Discurso no Senado Federal

ANALISE DO MOVIMENTO ORGANIZADO PELOS PRODUTORES RURAIS EM PROTESTO PELA SITUAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • ANALISE DO MOVIMENTO ORGANIZADO PELOS PRODUTORES RURAIS EM PROTESTO PELA SITUAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA.
Aparteantes
Geraldo Melo, Heloísa Helena, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/1999 - Página 20448
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, MOVIMENTO TRABALHISTA, PRODUTOR RURAL, MARCHA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), PROTESTO, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, PAIS, REIVINDICAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA AGRARIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Brasília está sendo alvo de grandes manifestações dos agricultores de todo o Brasil. Estão se deslocando para pressionar o Governo, por que não dizer o Congresso, no sentido de obter uma renegociação das suas dívidas.  

Esse é um fato que não é novo. Nós que temos alguma experiência na vida pública do País já assistimos a manifestações como essa mais de uma vez. Era importante, justamente neste momento, aproveitar esse fato para uma reflexão sobre as razões dessa reincidência desses movimentos e dessa crônica situação de dificuldade da agricultura brasileira.  

Certamente, convivem neste momento setores modernos da agricultura, novos, que conseguem alta produtividade, conseguem escala de produção, adotam as tecnologias mais modernas, e também setores atrasados, obsoletos da economia agrícola.  

O que chama a atenção é que, aparentemente, as dificuldades dos agricultores estão disseminadas por todo o País. Não são apenas Estados como os nossos, Senador Geraldo Melo, localizados, encravados em pleno semi-árido, onde as condições de solo, clima, pluviométricas e tecnológicas são extremamente difíceis, que têm os seus agricultores com essas dificuldades. Em Estados como o do Senador Lúdio Coelho, que está assumindo a Presidência agora, o Mato Grosso do Sul, onde há solo bom, tecnologia e vocação para a agropecuária, os agricultores estão enfrentando dificuldades, como também no Paraná ou no Rio Grande do Sul, da Senadora Emilia Fernandes, que é um Estado que tem uma vocação para a pecuária e a agricultura muito antiga.  

São Estados pequenos e grandes, e, no meio disso tudo, há uma cortina de fumaça, lançada não sei por quem nem com que objetivo, que nos impede de ver com clareza o que está acontecendo.  

Até mesmo os agricultores - volto a dizer - que tratam com produtos destinados à exportação, que têm boa tecnologia, que dispõem de crédito, que têm acesso aos mercados, que têm informação, reclamam da crise.  

V. Exª e eu, há pouco tempo, estávamos em uma reunião com o Presidente Fernando Henrique, a propósito da inauguração de um grande melhoramento no Brasil, a ferrovia Ferronorte, que vai permitir transporte a custo menor dos produtos naquela nova fronteira agrícola do Mato Grosso. Ali víamos gado com chip na orelha, um verdadeiro tapete de algodão de alta produtividade, comunicação direta com Chicago, quer dizer, uma agricultura de alta tecnologia, de grande qualidade, agora atingida pelo transporte ferroviário para baratear o custo da produção, produtos destinados à exportação, como a soja. E há uma dificuldade geral.  

Não sei, sinceramente não tenho elementos para ajuizar, se existe manipulação nesse movimento; se são - vamos dizer assim - devedores contumazes que se mobilizam para obter perdão, favores do sistema financeiro e do Governo. Não sei.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Já vou conceder o aparte a V. Exª, que certamente vai trazer importante contribuição para a discussão.  

O que sei é que esse problema é generalizado.  

Há pouco tempo, estive em Santa Catarina e conversei com o Governador Esperidião Amin. Falávamos - estou esperando a conclusão desses estudos - sobre o Banco da Terra, instrumento novo, criado no Senado a partir de um projeto originariamente do Senador Esperidião Amin, depois trabalhado por mim, que foi encampado pelo Governo e transformado em lei. Considero-o um bom projeto, só que as condições estabelecidas pela tecnoburocracia para que o meeiro, o posseiro, o pequeno agricultor possa adquirir sua terra são impagáveis.  

