Discurso no Senado Federal

DEBATE SOBRE A SECA NO NORDESTE E A TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO. REIVINDICAÇÕES DO MOVIMENTO SOS SECA.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • DEBATE SOBRE A SECA NO NORDESTE E A TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO. REIVINDICAÇÕES DO MOVIMENTO SOS SECA.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/1999 - Página 24221
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, ENCONTRO, PREFEITO, REGIÃO SEMI ARIDA, REGIÃO NORDESTE, CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG), FEDERAÇÃO, TRABALHADOR, AGRICULTURA, APRESENTAÇÃO, DOCUMENTO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), REIVINDICAÇÃO, COMBATE, SECA, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA.
  • ANUNCIO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, OPOSIÇÃO, OMISSÃO, GOVERNO, COMBATE, SECA.
  • REGISTRO, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, EMERGENCIA, CONTINUAÇÃO, FRENTE DE TRABALHO, AUMENTO, REMUNERAÇÃO, QUITAÇÃO, ATRASO, PAGAMENTO, REGULARIZAÇÃO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, AQUISIÇÃO, MUNICIPIO, GARANTIA, ABASTECIMENTO DE AGUA, IMPLANTAÇÃO, CREDITO ESPECIAL, MANUTENÇÃO, PECUARIA.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, DEBATE, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, no sábado, tive a oportunidade de ir a Natal, capital do Estado de V. Exª, Sr. Presidente, para participar do Encontro de Mulheres do PT e da Juventude do PT. O Senador Lúdio Coelho insiste em me convencer que Natal é mais bonita do que Maceió, mas, bairrista como sou, fica difícil acreditar nisso.  

Sr. Presidente, mais uma vez, trago ao debate desta Casa uma questão que não apenas me aflige, mas também aflige milhares de parlamentares do País e representantes das forças vivas da sociedade: a seca no Nordeste. Esta discussão já foi travada várias vezes nesta Casa, inclusive por V. Exª. Já me senti – e acredito que outros parlamentares também – angustiada, indignada, de ocupar o nosso muro de lamentações muitas e muitas vezes a fim de falar sobre o assunto. Sabemos que milhares de nordestinos enfrentam esse problema há mais um século e, por isso, não temos o direito de sentirmo-nos cansados ao tratar deste assunto.  

O dia de hoje é muito importante, pois justamente hoje vários Prefeitos se reúnem em um movimento denominado "Movimento SOS Seca, o Povo Exige Respeito". Este Movimento conta com a participação de todos os Prefeitos do Nordeste, do semi-árido, e com a representação não apenas das associações dos Municípios dos Estados do Nordeste, mas da Contag, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Nordeste, enfim, de centenas de representantes das forças vivas da sociedade. Essas representações – conscientes da gravidade da situação social e econômica dos Municípios da Região decorrente da seca e unidos em favor de medidas não apenas emergenciais, urgentes, mas estruturais a médio e longo prazos, a fim de minimizar o sofrimento e possibilitar a convivência mais civilizada do nordestino, do sertanejo com o semi-árido – apresentaram vários documentos, várias reivindicações justas, prioritárias, a serem encaminhadas ao Governo Federal num documento entregue à Sudene.  

Essas representações determinaram que hoje, dia 13, é o prazo final para que o Governo Federal responda às reivindicações, senão, agora, no dia 15, haverá um movimento nacional, capitaneado pelas forças vivas da sociedade e não apenas pelos partidos progressistas. Não se trata apenas da "Marcha dos 100 Mil", nem da greve dos caminhoneiros e nem do "Grito dos Excluídos"; são centenas de Prefeitos da Região Nordeste que, no dia 15, irão às ruas, obstruirão rodovias, apresentarão o seu protesto diante de reivindicações feitas. Faço questão de registrar as ações emergenciais que eles estão apresentando.  

Repito, desta tribuna, que, cada vez que um nordestino solicita do Governo Federal ações emergenciais, sentimos como se estivéssemos reivindicando migalhas; e migalhas, todos nós sabemos, constróem mendigos, não constróem cidadãos. E são as mesmas migalhas que acabamos solicitando a cada ano, porque sabemos que milhares de famílias, que, sem aquela cesta básica, sem o carro-pipa, sem a frente de serviço, não têm sequer a possibilidade de sobreviver fisicamente para lutarem por uma sociedade justa, igualitária e fraterna.  

E aqui estão, do ponto de vista emergencial, solicitando que se assegure a continuidade do Programa de Frentes Produtivas. É realmente doloroso observarmos, ao passarmos por aquelas estradas – sequer podemos chamá-las de estradas –, crianças, homens e mulheres famintos, com uma pá, jogando terra nos buracos, como se, com aquela terra, fossem tapar aqueles buracos, e solicitando ora migalhas, ora alguns centavos, ou dizendo que estão trabalhando nas frentes produtivas. Mesmo isso – que é pouco, é lamentável, é migalha diante do gigantesco potencial da nossa Região Nordeste –, em nome do superávit primário, em nome da subserviência ao Fundo Monetário Internacional, está sendo reduzido de forma vergonhosa, impedindo a sobrevivência biológica, sobrevivência anatomofisiológica das pessoas, porque, sem água e sem comida, elas não podem sobreviver.  

