Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A 'GUERRA FISCAL' ENTRE OS ESTADOS FEDERADOS.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A 'GUERRA FISCAL' ENTRE OS ESTADOS FEDERADOS.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho, Lúdio Coelho, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1999 - Página 15521
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, INCONSTITUCIONALIDADE, LEI ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DISCRIMINAÇÃO, TRIBUTAÇÃO, EMPRESA, AQUISIÇÃO, PRODUTO, ESTADOS, COMPENSAÇÃO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, BENEFICIO, INSTALAÇÃO, INDUSTRIA AUTOMOTIVA, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • CRITICA, OPOSIÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SINDICATO, DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL, REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, RECEBIMENTO, INCENTIVO FISCAL, POLITICA CAMBIAL, FAVORECIMENTO, INDUSTRIALIZAÇÃO, REGIÃO SUDESTE.
  • COMENTARIO, EXCESSO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, BRASIL.
  • COMENTARIO, DISCRIMINAÇÃO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE, ESPECIFICAÇÃO, INEXATIDÃO, INFORMAÇÃO, RENUNCIA, NATUREZA FISCAL, ZONA FRANCA, MUNICIPIO, MANAUS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM).

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governador Mário Covas acabou de jogar um tambor de gasolina à fogueira da guerra fiscal ao sancionar a Lei do Simples em seu Estado, que obriga as empresas beneficiadas a efetuarem no máximo 20% das compras fora de São Paulo.  

De constitucionalidade duvidosa, porque viola a vedação constitucional que impede a discriminação tributária em função da origem e do destino dos produtos, e também porque atinge frontalmente, no meu entender, o pacto federativo, a medida do Governador, equivocadamente, me parece, decorre de uma vindita, uma represália à instalação da Ford na Bahia, beneficiando-se de incentivos fiscais.  

Ora, Sr. Presidente, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, elaborou o conceito de "romance das origens" para designar a tendência de muitos indivíduos a enganar a si próprios e aos outros, reconstruindo seletivamente seu passado com tintas atraentes, nobres ou mesmo heróicas, e recalcando a memória de fatos desagradáveis, incidentes embaraçosos, capazes de pôr em xeque essa auto-imagem ilusória.  

Transposto do plano individual para a arena ampla da sociedade, esse mesmo mecanismo alimenta a manufatura dos grandes mitos históricos e culturais: a idade de ouro, o herói sem mácula e assim por diante.  

Essas reflexões me vêm a propósito da recente celeuma provocada pela concessão de incentivos fiscais para a instalação da Ford na Bahia.  

O mal-estar causado pela notícia de que o Governo Federal pretendia beneficiar a montadora americana com isenções de até R$700 milhões (e também pelo boato de fechamento de sua velha unidade do bairro paulistano do Ipiranga, que eliminaria 1.450 empregos) acabou por traduzir-se em uma estridente aliança de forças políticas e sindicais paulistas. As pressões desse lobby, capitaneado pelo Governador Mário Covas e pela Força Sindical, com ativa colaboração da mídia do Estado, obrigaram o Presidente da República a redimensionar a proposta original numa perspectiva mais modesta. Por ela, a Ford terá uma isenção de cerca de R$180 milhões, ou 20% do esperado.  

"Guerra fiscal" é o estigma brandido pelas elites governamentais, empresariais, pela aristocracia operária e pelos formadores de opinião do mais rico Estado do Brasil, para expor e condenar "o pecado" dos parceiros periféricos de nossa desequilibrada Federação que hoje ousam enveredar pelo caminho da industrialização, lançando mão dos mesmos recursos e mecanismos utilizados por São Paulo em um passado não muito distante.  

À semelhança dos pacientes do Dr. Freud, esse segmentos querem esquecer - e nos fazer esquecer - o "pecado original" representado pelos generosos incentivos, não apenas fiscais, mas também cambiais e creditícios que possibilitaram a implantação das montadoras de veículos e das indústrias de autopeças da Grande São Paulo e no ABC paulista durante os "anos dourados" do desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, na segunda metade da década de 50.  

Não obstante, depoimentos memorialísticos de autoridades e de técnicos que participaram daquele heróico momento da história econômica brasileira, tais como o Ministro da Fazenda Lucas Lopes e o então Presidente do BNDE, Roberto Campos, são unânimes em apontar o caráter emblemático que o Governo JK atribuía à indústria automobilística como símbolo do ingresso no País na modernidade tecnológica. Da parte daquele Governo, nenhum esforço ou recurso foi poupado para a consecução desse objetivo, sem sombra de dúvida o item mais fulgurante do seu ambicioso Plano de Metas.  