Quando o Governador Esperidião Amin foi Governador pela primeira vez, criou um programa desses no Estado de Santa Catarina. Recentemente, S. Exª teve a oportunidade de, retornando ao Governo, fazer uma avaliação do programa e verificou que esses agricultores que adquiriram a terra no seu primeiro Governo e já liquidaram seus débitos só o fizeram por uma simples razão: o débito e, conseqüentemente, a liquidação da dívida são feitos em produtos. Se alguém adquiriu a propriedade e, naquela ocasião, valia, por exemplo, 50 sacas de milho, ele liquidou o débito com o valor correspondente a 50 sacas de milho.  

Sugeri, então, que se fizesse a seguinte comparação, o que foi feito diligentemente por S. Exª: se o agricultor que adquiriu a terra no primeiro Governo de S. Exª tivesse comprado com os juros previstos no Banco da Terra, ele não teria conseguido pagar, porque o valor seria muito maior do que o que ele pagou liquidando a dívida com produto, a equivalência do produto.  

Isso tudo nos chama um pouco ao realismo, ou, então, estamos diante de uma situação sem saída, porque alguma coisa há de ter para se explicar a situação desses agricultores que não seja somente a pecha de caloteiros e de ineficientes, porque não há distinção. Qualquer que seja o Estado do País, a situação é igual. Os Senadores que estão no momento no plenário e os demais poderão atestar que a situação é muito difícil. É praticamente insolúvel!  

Antes de reprimir o movimento, antes de lançar labéus contra os agricultores de uma maneira geral, vamos examinar o que existe e o que pode ser feito diante dessa realidade.  

Ouço V. Exª com toda atenção.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Senador Lúcio Alcântara, com a competência e a elegância habituais, V. Exª, de certa forma, já deu a entender onde está o fulcro dessa questão. Não é possível, se se quiser analisar com frieza esse problema, que alguém entenda que são incompetentes, irresponsáveis e caloteiros os microagricultores, os pequenos, os médios, os grandes, os do Nordeste, os do Norte, os do Sul, e que não haja nenhuma outra explicação para a situação que a agricultura brasileira enfrenta. Deixo com V. Exª uma opinião sobre a qual acredito valer a pena refletirmos. A relação entre os agricultores endividados não é com o espaço, é com o sistema financeiro. Eles se relacionam com o sistema financeiro todo-poderoso. Na realidade, uma coisa é pagar um financiamento que se tomou com os encargos admissíveis; outra coisa é ter uma relação contratual com alguém - que no caso é o banco - que se sente no direito de calcular o saldo devedor dos seus clientes ao seu talante. Darei um exemplo concreto. Conheço um contrato com um banco oficial que começa com a seguinte graciosa maneira de contornar a lei: "Juros de mora, 2% ao mês" - o que já é o dobro do permitido pela lei. Como nós sabemos, mora é uma palavra que significa inadimplência, retardamento no pagamento. Juro de mora é uma penalidade que o contrato prevê para quem se atrasa, ou seja, para quem se torna inadimplente, permanentemente ou temporariamente. O contrato tem uma penalidade limitada pela lei. A lei limita a penalidade que se aplica ao mutuário que entrou em mora. Então, o banco diz que os juros de mora são de 2% ao mês, o dobro do que a lei permite. Logo a seguir, há uma cláusula fantástica, estabelecendo que, em ocorrendo inadimplência, ou seja, apresentando-se a situação em que os juros de mora são devidos, acrescenta-se aos juros de mora uma multa de 34% ao mês. Essa é uma forma de dizer que os juros de mora são de 36% ao mês, quando a lei diz que devem ser de 1%. O banco escreve isso.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Trinta e seis por cento ao ano.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Ao mês, Senador. É a multa quando ocorre inadimplência. Então, conheço uma situação em que uma empresa que devia 27 milhões, num cenário de uma economia estável, com moeda estável, foi instada a pagar, três anos depois, 109 milhões. É evidente que essa empresa pode estar produzindo tapetes e mais tapetes de algodão nos seus cercados, os seus animais podem ser os mais sofisticados, os mais caros, estarem cheios de chips em todas as orelhas e patas, mas não há possibilidade de se pagar uma operação dessas. Penso que o que existe realmente é uma situação que incorpora naturalmente os problemas daqueles que são devedores contumazes. O que existe de fato é uma relação absolutamente insustentável entre os sistemas produtivos do Brasil, não apenas a agricultura...  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - O comércio, a indústria, serviços...  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - ...e o sistema bancário. Na verdade, o sistema bancário atribuiu a si próprio direitos e poderes que o Congresso Nacional precisa começar a rever. Não tem graça que se execute um cliente sem que haja nem liquidez, nem certeza do crédito, e que se destrua a possibilidade de um agente produtivo continuar produzindo, porque ao banco interessa apresentar um bonito balanço para os seus acionistas, mesmo às custas do balanço desastrado que ele obriga a ser apresentado pelos seus mutuários. Então, a minha opinião, Senador, é de que o problema não é inerente à atividade agrícola.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Está fora da atividade agrícola.  

