Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEPOIMENTO DO SR. JOÃO BATISTA CAMPELO NA REUNIÃO CONJUNTA DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA E A COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CAMARA DOS DEPUTADOS, NESTA MANHÃ. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEPOIMENTO DO SR. JOÃO BATISTA CAMPELO NA REUNIÃO CONJUNTA DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA E A COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CAMARA DOS DEPUTADOS, NESTA MANHÃ. (COMO LIDER)
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1999 - Página 15592
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, OCORRENCIA, PRONUNCIAMENTO, JOÃO BATISTA CAMPELO, DIRETOR GERAL, POLICIA FEDERAL, ESCLARECIMENTOS, SUSPEIÇÃO, RESPONSABILIDADE, TORTURA, PESSOAS, INQUERITO POLICIAL, PERIODO, DITADURA.
  • SOLICITAÇÃO, PARTIDO POLITICO, BASE, APOIO, GOVERNO FEDERAL, EXAME, REPUTAÇÃO, PESSOAS, INDICAÇÃO, CARGO DE CONFIANÇA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Quero registrar, Senadora Marluce Pinto, que ainda está ocorrendo, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a audiência pública em que está sendo ouvido o Sr. João Batista Campelo, indicado ao cargo de Diretor da Polícia Federal. Além dos Srs. Deputados e vários Senadores, ali compareceram o Senador Eduardo Suplicy, a Senadora Heloisa Helena, o Senador Roberto Requião e eu.  

Infelizmente, boa parte das perguntas feitas pelos Srs. Deputados e Senadores não foram respondidas pelo Dr. João Batista Campelo. Considero que ele teve uma oportunidade ímpar de esclarecer a sociedade brasileira, com sua própria boca, se realmente tem ou não envolvimento em caso de tortura. Em muitas oportunidades que lhe foram dadas, ele, infelizmente, preferiu não responder as perguntas a ele dirigidas, muito relevantes, pelos Senadores Eduardo Suplicy e Heloisa Helena e pelos Deputados Nilmário Miranda e Marcos Rolim. Foram ocasiões em que o Dr. João Batista Campelo poderia ter esclarecido a opinião pública brasileira se realmente aquele que o Presidente da República indicou para a Polícia Federal é ou não responsável por tortura de pessoas em inquéritos policiais durante o período da ditadura militar.  

Conversando há pouco com o nosso assessor da Liderança, o Dr. Thales, ele me dizia que existe uma série de denúncias que estão sendo realizadas, mas existem algumas que poderiam ser consideradas irrefutáveis, porque estão nos Autos. E, segundo ele, em advocacia, usa-se muito o jargão de que o que não está nos autos não existe na história. Mas algumas peças comprobatórias dos atos de tortura dirigidos pelo Dr. João Batista Campelo estão nos autos do Processo Penal Militar que foi instaurado na década de 70, no qual ele figura como participante de um processo de inquirição de testemunhas, que, sob ameaça, constrangimento e uma série de procedimentos típicos da prática de tortura, foram obrigados a assinar um depoimento, que depois a própria Justiça Militar - presidida por um oficial militar e composta de um juiz togado e mais dois oficiais militares - foi obrigada a desqualificar o testemunho por compreender ter sido feito em condições de constrangimento e de tortura.  

O Dr. Campelo, portanto, até tem razão quando se recusa a responder determinadas perguntas, visto que, contra provas, não há argumentos. No caso dele, o melhor era permanecer calado, porque talvez não consiga responder; naquela época, durante o período da ditadura militar, em que os réus foram considerados inocentes, ele era obrigado a recorrer e a encaminhar o processo para que fosse ouvida ainda uma instância superior. Mesmo assim procedendo, diz o seguinte:  

Apresentei alegações finais, fazendo uma síntese geral das provas colhidas durante a instrução criminal produzida em juízo, opinando, afinal, pela absolvição dos acusados face à precariedade de provas que justificassem a condenação dos mesmos.  

Assim sendo, entendo, data venia , que seria ocioso repetir em outras palavras a exposição já feita.  