Na verdade, o envolvimento governamental na atração das multinacionais automotivas que se instalariam em São Paulo tivera seu início decisivo no Governo precedente, do Presidente Café Filho. Em janeiro de 1955, seu Ministro da Fazenda, e pioneiro da ciência econômica no Brasil, o Engenheiro Eugênio Gudin, baixava a famosa Instrução nº 113 da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito, predecessora do Banco Central), permitindo aos investidores estrangeiros transferir para o Brasil máquinas e equipamentos sem necessidade de cobertura cambial. Foi graças a esse mecanismo que, no Governo Kubitschek, as montadoras aqui se estabeleceram.  

Em junho de 1956, Juscelino assinou o decreto de criação do GEIA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística, presidido pelo Ministro da Viação e Obras Públicas, Almirante Lúcio Meira, secretariado pelo Engenheiro Eros Orosco e mais tarde por Sidney Latini. No final de setembro daquele mesmo ano, era inaugurada a fábrica de caminhões da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo.  

O Presidente baixou sucessivos decretos concedendo incentivos fiscais às indústrias automobilísticas que se instalassem no País.  

Quais eram esses incentivos, Senador Lúdio Coelho, além da possibilidade de importação de equipamentos usados sem cobertura cambial?  

Incentivo cambial. Então havia um câmbio especial, da ordem de 50% do câmbio oficial. Os equipamentos dessas indústrias, muitos deles, foram importados pagando metade do valor do dólar ao câmbio oficial. Era como se hoje, Senador Lúdio Coelho, o Banco Central vendesse dólar à razão de R$0,90 ao invés de R$1,80, ou seja, pela metade do valor; o restante era subsídio dado pelo Governo.  

Foi assim que essas empresas, além de importarem equipamentos sem cobertura cambial, quando importavam, pagavam a metade do valor oficial do dólar.  

Além disso, Senador Luiz Otávio, esses equipamentos entravam no Brasil com isenção de Imposto de Importação e com redução do Imposto de Importação e de IPI para autopeças que não fossem fabricadas no Brasil - subsídio também fiscal. Como se não bastasse, o então BNDE concedeu financiamentos a essas multinacionais a juros inferiores à inflação da época - subsídio creditício por um banco oficial para multinacionais.  

Sr. Presidente, finalmente, depois de todos esses favores, mercado cativo, porque as tarifas alfandegárias cobradas para carros importados eram superiores a 100% - era essa a alíquota do Imposto de Importação sobre carros importados. A partir do final dos anos 60, formal proibição de importação de carros. Ou seja, essas empresas multinacionais, depois de se beneficiarem de todos esses favores, de todos esses subsídios, ainda tinham mercado cativo, absolutamente livre de concorrência.  

Dir-se-á que esses incentivos não eram dados só para São Paulo, mas para todo o Brasil. Se uma indústria quisesse se instalar no Estado do Amazonas ou no Estado do Pará, do Senador Luiz Otávio, poderia. Ora, Senador, esse é um argumento absolutamente falso. Não havia a mínima possibilidade de os Estados periféricos atraírem indústrias em igualdade de condições com o Estado de São Paulo, por todas as razões: pela infra-estrutura, pela proximidade de mercado, pela mão-de-obra qualificada e pela existência de todo um parque de autopeças naquele Estado. Portanto, conceder subsídios para todo o Brasil era o mesmo que dizer às indústrias: instalem-se no Estado de São Paulo.  