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - A relação do sistema produtivo brasileiro, agrícola e não agrícola, com o sistema bancário não pode continuar com base no autoritarismo unilateral dos agentes financeiros.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Veja V. Exª que só ouvimos falar em competição, concorrência. Pois bem, o Brasil abriu o seu sistema financeiro. Aqui estão alguns dos maiores bancos do mundo. Vieram para cá, compraram bancos nacionais, estabeleceram-se, expandiram-se. Se V. Exª for um felizardo, que possa aplicar recursos nesses bancos, vai receber uma remuneração que talvez seja compatível com o mercado internacional, com uma economia estável, sem inflação. Mas se V. Exª for um tomador desse crédito, direto ou indireto - quer dizer, se V. Exª for, por exemplo, um consumidor ou mesmo alguém que contraia um empréstimo com fins pessoais ou para um empreendimento -, vai verificar que as cifras são elevadíssimas. E mais: não há concorrência que lhe mostre algum estabelecimento capaz de emprestar a preço mais baixo. Os juros são altos no conjunto, na totalidade das instituições, sejam privadas ou públicas, sejam estrangeiras ou nacionais.

 

E o mais grave é que, na nossa Região Nordeste, os dados mostram hoje uma aberração: 75% do crédito no Nordeste são oferecidos pelo Banco do Nordeste. O Banco do Nordeste sozinho responde por 75% das operações de crédito que se realizam no Nordeste, o que é, evidentemente, um exagero. Revela, de um lado, que o crédito disponível no Nordeste é muito pouco e, segundo, que esse pouco é quase totalmente oferecido pelo Banco do Nordeste. Mesmo o Banco do Brasil tem uma participação muito menor, e nem se fala nos bancos privados, até porque o que faz o banco privado hoje? Empresta ao Governo. Empresta ao Governo, porque a remuneração é certa, tranqüila, e não há risco.  

Então, o sistema financeiro está deixando de ser isso que V. Exª apontou, uma alavanca para o desenvolvimento, para o financiamento do setor produtivo. Ao invés disso, ele pode estar, e está muitas vezes, transformando-se num coveiro do sistema produtivo, porque contrair empréstimo com esses juros tão altos significa simplesmente a ruína do empreendimento; conseqüentemente, do empreendedor; e, portanto, a inadimplência.  

