram que parte da França a maior resistência para fazer com que essas barreiras sejam removidas. Então, aquilo que se prega tanto sobre a liberdade comercial, a fim de que o comércio seja regido exclusivamente pela competitividade, qualidade e preço, não ocorre exatamente assim.  

Recentemente, o Brasil teve que negociar uma alta contenção na exportação de chapas de aço para os Estados Unidos. Teremos de ficar restritos a uma quota que evidentemente é muito inferior àquilo que poderíamos obter, se o comércio fosse livre nos Estados Unidos. Exportamos a chapa de aço para aquele país e vamos importar os automóveis americanos, ou seja, estaremos beneficiando duplamente a economia americana.  

Na verdade, a desvalorização do Real nos daria a oportunidade de maior competitividade naquele mercado. Portanto, são dois pesos e duas medidas. Alguns americanos, os mais ortodoxos, defendem, realmente, o livre comércio, sem nenhuma restrição, como é o caso do Presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, que, no O Estado de S.Paulo de domingo, 3 de junho, dizia:  

"Lamento também que, apesar do notável sucesso durante quase meio século do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e de sua sucessora, a Organização Mundial do Comércio (OMC), na redução de barreiras comerciais, nossas leis e práticas de negociações comerciais sejam essencialmente antagônicas. Ela pressupõe que uma concessão comercial obtida de nós, por nossos parceiros de comércio, consiste numa vantagem para eles a nossa custa — e deve ser repelida.  

Poucos economistas vêem o mundo dessa forma e me adianto a sugerir que nós economistas estamos certos, pelo menos neste aspecto: o comércio não é um jogo de soma zero.  

Se ambas as partes baixarem suas barreiras, cada uma delas colherá benefícios. Mas, se uma das partes baixa suas barreiras e a outra, não, ainda assim o país que fez a baixa unilateralmente se sairá melhor. Levantar barreiras para obter igualdade protecionista com relutantes parceiros comerciais não beneficiará nenhuma das partes. O melhor dos mundos para a concorrência é aquele em que as duas partes baixam as barreiras comerciais. O pior, aquele em que ambas as mantêm erguidas."  

Ora, na prática, isso não se passa assim. Uns baixam suas barreiras, outros, não. Então, o velho princípio da reciprocidade poderia ser invocado nessas condições, porque há, evidentemente, um cerceamento de exportações de certos países, à custa de barreiras tarifárias ou de barreiras não-tarifárias, que são sempre invocadas para se encontrarem pretextos contra a penetração dos nossos produtos nesses países.  

O Governo brasileiro deve ter uma postura mais rigorosa em relação a isso. Creio até que essa notícia de criação de moeda única no Mercosul, decorrente de entendimentos entre o Presidente Fernando Henrique e o Presidente Carlos Menem, visa a sinalizar também a possibilidade de se formar um grande bloco na América do Sul, uma vez que esse bloco terá condições de negociar ou, pelo menos, de estabelecer relações com os Estados Unidos da América e com a União Européia, de maneira que possamos obter melhores condições para nossos produtos. Quer dizer, a hegemonia americana — devido à sua economia e poder — não beneficia os países em desenvolvimento ou os chamados países do terceiro mundo.  

Se a União Européia não perceber isso, não for capaz de superar suas dificuldades internas para estabelecer um relacionamento privilegiado com um país como o Brasil, certamente teremos muita dificuldade nas negociações que virão a seguir com a Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, e a nossa margem de manobra se reduzirá muito, porque não teremos como escolher outras opções.  

Assim, espero que possamos apressar esses entendimentos a serem realizados com a União Européia. Em princípio, contamos com a simpatia da Alemanha, mas parece que encontramos uma grande resistência francesa.  

É claro que o Brasil está fazendo a sua parte, diminuindo o tamanho do Estado, vendendo o patrimônio de empresas estatais, reduzindo o seu quadro de funcionários públicos, modernizando as suas instituições. No entanto, é um momento em que se chega à verdade: as regras do comércio são desfavoráveis a nós, mesmo quando temos mostrado capacidade de organizar-nos e de produzir com preços competitivos.  

Essa devoção absoluta e incondicional ao mercado e às regras do comércio internacional parece não encontrar uma defesa tão intransigente e sem restrição nem pelos americanos, nem pelos europeus.  

Ontem, por ocaso, também li uma matéria no jornal O Estado de S.Paulo sobre a criação de emprego no Japão. Quando se fala em criar emprego no Brasil, vem logo a idéia de que a economia faz esses ajustes naturalmente, ou seja, as empresas diminuem o número de funcionários, porque precisam produzir melhor, com um preço mais baixo. O Estado também reduz o número de trabalhadores e, conseqüentemente, em função de condições que dizem respeito à estrutura da organização da sociedade e até à conjuntura econômica em que se vive, há uma liberação muito grande de mão-de-obra, aumentando-se, assim, o desemprego.  