Ele diz que todo o processo deve ser considerado nulo, manifestando sua opinião pela absolvição, mesmo encaminhando o processo para que seja feita nova oitiva. Ao fazê-lo, ou seja, ao encaminhar para uma nova oitiva, diz não ser necessário que a mesma ocorra, que está fazendo isso apenas por dever de ofício. Por que? Porque ficou claro que as testemunhas fizeram as acusações sob condições que não eram normais.  

Com a intervenção muito oportuna do Deputado Marcos Rolim, caiu em contradição o Dr. João Batista Campelo, afirmando que o Padre deu o seu depoimento de livre e espontânea vontade. Foi interessante a tese levantada pelo Deputado Marcos Rolim sobre como o Delegado teria conseguido essa mágica, qual seja, a de fazer com que uma pessoa, envolvida com uma organização clandestina, num interrogatório, assumisse, sem sofrer nenhuma pressão, que fazia parte da mesma, portanto, se auto-incriminando. Ainda mais, afirmando que, dentro da dita organização clandestina, havia uma divisão entre dois de seus dirigentes máximos, ou seja, fazendo uma delação.  

Ora, Sr. Presidente, para quem conhece a estrutura, a organização, o compromisso ético e ideológico que as pessoas tinham quando participavam desse tipo de movimento, é inconcebível que alguém vá lá e assuma, tranqüilamente, que faz parte de uma organização e, ainda mais, que pratique atos de delação em relação aos seus companheiros. Quem conhece essa lógica sabe que as pessoas apenas assim procederiam sob tortura. E é isto que está vindo a público hoje.  