Isso não ocorre - disse V. Exª muito bem - apenas no setor da agricultura. É possível que a agricultura tenha mais capacidade de mobilização, talvez porque vem sofrendo mais, mas isso se repete na indústria, no comércio. Então, alguma coisa precisa ser revista, sob pena de sucumbirmos diante dessa política financeira que está em vigor no País.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª com todo o prazer, Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senador Lúcio Alcântara, quero saudar o pronunciamento de V. Exª, saudar o aparte feito pelo Senador Geraldo Melo e dizer que compartilho das mesmas preocupações. Tenho muitas dúvidas em relação a este momento que estamos vivendo. O Senador Geraldo Melo colocou com muita clareza que a questão do sistema bancário não é um fato isolado, como não são fatos isolados os problemas do setor agrícola, do setor produtivo de uma forma geral, e a questão da pobreza. Penso que estamos perdendo a grande oportunidade, Senador Lúcio Alcântara, de rediscutir a opção do nosso modelo econômico, porque freqüentemente discutimos penduricalhos para alguns setores. Precisamos discutir, no caso do Nordeste, que V. Exª conhece, e do meu Estado, a crise do setor sucroalcooleiro, a abertura desvairada que foi patrocinada, a opção da abertura e da inserção subordinada feita em relação à globalização. Hoje, para que tenhamos competitividade e produtividade, precisamos investir em um novo modelo tecnológico, na mecanização da colheita da cana crua e na mecanização do plantio. O uso de agrotóxicos impede até a contratação de novos empregados para efetuarem a limpa da cana. Então, a fim de nos inserirmos na globalização, que foi opção do Governo Federal, temos de mecanizar para termos maior produtividade, para termos melhor preço. Junto com isso, há um problema gravíssimo, que é o desemprego. Essa nova modalidade do setor sucroalcooleiro não gera mais emprego, porque tem que optar: ou gera emprego ou, efetivamente, para se tornar produtiva, competitiva, não gera mais emprego. Então, o que vamos fazer com as áreas que não podem se submeter a essa modernidade tecnológica, à mecanização, em função dos problemas de relevo? Cria-se, então, um problema para quem? Para o pequeno e o médio plantador de cana, que também são do setor agrícola. E surge a questão da reforma agrária - que não é apenas distribuição de terra, mas distribuição de terra, renda e poder -, o problema da agricultura de uma forma em geral. Então, acho que estamos perdendo a grande oportunidade de rediscutir a opção econômica, o modelo econômico adotado pelo Governo Federal. Aí vem o setor sucroalcooleiro e diz que tem de misturar mais álcool no combustível, no diesel, porque isso vai resolver o problema. Não resolve o problema efetivamente. Aí vem o setor agrícola, num momento de dívida grande... E não é só o setor agrícola. Também os pescadores, do meu Estado e certamente do Estado de V. Exª, vivem cobrando alguma alternativa em relação aos financiamentos feitos - V. Exª sabe, até pela preocupação que tem com esse setor. É gravíssima também a situação financeira das pequenas e microempresas. E a pobreza? Dessa nem se fala! Ela também é decorrente desse caos em que se encontra o modelo produtivo. Sei que todos nós não pensamos de uma forma única - nem poderíamos, pois se assim fosse não daríamos conta da pluralidade da sociedade -, mas entendo, Senador, que poderíamos usar este momento de crise em vários setores para discutir o modelo econômico, a opção econômica feita, e definirmos a nossa inserção na globalização de forma a tornar possível que o Brasil possa escolher seus parceiros internacionais. Sou profundamente apaixonada pelo Brasil, Senador Lúcio Alcântara, e sei que o mesmo se pode dizer de V. Exª e do Senador José Alencar - já o vi dando lições de nacionalidade e patriotismo - e sei que somente o Brasil, no planeta Terra, pode se inserir de uma forma diferente nessa globalização - seu mercado interno de massas, seu gigantesco potencial de áreas agricultáveis e de recursos hídricos tornam isso possível. No entanto, estamos perdendo a oportunidade de fazer esse debate. A crise hoje instalada no sistema bancário é decorrência de os juros serem definidos por uma opção econômica, que é a opção pelo capital especulativo, enquanto se deixa à míngua até o capital produtivo, fato que gera desemprego e miséria. De onde tiramos recursos para garantir esses altíssimos juros que quebram setores produtivos inteiros e provocam o desemprego? Da saúde, da educação, da segurança pública, da habitação, da política agrícola de uma forma geral. Portanto, quero saudar com muita ênfase o pronunciamento de V. Exª e convocar todos os parlamentares do Congresso Nacional, mesmo com a pluralidade que temos, para o debate sobre o modelo econômico, porque, efetivamente, o que está implantado não dá certo - isso está sendo mostrado pelas frias estatísticas oficiais, por trás das quais há histórias de vidas que estão sendo destruídas. Sabe V. Exª e todos nós sabemos que não é o Fundo da Pobreza, que dá R$16 por mês a alguém, que vai resolver o problema. Temos que mexer na estrutura produtiva do País para garantir desenvolvimento econômico, para garantir a dinamização da economia local, para garantir a geração de emprego e renda. Essa é uma opção a ser discutida e ninguém melhor para fazê-lo do que a Federação, do que a representação da Federação, que é o Senado. Portanto, quero saudar V. Exª pelo seu pronunciamento e dar essa pequena contribuição no sentido de pensar uma nova alternativa de modelo econômico, voltado para a construção deste grande País, que pode vir a ser uma grande nação no próximo século. Muito obrigada.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, ouvi com muita atenção o aparte da Senadora Heloisa Helena. Pela sua extrema abrangência, ele é muito importante. S. Exª fez, ainda que rapidamente, uma análise de todas as circunstâncias que o Brasil vive hoje: circunstâncias externas, decorrentes de nossa inserção na economia mundial e da globalização; e circunstâncias internas, decorrentes de políticas adotadas, cujo grau de liberdade parece estar muito sujeito aos humores internacionais.  