Lembro-me de que, quando era Deputado Federal, em uma dessas secas muito intensas que ocorrem no Nordeste vez por outra, fui recebido pelo então Presidente João Figueiredo. Levei a S. Exª a idéia de criar frentes urbanas de trabalho, ou seja, de recrutar desempregados nas cidades para realizar serviços e tarefas que são próprios do poder público. O Presidente reagiu com aquela sua conhecida intempestividade, considerando que a idéia estava absolutamente fora do contexto e que não havia razão para isso.  

Agora, infelizmente, vemos que os Governadores do Distrito Federal e do Estado de São Paulo, bem como o Prefeito da cidade de São Paulo começam a organizar essas frentes. Há uma quantidade enorme de pessoas desocupadas nas periferias das cidades e que passaram a ser recrutadas para realizarem algum serviço de interesse público, como manutenção de escolas, vias públicas, hospitais e assim por diante. E a imprensa noticia um grande contingente de pessoas a procurarem essas frentes, para, com isso, obter alguma renda, ganhar alguma coisa, uma vez que o desemprego é uma questão muito grave entre nós.  

Enquanto isso, vi aqui em O Estado de S. Paulo de sábado que o Japão investe US$4,2 bilhões para criar empregos. Diz o texto do jornal que:  

"A taxa de desemprego no Japão estava no nível recorde de 4.8% em abril. Dos 3,26 milhões de japoneses que estavam desempregados naquele mês, 1,15 milhão haviam sido demitidos.  

O programa pretende a criação de até 700 mil empregos por meio de contratações do Governo — o Japão, que é apresentado muitas vezes também como a pátria do capitalismo, da economia liberal —; elevação nos subsídios às companhias privadas, para que aumentem as contratações; e pelo incentivo à competitividade entre as indústrias domésticas."  

Uma pesquisa que, penso, foi divulgada nesse fim de semana mostrou que, salvo engano, 87% da população aceita que o Estado subsidie empresas, com o objetivo de manter ou aumentar o número de trabalhadores. Por aí se tem uma idéia de como a população está consciente, porque está sofrendo na carne, a respeito do problema do emprego e do desemprego.  

E continua o jornal:  

"O programa vai requerer cerca de 500 bilhões de ienes (US$4,2 bilhões) de orçamento suplementar no atual ano fiscal, cujo pedido, para ser encaminhado ao Parlamento, está sendo preparado pelo ministro das Finanças, Kiichi Miyazawa.  

Cerca de 300 vagas temporárias – para dois anos – devem ser oferecidas pelo setor público, para cargos de estagiários em computadores e de professores de língua estrangeira.  

As vagas serão financiadas por subsídios especiais endereçados aos governos regionais. O governo japonês vai subsidiar companhias de telecomunicações, de biotecnologia e do setor de ecologia, para que absorvam parte da mão-de-obra desempregada. Com a medida, espera-se a criação de 150 mil empregos.  

O governo vai tornar flexíveis as exigências para que as companhias recorram aos fundos especiais do governo, criados no ano passado. A competitividade deve ser incentivada por meio da revisão de leis comerciais, para facilitar operações de fusão e aquisição com transferências de ações.  

O governo propôs ainda criação de um sistema de troca de dívida, pelo qual os bancos deverão perdoar dívidas resultantes do fechamento de fábricas não utilizadas por companhias em troca de novas ações. Para isso, o governo permitirá que os bancos mantenham 5% das ações de outras companhias.

 

Um orçamento extra de "grande escala" ainda será necessário, além do investimento em empregos, antes do fim do ano, para manter a economia ativa, disse o líder do Partido Liberal Democrata (governista) Ichizo Ohara, que também é consultor econômico do primeiro-ministro, Keizo Obuchi.  

Com isso, Sr. Presidente, apenas quero dizer que essa cantilena do desemprego tem que produzir algum resultado, como o de, por exemplo, sensibilizar governos. Essas frentes criadas em São Paulo, em minha opinião, são o sinal de uma situação muito grave. De qualquer sorte, significam que algum governante está sendo tocado pelo problema do desemprego, o que não tem nada a ver com o fato de o Brasil querer modernizar-se, de querer competir no comércio internacional, de querer exportar mais e manter a estabilidade da economia.  

Desejamos que as áreas do Governo que cuidam desses assuntos, inclusive do comércio exterior, sejam mais agressivas, inclusive politicamente. Na verdade, muitas vezes somos retaliados. Podemos retaliar também na medida em que possuímos grandes empresas sediadas no Brasil, que representa grande investimento. Algumas destas têm, fora de sua matriz, seu maior negócio.  

Há algum tempo, em problema semelhante, o governo mexicano tomou medidas de retaliação contra a França no plano comercial. Afinal de contas, trata-se de um jogo muito pesado, muito duro. Quem não tiver condições de afirmar seus interesses e mobilizar esforços para aumentar sua participação no conjunto da economia certamente ficará para trás. Esperamos que as gestões diplomáticas e políticas do Brasil e a sensibilidade dos países membros da União Européia nos levem a decisões mais alvissareiras na cúpula que vai realizar-se no Rio de Janeiro agora no mês de junho. Que os países membros da União Européia. estejam sensíveis a essas reivindicações do países do Mercosul que desejam ampliar a sua participação nos intercâmbios e trocas comerciais entre estes dois blocos.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/1999 - Página 15230