Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O QUADRO DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE O QUADRO DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/1999 - Página 20506
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS, COMENTARIO, DADOS, AGRESSÃO, VITIMA, MULHER, IMPUNIDADE, CRIMINOSO.
  • REGISTRO, MAIORIA, OCORRENCIA, VIOLENCIA, MULHER, RESIDENCIA, DIFICULDADE, DENUNCIA, MOTIVO, DEPENDENCIA ECONOMICA, DISCRIMINAÇÃO, SOCIEDADE.
  • DEFESA, REFORMA JUDICIARIA, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, GARANTIA, CIDADANIA.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os cidadãos brasileiros que defendem a democracia, a liberdade, a justiça e os direitos humanos, têm a obrigação de se engajar efetivamente na luta para punir energicamente a violência quotidiana que vem aumentando assustadoramente em nosso País.  

Lamentavelmente, em todos os lugares da vida social, todos os dias, milhões de pessoas, independentemente de classe social, de idade, de sexo, de cor, de raça e de credo, são humilhadas, ameaçadas, golpeadas, espancadas, mutiladas, ou simplesmente assassinadas pelos seus algozes.  

Como temos acompanhado pela mídia, a violência virou lugar comum na vida do brasileiro. Ela é chocante no trânsito, nas praias, nas festas, nos campos de futebol, nas ruas e na periferia das cidades. Ela é estarrecedora no próprio lar, onde ocorre o maior número de atentados sexuais contra crianças indefesas, e onde as donas de casa são brutalmente surradas pelos seus próprios maridos ou companheiros.  

Sr. Presidente, gostaria de dirigir este pronunciamento a todas as mulheres covardemente espancadas no ambiente doméstico, e manifestar a minha indignação contra a prática desses atos desumanos e contra a impunidade que os estimulam.  

Segundo dados do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para a América Latina, em nosso continente, a violência contra a mulher revela números impressionantes, que merecem ser lembrados com muita tristeza. Cerca de 33% das mulheres entre 16 e 49 anos de idade sofrem algum tipo de abuso sexual. Metade delas são efetivamente agredidas, ameaçadas ou insultadas.  

Segundo a professora Sílvia Pimentel, coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem-Brasil), só no ano passado, no Estado de São Paulo, de acordo com os boletins de ocorrência pesquisados nas delegacias de Defesa da Mulher, foram registrados 52 homicídios, 227 tentativas de homicídios, 57.246 queixas de lesões corporais, 2.026 de maus-tratos, 36.653 ameaças diversas, 1.834 estupros e 555 tentativas. Em contrapartida, apenas 598 agressores foram presos, o que, diante do número de crimes revelados, nos diz claramente que a mulher agredida permanece desmoralizada e será surrada outras vezes, porque a justiça não pune os carrascos.  

Recentemente, o Jornal Correio Braziliense publicou extensa matéria sobre os dados preliminares da pesquisa: "Violência doméstica: questão de polícia e de sociedade", coordenada pela professora Heleieth Iara Bongiovani Saffioti, da Pontifícia Universidade de São Paulo. Os resultados mostram que as agressões de todos os tipos contra as mulheres e a impunidade dos agressores são alarmantes. Mesmo diante de tanta aberração, a justiça e os magistrados fazem vista grossa, tomam decisões revoltantes e tratam a questão com total indiferença.  

Para termos uma idéia da dimensão do problema, enquanto 70% dos processos são arquivados, apenas 2% dos casos de violência contra a mulher denunciados nas instâncias policiais e encaminhados à Justiça resultam em julgamento e condenação dos agressores. Cerca de 80% das adolescentes prostituídas, antes de se dedicarem à prostituição, foram violentadas dentro das próprias casas pelos próprios pais, avós, tios, irmãos ou simplesmente por conhecidos da família. No que se refere às crianças, 18 mil são espancadas por dia em nosso País. Em relação aos gastos para corrigir as conseqüências da violência, 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina são gastos a cada ano, e no caso do Brasil, são 84 bilhões de dólares, segundo as estatísticas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid).  

A pesquisa mostra igualmente que mais de 43% das denúncias são feitas por mulheres entre 18 e 29 anos. Em seguida, com 34% de denúncias, situam-se as mulheres entre 30 e 49 anos. Outro dado importante sobre a violência contra as mulheres dentro de casa, refere-se à dependência financeira das agredidas que suportam os maus-tratos por parte dos maridos e companheiros, porque têm medo de serem jogadas na rua.  

No que se refere a esta questão, segundo levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher, da Universidade de Brasília (UnB), as mulheres que apanham em casa e aceitam ficar caladas, o fazem, na maioria das vezes, porque se sentem totalmente dependentes e desamparadas pela própria sociedade que as discrimina. Dessa maneira, a professora de sociologia da UnB, Lourdes Bandeira, pesquisadora do Núcleo, afirma que na Delegacia da Mulher do Distrito Federal (Deam), entre 1987 e 1997, 50% das queixas por violência doméstica foram retiradas antes de os processos serem encaminhados à Justiça. Segundo a pesquisadora, os motivos alegados são os mais diversos, tais como: arrependimento, engano, raiva momentânea, falta de condições econômicas para iniciar uma vida sem a presença do marido e a dependência emocional.  

O estudo da UnB mostra ainda que na última década, o número de vítimas analfabetas e das que cursaram a universidade até triplicou. No caso das analfabetas, as agressões passaram de 3,5% para 12,7%, e no segundo caso, de 5,2% para 10,6%.  

Constata-se, igualmente, que o maior inimigo da mulher não está na rua e sim em sua própria casa. Ele é o marido, o companheiro ou o namorado. O maior contingente de agressores, cerca de 55%, está na faixa etária entre 20 e 31 anos. A maioria, 38,3%, é constituída de homens casados e apenas 10% vivem em regime de união sob o mesmo teto. O nível de instrução é bastante baixo, com 55% tendo cursado apenas o primeiro grau.  

Em 1987, no Distrito Federal, uma mulher era agredida a cada quatro dias e, hoje, a média diária das agressões é de quase 4,5. O aumento é realmente enorme, o que demonstra claramente que a violência contra a mulher não pode mais ser encarada como um assunto sem qualquer importância.  

Sr. Presidente, a falência do nosso sistema judiciário está levando o Brasil a apresentar ao mundo uma realidade bárbara, só comparada a que existe nos países mais atrasados da Ásia, da África e do Oriente, onde mulheres não têm qualquer direito, são escravizadas, mutiladas, surradas implacavelmente e assassinadas pelos motivos mais fúteis.  

Neste final de século XX, apesar da grave crise que enfrentamos neste momento, conseguimos ver o Brasil chegar ao oitavo lugar entre as economias mais fortes do planeta. Todavia, esse enorme desenvolvimento industrial, que realizamos nesses últimos cinqüenta anos, não contribuiu em nada para melhorar o nosso quadro social, que continua vergonhoso e deprimente. A brutalidade que acontece hoje nos lares de milhões de brasileiros, vitimando mulheres indefesas, é fruto justamente dessa desigualdade e da pouca importância que as autoridades dedicam ao drama social do Brasil.  

Por outro lado, as nossas estruturas de poder estão velhas e é preciso reformá-las urgentemente. Assim, enquanto não for construído um novo edifício institucional, que tenha a capacidade de respeitar a cidadania e punir severamente os criminosos, continuaremos mostrando ao resto do mundo a nossa desgraçada injustiça contra os nossos próprios irmãos.  

A violência é filha legítima das injustiças sociais. É preciso acabar com as desigualdades, para garantir justiça e cidadania para todos os brasileiros.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/1999 - Página 20506