Quando o Dr. Campelo afirma que nunca participou de nenhum inquérito, de nenhuma acusação por crime de tortura, afirma algo que é óbvio, porque esse fato só passou a ser tipificado como crime há cerca de dois. Na época da ditadura, não era crime; era, isto sim, uma prática normal; era assim que eles arrancavam as confissões, algumas verdadeiras; porém, ilegítimas por serem feitas sob tortura. Obtinham até confissões de pessoas que, não tendo mais como se negar a depor dada a crueldade a que se viam submetidas, confessavam mesmo aquilo que não praticaram.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - V. Exª me concede um aparte, minha Líder Marina Silva?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte, com muito prazer, à Senadora Heloisa Helena, que inclusive conhece o padre e disse, em depoimento emocionado àquela Comissão, que tem toda a confiança no depoimento que ele está prestando neste momento; e por conhecer seu compromisso ético e moral, sabe que ele jamais faria isso com qualquer outro fim que não o da justiça.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Quero saudar V. Exª pelo pronunciamento que faz e dizer que não gostaríamos de estar vivenciando esta situação. Certamente, nenhum de nós – e creio que nem mesmo alguns representantes da própria base de sustentação do Governo – gostaria de estar vivenciando uma situação como esta, porque não se trata apenas de pressupostos ideológicos. Neste debate, não se colocam em jogo pressupostos ideológicos; não está em jogo também disputa de base de Governo ou disputa interna na própria Polícia Federal. Que isso existe, existe; mas o que está sendo colocado hoje é algo que o Senado, infelizmente, não teve a oportunidade de fazer na sua Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Para nós Senadores participarmos deste debate, Srª Presidente, tivemos que ir à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, onde alguns Deputados Federais, certamente num estado psicológico que desconheço, não queriam sequer deixar que falássemos naquela oportunidade. Mas a Comissão, pela sua maioria, permitiu aos Senadores fazerem uso da palavra, até porque a reunião de hoje era conjunta. Assim, a Comissão de Direitos Humanos convidou oficialmente os membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado para se fazerem presentes à reunião. Contudo, não se trata apenas de boas declarações, de confrontos de palavras ou de acusações; não é isso. A Senadora Marina Silva disse muito claro: são dados muito objetivos a respeito de algo que eu desejaria que o Presidente da República resolvesse o mais rápido possível. O que está em jogo não é a confiança que tenho no Padre José Antônio, porque isso ninguém vai arrancar de mim, pessoa que conheço há quase 20 anos e sei da sua dignidade, da sua honestidade; sei que é homem humilde, um servidor público, uma pessoa trabalhadora. Isso não está em questionamento. O fato é que existe um laudo oficial. Não estou falando do laudo entregue pela CNBB, com a assinatura de 15 bispos da Região Nordeste, visto que estes, bem como os outros padres estiveram presentes, como o ex-Padre José Antonio, e testemunharam sua situação extremamente deplorável, tendo sofrido lesões corporais tipicamente causadas pela tortura no pau-de-arara. Existe, assim, um laudo oficial, além de outros testemunhos já dados. Efetivamente, existe o que a Senadora Marina Silva asseverou: uma sentença do Conselho Permanente de Justiça do Exército; sentença esta que, por unanimidade, assume que os testemunhos foram obtidos por meio de coação física e moral. Não fomos nós que o dissemos, mas uma sentença. Outras questões foram levantadas, inclusive pelo próprio documento assinado pelo delegado da Polícia Federal, Dr. João Batista Campelo. No documento, assinado por ele à época, mais precisamente em 14 de agosto, ele claramente caracteriza os padres como "elementos envolvidos em atividades subversivas". Os documentos recolhidos eram o Debate, a Unidade, o Desafio da Igreja , a Tortura de Frei Tito , Nota do Sindicato dos Camponeses , durante o interrogatório. Tudo isso está assinado pelo Delegado João Batista Campelo. Não se trata, pois, de invenções nossas, da Igreja ou de quem quer que seja. Há que se destacar a forma como João Batista Campelo se dirige aos padres e às pessoas da Ação Popular – AP. Da Ação Popular, inclusive, que era uma organização clandestina, participaram o ex-Ministro Sérgio Motta e o Ministro José Serra. Dizia-se, inclusive, que os padres estavam fazendo o aliciamento de camponeses, incitando-os a invadir terras. Então, Senadora, não são pressupostos ideológicos que estão em jogo, nem nossos bons propósitos ou a estrutura do Governo oficial na ditadura; o que está sendo colocado são os requisitos necessários para que uma pessoa chefie um aparelho tão complexo, extremamente complexo, importante, mas extremamente complexo, como é a Polícia Federal, não pode efetivamente ser comandado por um ex-torturador, diante de dados objetivos. Não estamos discutindo, como bem disse nossa companheira e Líder, Senadora Marina Silva, pressupostos ideológicos; temos os nossos, a ditadura, os dela. O problema é que os dados são extremamente objetivos. Mais uma vez, solicito a todos que fazem parte da base de sustentação do Governo que, por favor, mais essa mácula na estrutura do Governo Federal, não, porque esta mácula, o crime da tortura, ninguém pode aceitar. Parabenizo V. Ex.ª e volto a solicitar a todos que compõem a base do Governo que, por favor, intervenham junto à estrutura do Governo Federal para que este senhor torturador não possa conduzir os destinos da Polícia Federal.

 

A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT–AC) - Agradeço o aparte de V. Ex.ª, Senadora Heloisa Helena. Sei que a indignação que V. Ex.ª manifesta com esse episódio é pela justiça, que é o que clama a sociedade brasileira.  

Acho que o importante de verificarmos nesse episódio da absolvição feita em relação às testemunhas, pelo Conselho Permanente de Justiça - e, quero repetir, um Conselho que era composto por um juiz togado, um oficial como presidente e mais dois oficiais, na época da ditadura, na época em que era considerada legal a prática da tortura para arrancar confissão, considerada legal por aquela situação, por aquele status quo de direito instituído pela ditadura -, é que eles foram inocentados porque as testemunhas conseguiram comprovar que deram o seu testemunho, acusando o padre, sob tortura. É isso o que está nos autos. Isso aqui não é invenção da Oposição, que não respeita as autoridades; isso aqui não é invenção da Oposição, que perdeu a generosidade. É que não tem que ser generoso com torturadores. Não é uma questão de generosidade, mas de justiça. A generosidade não pode ser usada para absolver aqueles que praticam atrocidades.  