- Elevar o valor pago atualmente aos alistados, destinando também recursos para investimentos definidos pelas comissões municipais, as quais, cada vez mais, têm que ser fiscalizadas pela sociedade civil, para evitar que se tornem mecanismos de destinação eleitoreira e não a luz da realidade de milhares de famílias do nosso Nordeste.  

- Regularizar os pagamentos em atraso para os trabalhadores alistados em frentes produtivas. Imaginem que situação vergonhosa!  

- Estabelecer a regularização do fornecimento de cestas básicas, assegurando que os itens sejam comprados em cada Município. É óbvio, porque essa compra dinamiza a economia local, possibilita a geração de emprego e renda, garante inclusive a dinamização do setor agrícola e do comércio.  

- Garantir o abastecimento de água, por meio de carros-pipas, para todos os Municípios atingidos pela seca, ficando a coordenação do programa sob a responsabilidade do Exército.  

- Implantar, paralelamente, programas de crédito emergenciais voltados à manutenção do rebanho. Sabemos qual é a situação atual da bacia leiteira em várias regiões. Isso é profundamente angustiante porque a Região Nordeste, Senador Lúdio Coelho, conseguiu ser a única para a qual foi dispensado um tratamento especial no programa de Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Estão aqui ações importantes, que podem levar à superação do abismo ideológico que nos separa do Governo Federal. Nem isso foi feito. Quando se elimina a possibilidade de ações emergenciais em nome do superávit primário, as vidas não são resgatadas. Quando uma criança morre de fome, de choque lipovolêmico, de diarréia, de insuficiência respiratória aguda, enfim, de doenças relacionadas à desnutrição, quando as famílias vão para a marginalidade, para o alcoolismo, não são recuperadas quando, no final do ano, o Governo, resolvendo a questão do superávit primário, estabelece migalhas para os Municípios. As vidas não são mais reconstituídas; as famílias não são mais reconstituídas porque muitos foram para a marginalidade como último refúgio.  

- Fortalecer as comissões estaduais e municipais de combate aos efeitos da seca, estabelecendo prioridades e a coordenação das ações por cada um desses Municípios.  

- Desenvolver programas de educação e de capacitação para convivência com a seca.  

Existem ações que estão sendo cantadas em verso e prosa desde o primeiro PPA, desde o primeiro programa do Governo de Fernando Henrique.  

O Sr. Lúdio Coelho .(PSDB - MS) - V. Exª me concede um aparte, Senadora Heloisa Helena?  

A SRª HELOISA HELENA .(Bloco/PT - AL) - Com muito prazer, Senador Lúdio Coelho.  

O Sr. Lúdio Coelho .(PSDB - MS) - Senadora Heloisa Helena, estou seguro de que Natal ficou mais bonita depois da reunião da Juventude Feminina do PT. O Senador Geraldo Melo tem razão, a cidade deve ter ficado muito bonita. Ouvindo V. Exª, repenso que a seca no Nordeste é um assunto mais velho que nós, é um assunto que vive com o País. Às vezes, Senador Geraldo Melo, pergunto-me se, em pleno século XX, a Nação brasileira não tem competência para assegurar pelo menos água para beber. Já não digo água para a irrigação, para a lavoura, mas ao menos para beber. Desde criança que ouvimos conversas sobre a seca do Nordeste. Penso que deveríamos juntar três ou quatro pessoas do mais alto nível para proporem uma saída para este problema. Já foram gastos recursos imensos no Nordeste brasileiro; no correr da nossa história muito foi gasto sem que obtivéssemos resultados práticos. Não penso que isto seja da responsabilidade apenas do Presidente Fernando Henrique Cardoso ou do Fundo Monetário Internacional; este é um assunto da família brasileira. Deveríamos juntar-nos para procurar uma saída prática, objetiva, porque muito nos constrange ver aquelas famílias vivendo em pobreza absoluta, sem acesso às coisas mais essenciais à sobrevivência humana. Senadora Heloisa Helena, o assunto que V. Exª está abordando é de alto interesse da Nação brasileira e chama a atenção de todos nós.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Muito obrigada, Senador Lúdio Coelho.  

Tenha V. Exª a certeza de que nada é mais constrangedor para nós nordestinos do que isso que ocorre a cada seca, principalmente porque todos os problemas são absolutamente previsíveis.  

Este é um debate secular e, mesmo assim, milhares de pessoas só se emocionam quando vêem na televisão as cenas que mostram os problemas causados pela seca. Nós, nordestinos, estamos absolutamente cansados disso. Estamos cansados do choro que muitos apresentam quando vêem fotografias de crianças miseráveis morrendo na beira das estradas. A mortalidade infantil é absolutamente impressionante. O debate é muito antigo.  