Agora as elites empresariais e políticas do Estado de São Paulo reclamam da concessão de incentivos fiscais para instalação de indústrias de automóveis nas Regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste. Isso é esquecer-se do passado. E essas reclamações dos nossos irmãos do grande Estado da Federação que é São Paulo não comovem o resto do Brasil.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Lúdio Coelho.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Senador Jefferson Péres, estou ouvindo as considerações de V. Exª com muita atenção. Penso que a Nação brasileira vive hoje um período completamente diferente daquele em que não havia nenhuma fábrica de automóvel ou de caminhão em nosso País. Tenho a impressão de que agora a Nação brasileira não deveria mais gastar recursos para trazer fábricas de veículos para o nosso País; as atualmente existentes estão com sua capacidade ociosa. A Nação brasileira precisa saber que essas fábricas só vêm para cá se pagarmos tudo e mais um pouco ainda. Creio que não deveríamos conceder subsídios ou empréstimos de qualquer ordem. O BNDES deveria aplicar esses recursos em áreas mais importantes para o País, como a agricultura. Não sou contra o incentivo dado ao Estado da Bahia. Sou contra a concessão de qualquer incentivo para esse setor, por não ser ele gerador dos empregos de que necessitamos. Atualmente, fábrica de automóvel não significa mais desenvolvimento do País, primeiro mundo. As fábricas de automóveis estão se deslocando para as nações de segundo e terceiro mundo; é o que está acontecendo. Felicito V. Exª pelo seu pronunciamento. Mas penso que esses incentivos não deveriam ser concedidos para nenhum lugar da Nação brasileira.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Senador Lúdio Coelho, concordo com V. Exª: não se justificam mais incentivos para a indústria automobilística. Como V. Exª observou, existe capacidade ociosa. Se essas fábricas quiserem se instalar aqui, que o façam com seus próprios recursos.  

O BNDES financiar multinacionais, particularmente fábricas de automóveis, é algo realmente injustificável. Mas o que me incomoda, Senador Lúdio Coelho, nessa grita de São Paulo, é que se trata, na verdade, de resistência e preconceito contra qualquer incentivo concedido às regiões periféricas — Norte, Nordeste e Centro-Oeste —, e não apenas para a indústria automobilística. Se dependesse das elites paulistas, esses incentivos seriam simplesmente extintos.  

Sou de um Estado pobre como o do Amazonas, que conseguiu montar um parque industrial de vulto na Zona Franca de Manaus. Não são indústrias maquiadoras, como pensa, equivocadamente, quem lá nunca pisou. Esses não sabem que temos indústrias de grande porte, que geram, Senador Lúdio Coelho, um faturamento da ordem de R$12 bilhões por ano, superior ao PIB do Paraguai e da Bolívia, lá no extremo norte do País. Vejo, freqüentemente, na imprensa do Sul, principalmente na de São Paulo, falar-se em renúncia fiscal da Zona Franca, o que, na verdade, não existe. O que deixamos de pagar em IPI — e, neste momento, está chegando o meu correligionário, Senador Gilberto Mestrinho, que conhece muito bem a famosa renúncia fiscal da Zona Franca —, recolhemos muito mais em outros impostos, como Cofins, Contribuição Sobre O Lucro Líquido, etc. Tanto assim que o Estado do Amazonas, que tem menos da metade da população do Estado do Pará, do Senador Luiz Otávio, recolhe metade dos tributos federais na Região Amazônica. Cinqüenta por cento da receita federal recolhida na Região Amazônica, incluindo o Estado do Pará, vem do Estado do Amazonas, especificamente do distrito industrial de Manaus.

 

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Senador Jefferson Péres, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Gilberto Mestrinho.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Cinqüenta por cento, não. No ano passado, foram 52%; neste ano, já foram 58%. O Amazonas é um dos poucos Estados em que a contribuição do INSS é positiva para o Governo. Nós exportamos dinheiro. E mais: o maior imposto que pagamos é a renúncia econômica. Somos proibidos de tudo na Amazônia. Não se pode explorar suas riquezas naturais por equívocos da legislação ambiental e dos compromissos externos do País, que assumiu a obrigação de defender os interesses estrangeiros no Brasil. Nós é que não renunciamos ao direito de crescer, de desenvolver e de nos integrarmos efetivamente ao padrão de desenvolvimento de que o País precisa. Essa é a realidade, e V. Exª tem razão.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Muito obrigado, Senador Gilberto Mestrinho.  