Estamos diante de um período de grandes mudanças na sociedade. Claro está que o mundo só avança com o progresso, com a tecnologia, com a ciência, com as descobertas. Nós não podemos ser hostis a essa evolução, mas não podemos ignorar que o grande sujeito de tudo isso é o homem. Portanto, qualquer política de natureza econômica, qualquer política industrial que não leve isso em conta é contraproducente.  

Vemos aqui iniciativas de várias naturezas, partindo de pessoas com diferentes concepções ideológicas, sobre formas de combater a pobreza, sobre a necessidade de se retomar o desenvolvimento. Queremos que essa discussão seja cada vez mais intensa e travada de maneira a realmente buscar soluções para os problemas do País. O modelo atualmente adotado no Brasil pode nos levar à exaustão econômica, social e até à exaustão da nossa esperança no futuro.  

É evidente que não podemos pensar que chegaremos a alguma solução brandindo slogans, chamando de caloteiros os agricultores por causa de meia dúzia de pessoas que não querem pagar e devem de forma contumaz ao banco. Nem eu nem ninguém neste plenário está aqui para advogar em favor de caloteiros ou daqueles que querem apenas mamar nas tetas do Governo, mas é preciso impor uma certa racionalidade a essa discussão, ainda que seja para se chegar à constatação de que não há muito a fazer. O importante é que se discuta de maneira racional, com a racionalidade que as soluções econômicas demandam, tendo em vista o pano de fundo, que é o homem, razão e objetivo do Estado e da própria ordem econômica.  

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB-RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, o Senador Roberto Saturnino foi o primeiro a me solicitar um aparte, mas a luz vermelha, implacável, está já piscando. Por isso, consulto V. Exª se devo simplesmente agradecer a manifestação do Senador de fazer o aparte ou se V. Exª permite que, embora brevemente, S. Exª se pronuncie.  

O SR. PRESIDENTE (Lúdio Coelho) - É muito importante o pronunciamento de S. Exª. Portanto, vamos ouvi-lo.  

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PSB-RJ) - Nobre Senador Lúcio Alcântara, ouvi com o maior interesse o pronunciamento de V. Exª, fundamental nesta tarde em que Brasília é palco dessa manifestação importante e de grandeza considerável. Ouvi também o aparte da Senadora Heloisa Helena, que levanta a questão do modelo econômico. Quero apenas chamar atenção para o fato de que há duas formas de se discutir o modelo econômico. Pode-se fazê-lo partindo do geral para o particular, isto é, discutir diretamente a questão do modelo - como a Senadora quer e como é também a minha preferência -, o núcleo das políticas que definem o modelo. Mas há uma outra forma através da qual também se acaba chegando à discussão do modelo, que é travarmos o debate pontualmente em torno das demandas que vão chegando: discutir a questão da pobreza e as providências que são necessárias; a demanda dos agricultores; a questão dos Estados; a questão dos juros. À medida que vamos levantando esses debates pontualmente no Senado, vamo-nos aproximando do núcleo, do cerne, que é a questão do modelo econômico. De forma que é muito importante o pronunciamento de V. Exª, que é um dos Senadores mais brilhantes e com maior senso de acuidade para chegar às questões que realmente estão afligindo a Nação e a economia brasileiras. Quero apenas cumprimentar V. Exª e deixar registrada a minha satisfação por ouvi-lo.

 

O SR. PRESIDENTE (Lúdio Coelho) - Senador Lúcio Alcântara, lembro a V. Exª que já ultrapassou seu tempo em seis minutos.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Saturnino Braga, pela elegância do aparte de V. Exª e pela referência que muito me honra, mas sei que é ela fruto de sua generosidade.  

Senadores Ramez Tebet e José Alencar, o nosso Presidente, Senador Lúdio Coelho, está agindo de forma implacável, como o sistema financeiro: cobra-me realmente a conclusão do meu pronunciamento. Quero, portanto, registrar a satisfação que tive diante das contribuições dadas, lamentando não poder ouvir V. Exªs.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/1999 - Página 20448