Senador Lúdio Coelho, sei da preocupação de V. Exª no sentido de criar um grupo de pessoas que pudessem propor alternativas para o Nordeste, mas o pior é que já se pensou muito sobre esse problema. Existem muitas alternativas. Não são necessários projetos faraônicos nem propostas mirabolantes. Há sete mil anos isso foi feito na região onde hoje fica o Iraque. Milhares de experiências internacionais foram realizadas tendo em vista o aproveitamento da água, tanto para o abastecimento como para a agricultura. No Brasil, na Sudene, no DNOCS, nas universidades, no setor público e no setor privado, existem milhares de alternativas eficazes e relato de experiências que não foram motivadas por pressupostos ideológicos.  

Nós nos perguntamos: Deus do céu, por que a elite econômica e política que comanda o Nordeste há tanto tempo aproveita-se da fome e da miséria para, a cada período eleitoral, trocar voto por cesta básica e por carro-pipa? Não é possível que as pessoas consigam dormir tranqüilas diante de tanta humilhação e sofrimento! Não é possível que as pessoas estejam tranqüilas representando uma região como o Nordeste! Em todo o mundo, ninguém consegue acreditar no que acontece no Nordeste, que possui grandes áreas agricultáveis e enorme potencial de recursos hídricos. Como acreditar nisso se temos o rio São Francisco?

 

O rio São Francisco dá um tapa na cara da elite político-econômica porque corta o sertão do Nordeste, e não conseguimos estabelecer alternativas para a Região, como pólos de desenvolvimento agrícola, pólo de agroindústria, para gerar emprego e renda. O debate, feito agora, sobre a transposição das águas do rio São Francisco não é uma discussão miúda. Imaginem se alguns Estados por onde passa o rio São Francisco, como Alagoas, Sergipe e Bahia, de repente assumissem uma posição egoísta em relação aos irmãos do Nordeste e se manifestassem contrariamente à transposição do rio São Francisco. Não poderíamos dormir tranqüilamente se inviabilizássemos a perspectiva de, com apenas 3% da vazão das águas de um rio, possibilitar abastecimento de água e criação de condições favoráveis para o desenvolvimento do setor agrícola para favorecer milhares de outras pessoas no Nordeste. O debate não é esse. O debate ressalta a nossa gigantesca preocupação com esse rio, que hoje está morrendo, e uma das causas disso é o desmatamento. É impressionante a salinização de suas águas! Em determinandos trechos do rio já se pode pescar peixe de água salgada!  

Por isso, estou apresentando um requerimento no sentido de que a Comissão de Assuntos Econômicos, a de Infra-Estrutura e a de Assuntos Sociais façam um debate nesta Casa sobre a transposição das águas do rio São Francisco. Queremos o aproveitamento das águas do São Francisco!  

Esse debate não é novo. Desde 1847, uma comissão de engenheiros pensa no aproveitamento dessas águas. Queremos o fortalecimento do rio, garantindo-lhe a vida, a fim de que possamos realmente usá-lo como o patrimônio de que dispomos para desenvolver o nosso querido Nordeste.  

Sr. Presidente, vou concluir a leitura da reivindicação feita por todos os Prefeitos:  

"Definir um plano permanente de combate aos efeitos da estiagem na região semi-árida, incluindo um conjunto de obras hídricas de caráter estruturador, bem como a realização de ações visando tratar os desequilíbrios da estrutura fundiária e assegurar a geração de emprego e renda por meio do apoio às atividades produtivas, de acordo com as vocações regionais e municipais".  

Portanto, deixo aqui a minha saudação a todos os Prefeitos, à Associação Municipalista de Pernambuco, à Federação das Associações de Municípios da Paraíba, à União dos Prefeitos da Bahia, à Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene, à Associação Mineira dos Municípios, à Associação dos Prefeitos do Ceará, à Associação dos Municípios de Alagoas, à Associação de todos os Municípios de Sergipe e de todos os Estados que estão fazendo esse belíssimo Movimento no sentido de que possamos exigir respeito pelo povo nordestino, exigir respeito por milhares de pessoas que ocupam 20% do território nacional. Trata-se de mais de 1,6 milhão de hectares de terras que podem garantir o desenvolvimento econômico e social da nossa Região.  

Se o Governo Federal cumprisse, pelo menos, a sua propaganda eleitoral, ajudaria muito. Se tivesse cumprido a proposta eleitoral do primeiro mandato, teria sido muito bom; mas não cumpriu. Seria importante que cumprisse agora a sua segunda proposta eleitoral – que aqui está muito clara –, com relação aos recursos hídricos do Nordeste e a obras importantes para a pecuária, para a agricultura e para a geração de emprego e de renda. Espero que o Governo Federal não apenas ouça a voz que vem das ruas, mas que também entenda as lágrimas e o sangue derramado pelas famílias nordestinas. Deve também escutar os Prefeitos, inclusive os da base de sustentação do Governo, que, no dia 15 farão uma paralisação para exigir que o Governo Federal respeite o Nordeste.  

Sr. Presidente, peço que o documento que encaminho à Mesa faça parte do meu pronunciamento.  

Muito obrigada, Sr. Presidente.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA HELOISA HELENA EM SEU PRONUNCIAMENTO  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/1999 - Página 24221