O Governo Federal arrecada no Estado do Amazonas em torno de R$1 bilhão por ano, um pouco mais. E tudo que o Governo Federal deixa lá, na forma de manutenção de obras federais e investimentos, é cerca de R$600 milhões, Senador Gilberto Mestrinho. Ou seja, o Governo Federal tem um saldo líquido de R$400 milhões por ano, que nos devia ser devolvido pela nossa renúncia econômica. Devia haver uma relação entre investimentos federais na Amazônia e renúncia econômica na forma de proteção ambiental. Isso merece ser estudado e pleiteado ao Governo Federal.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Roberto Requião.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Senador Jefferson Péres, eu estava a refletir sobre a questão da ausência absoluta de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, quando lembrei-me de um salmo: "Conhecerás a verdade e a verdade te libertará". A primeira verdade é que o Brasil não subsiste como nação se não houver uma política clara de desenvolvimento regional. Quem se opõe a investimentos nas Regiões Norte ou Nordeste não é brasileiro, é um imbecil. Não é nem intriguista, é um imbecil, porque não há a menor possibilidade de termos Estados desenvolvidos, com bom padrão de vida, cercados por Estados miseráveis, superpovoados, situação que leva à migração. Por outro lado, a maior população nordestina do Brasil fica em São Paulo e não mais no Nordeste. No entanto, a questão dos automóveis é mais delicada. Lester Thurow, o papa da globalização, numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo , em julho do ano passado, demonstrava, com toda clareza, que, olhando o mapa do mundo, verifica-se que a possibilidade única de expansão das indústrias automobilísticas se localiza no Brasil. Isso decorre do fato de que os países desenvolvidos têm excesso de automóveis, enquanto ainda temos uma população sem automóvel. Podemos comprar mais automóveis, enquanto os países desenvolvidos fazem a reposição de carros obsoletos, velhos. Por outro lado, não tem cabimento a política automotiva do Governo Federal, que privilegiou montadoras e acabou com a indústria de autopeças, que é uma indústria realmente nacional. As alíquotas de importação de peças foram derrubadas de 70% para 2% e 1,4% em determinado momento, e a indústria de autopeças brasileira foi liqüidada. Por que dar incentivo à Ford para se instalar no Brasil se ela é uma das empresas mais ricas do mundo? O Governo gaiato do Paraná deu R$10 bilhões em incentivos e em participação direta no capital da empresa para a Renault, e deve ter feito o mesmo com a Volkswagen, com a Audi e com a Chrysler. Qual é o compromisso que essas empresas têm com o Brasil? Elas não investem em nada. No momento em que um determinado governo, no futuro, cancelar os incentivos, essas empresas irão embora. Alguém pode dizer que elas não farão isso, mas elas já o fizeram. Senador Jefferson Péres, V. Exª se lembra da Chrysler e da Renault, no Brasil? V. Exª se lembra do dodjão, do dodjinho, do Dauphine, do Alpine? No momento em que o Estado de São Paulo eliminou alguns incentivos fiscais, algumas exonerações fiscais, aquelas empresas imediatamente se transferiram para a Argentina. E estamos montando essas plantas com dinheiro público, sem nenhuma obrigação contratual de nacionalização do automóvel e de retorno do investimento para o patrimônio público no caso de a fabricação ser suspensa. A Renault fechou uma fábrica em Bruxelas, na Bélgica, e outra em Setúbal, em Portugal, e, agora, está instalando uma montadora no Paraná. Outro dia, comprei um carro da Volkswagen, um Passat importado, que, para minha surpresa, entrou pelo porto de Paranaguá com isenção de ICMS, em função do acordo firmado entre o Paraná e a Volkswagen. O carro, que, aliás, é um excelente automóvel, foi integralmente montado na Alemanha. Não vamos fazer crítica da qualidade tecnológica dessas fábricas que se instalam no Brasil, mas sim da vagareza de raciocínio, da mediocridade desses projetos, da política automotiva do Governo Federal e da guerra fiscal entre os Estados. Não tem nenhum sentido esse processo que desnacionalizou a indústria de autopeças e que desemprega. Agora, não se deve esperar emprego dessas empresas. Hoje, elas estão montando plantas industriais condominiais e utilizando peças importadas. A Bahia utilizará, sem a menor sombra de dúvida, peças produzidas em São Paulo, devido à escala de produção, que é mundial e que abaixa o preço. E, sem barreiras à importação, importarão peças. A Bahia vai produzir conjuntos semimontados da Ford, acabamento de automóvel; haverá fábricas robotizadas e automatizadas, nas quais uma máquina substitui 200 trabalhadores. Então, há a lenda, o espetáculo político da indústria instalada, que vai desfazer-se logo mais adiante, como já se está desfazendo no Paraná, que está percebendo que as suas empresas estão quebradas. Os empreiteiros não recebem do Estado, como há pouco demonstrei ao ler uma carta da Associação Paranaense dos Empreiteiros na tribuna do Senado, mas o Governo está dando dinheiro vivo como participação acionária e se exonerando, de forma absoluta, de impostos. Senador Jefferson Péres, temos que desmistificar esse processo. E estou meio cansado de ouvir falar na eficiência e na seriedade do Governo de São Paulo. Penso que o Governador Mário Covas é um homem sério; não tenho dúvida alguma quanto a isso.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Eu também não.  