Ouvi o Sr. Campelo dizer que, como professor na Academia Militar, ensinava direitos humanos. É claro que deve ter feito isso na época em que os direitos humanos passaram a ser respeitados pela democracia, a qual S. Sª, não respeitando os direitos humanos, maculou, colhendo depoimentos sob tortura. Se a ação foi direta ou indireta, não importa. Se ele presidiu o inquérito, ele é responsável por aqueles que fizeram a tortura. Não importa se eu, na condição de mandatária, faço ou não diretamente a operação. O importante é que tenho autoridade para dizer aos meus subalternos o que devem e o que não devem fazer. E, se fazem aquilo que não devem sem que eu não tenha ordenado, têm que responder por aquilo. E, pelo que consta, não houve nenhum tipo de punição, a mando do Dr. Campelo, para aqueles policiais comandados por eles que praticaram o crime da tortura.  

Avalio de suma importância que as instituições brasileiras, que a Polícia Federal não tenha essa mácula, principalmente em um posto importante como é o de seu dirigente maior.  

Acredito – e quero repetir aqui – que o que está acontecendo neste Pais é algo muito grave. Não são episódios isolados; é uma seqüência de fatos - é a indicação do Chico Lopes, é a indicação, agora, do Dr. João Batista Campelo e é, também, a indicação do juiz para o Supremo Tribunal Federal. É algo que considero uma mácula para as instituições brasileiras.  

Essa não é uma abordagem puramente moralista. Isso tem a ver com democracia, com respeito ao Estado de Direito, com respeito à Constituição de 1988, que aboliu de uma vez por toda essa mácula e essa pesada carga da época da ditadura militar.  

Agora, não sei como pode se sentir o Senador José Serra e como se sentiria, se fosse vivo, o ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta, sabendo que aqueles que torturaram seus companheiros, que pertenciam à mesma organização que eles, são premiados neste Governo com cargos importantes para dirigir a Polícia Federal.  

Não é uma abordagem política, é uma abordagem do ponto de vista dos fatos, que não são denúncias vazias. Estão nos Autos. Foi a própria Justiça Militar que chegou a essa conclusão. O que falta mais?  

É feita a indicação, a nomeação, e depois se diz que se vai investigar algo que já está peremptoriamente provado pelos Autos. Como pode ser isso, Sr.ª Presidente?  

É por isso que faço um apelo à base de sustentação do Governo no sentido de que verifique o que está acontecendo, porque o que está acontecendo é muito grave. Ou as informações estão chegando completamente deturpadas à Presidência da República ou a briga que se institui pelo Poder, pela nomeação dos cargos, o tempo gasto na nomeação desses cargos está levando a uma situação de que aquele que pode mais, aquele que pressiona mais indica quem quer que seja para ocupar as funções públicas.  

Não há nenhum problema em que as indicações políticas sejam feitas dentro do Governo. São Partidos que compõem a base do Governo. Mas, nesse leque de indicação – pelo amor de Deus! –, que pelo menos sejam feitas indicações de pessoas que não tenham em sua vida pública esse tipo de mácula.  

Do ponto de vista político e daquilo que está sendo apresentado como provas por aqueles que estão contestando a indicação do Dr. Campelo, o Presidente da República tem mais do que motivos, mais do que elementos para fazer, digamos assim, uma reconsideração da postura que assumiu ao indicá-lo para a Polícia Federal.  

Para o bem da Polícia Federal, Instituição tão importante na minha região e que hoje está pagando um preço muito alto, de não ter estrutura para trabalhar, de não ter condições de efetivo suficiente para enfrentar os graves problemas - um deles, posso citar, o narcotráfico em várias regiões deste País -, essa Polícia Federal, no momento em que está vivendo essa situação de crise, não pode carregar mais um peso, que é o peso da desmoralização pública pelos fatos que estão sendo agora apresentados à sociedade brasileira.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1999 - Página 15592