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Eu o conheço há muito tempo. Mas não posso esquecer que, quando eu e o Senador Osmar Dias, numa delegação do Senado da República, fomos até aquele Estado para verificar a sua situação, tendo em vista a privatização ou não do Banco do Estado de São Paulo, a dívida era de R$15 bilhões. E a demora de Covas em tomar uma decisão, somada aos juros do seu Governo, do Governo do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, elevou a dívida de São Paulo para R$75 bilhões. Se suas decisões tivessem sido tomadas com um pouco mais de rapidez, S. Exª teria resolvido o problema de São Paulo, consolidando ali uma dívida de R$15 bilhões. Mas S. Exª aumentou essa dívida para R$75 bilhões. Com isso, muito mais pesa para São Paulo a vagareza, a preguiça, a falta de iniciativa e de decisão do seu Governo do que a guerra fiscal com outros Estados, a qual, por outro lado, é absolutamente ridícula. Não ganhou nada a Bahia com a fábrica da Ford. Ganhou a Ford, que instalou a sua fábrica sem investir um tostão. Não ganhou nada o Paraná com a Renault e com a Audi. O Paraná ganhou alguns empregos, mas caríssimos; a relação custo/benefício é rigorosamente absurda e se deve fundamentalmente à irresponsabilidade de um governo que, ao invés de ter um projeto de desenvolvimento bem claro, prefere trabalhar com o espetáculo do desenvolvimento. O automóvel associado ao mito da liberdade e do progresso e o corcel, o cavalo do caubói americano a conquistar planícies estão no imaginário popular por meio dos inúmeros filmes de faroeste. Mas não é nada disso que percebemos. O que existe é a espoliação, a picaretagem, o favor indevido a indústrias montadoras, a indústrias que se situam, na verdade, fora do Brasil. A Bahia não ganhou uma indústria de automóveis, mas sim uma montadora, robotizada e automatizada. O Paraná também não ganhou a Renault, a Audi e a Chrysler, mas sim estruturas robotizadas e automatizadas. Mas quero concordar com V. Exª: o problema do Brasil é o desenvolvimento regional. São Paulo, para manter a sua qualidade de vida, deveria estar pensando muito mais em ajudar o desenvolvimento do Norte e do Nordeste do que em concentrar ainda mais as indústrias no seu espaço já saturado e inadministrável, onde se desenvolve uma péssima qualidade de vida.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM) - Obrigado, Senador Roberto Requião. Dou a V. Exª a mesma resposta que dei ao Senador Lúdio Coelho: abstraindo o caso particular da indústria automotiva, o fato é que, por trás dessa grita contra a instalação da Ford na Bahia, o que se esconde mesmo é o preconceito, que não se tem coragem de confessar, contra a industrialização do Norte e do Nordeste, que para eles teriam uma outra vocação. No fundo, eles gostariam que fôssemos meros fornecedores de matérias-primas e alimentos para o Sudeste e, especialmente, para São Paulo, que, na visão preconceituosa dessa gente, talvez seja o único Estado a ter vocação industrial.  

Senador Roberto Requião, irrita-me e incomoda-me profundamente verificar que, ao invés de os brasileiros do Sul se orgulharem de terem implementado uma política de desenvolvimento regional por meio da qual se conseguiu erguer um parque industrial de vulto na capital do meu Estado - tal como os americanos se orgulhavam muito da Tennessee Valey Authority - TVA, que conseguiu tirar da pobreza, da miséria, todos os Estados ribeirinhos do rio Tennessee nos anos 30, graças ao New Deal , de Roosevelt -, ao invés disso, o que se vê aqui, nobre Senador, são petardos lançados diariamente contra a industrialização do meu Estado, como se fosse uma industrialização artificial, feita com empresas maquiadoras e à base da famosa renúncia fiscal. Isso é o que eu, como Senador pelo Amazonas, não posso aceitar calado.

 

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1999 - Página 15521