Discurso no Senado Federal

RELATO DO DESENVOLVIMENTO DA MARCHA POPULAR PELO BRASIL, QUE DEVERA CHEGAR A BRASILIA ENTRE OS DIAS 6 E 10 DE OUTUBRO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • RELATO DO DESENVOLVIMENTO DA MARCHA POPULAR PELO BRASIL, QUE DEVERA CHEGAR A BRASILIA ENTRE OS DIAS 6 E 10 DE OUTUBRO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/1999 - Página 24592
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, AMBITO NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, OBJETIVO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, BUSCA, DIREITOS, EDUCAÇÃO, DIREITO DE PROPRIEDADE, DIREITO A SAUDE, DIREITO A VIDA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ACELERAÇÃO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, RESPONSABILIDADE, RAUL JUNGMANN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF).
  • APOIO, PARTICIPAÇÃO, CESAR BENJAMIN, CIENTISTA POLITICO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MARCHA, AMBITO NACIONAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estive, na última quarta-feira, em Uberlândia, para ali, representando a direção nacional do Partido dos Trabalhadores, o Presidente José Dirceu, a Senadora Marina Silva - Líder do PT e do Bloco da Oposição no Senado - e o Deputado José Genoíno - Líder do PT na Câmara dos Deputados -, acompanhar o desenvolvimento da Marcha Popular pelo Brasil, que, no dia 26 de agosto deste ano, saiu do Rio de Janeiro, da frente da sede da Petrobrás, para caminhar até Brasília, onde deverá chegar entre os dias 6 e 10 de outubro, por volta do dia 7 de outubro, após percorrer várias cidades, apresentando as suas proposições, os seus objetivos, e, principalmente, denunciando como estão hoje os trabalhadores rurais sem terra e todos aqueles que lutam por seus direitos à moradia, à educação, à saúde, à vida.  

Muitos dos que estão participando são membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que estão procurando mostrar a importância de se acelerar a reforma agrária no Brasil.  

Na quarta-feira passada, pela manhã, conversei com o Ministro Raul Jungmann, que estava tendo um diálogo com o Presidente do Partido dos Trabalhadores, Deputado José Dirceu, porque quis ter uma informação precisa sobre o andamento da reforma agrária, dos assentamentos. Informou-me o Ministro que, de 1º de janeiro a 15 de setembro, o número de famílias assentadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso é da ordem de 30 a 31 mil famílias.  

Sr. Presidente, recordando, tivemos um número total de famílias assentadas - segundo informação oficial do balanço feito pelo próprio Governo - da ordem de 280 mil nos primeiros quatro anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, o que corresponde a 70 mil por ano, e essa média foi sendo aumentada ao longo dos últimos quatro anos; mas lembramos que esse é um número modesto, ainda que o Governo tenha sempre afirmado que é o maior número de assentamentos já realizado por qualquer governo na História do Brasil.  

É preciso, em primeiro lugar, colocar isso em termos adequados, porque, ao longo da nossa história, a maior parte dos governos fez uma reforma agrária às avessas. É interessante relembrar a nossa história a partir inclusive dos debates que estão se desenvolvendo com o lançamento de livros de História do Brasil, dentre os quais o novo livro de Eduardo Bueno, "Capitães do Brasil", que recorda o que aconteceu quando, nos anos 1530, 40, 50, o Rei de Portugal resolveu dividir o Brasil em capitanias hereditárias, concedendo aos amigos, àquelas pessoas que ele decidiu homenagear, um patrimônio simplesmente extraordinário, e para o resto da vida. Eis que 12 pessoas escolhidas pelo Rei tiveram oportunidade de receber áreas que eram, cada uma delas, superiores à de Portugal. Justamente conta Eduardo Bueno nesse livro que foi nessa época que começaram a surgir os grandes conflitos entre os portugueses que aqui nos colonizavam e os índios, que passaram a ser escravizados; a partir daí, começaram inúmeros conflitos sobre a questão da terra, afinal de contas, a terra era antes propriedade comum dos índios que aqui viviam, não havia a instituição da propriedade privada. Com isso, iniciou-se o procedimento de se delinear qual era o pedaço de terra primeiro de cada um, sendo ele simplesmente extraordinariamente grande.  

E por aí desenvolveu-se a história do Brasil. Os negros foram depois arrancados da África para virem ao Brasil e se tornarem escravos, o que fez que milhões de pessoas fossem sendo colocadas para trabalhar, como escravas, para acumular extraordinária riqueza para os proprietários que, com isso, iam tendo maiores possibilidades ainda de expandir as suas propriedades privadas. Assim, a estrutura fundiária do Brasil foi se delineando como extraordinariamente concentradora.  

Obviamente, isso constitui um dos fatores para que a estrutura fundiária brasileira, segundo os últimos dados oficiais de que disponho, do próprio INCRA, do Atlas de 1996 – porque ainda não foram atualizados de lá para cá –, mostre 2,5% dos maiores proprietários detendo nada menos do que 57% da área agricultável do País. Como, na década de 90, o IBGE mostra que houve a saída de praticamente 1 milhão de pessoas da área rural para os centros urbanos, então, dezenas, centenas de milhares de famílias, de pequenos agricultores saíram das suas áreas, que provavelmente foram vendidas para os maiores proprietários. É possível que, em que pese as 280 mil famílias assentadas durante os primeiros quatro anos de Governo, com esse outro fenômeno, o resultado líquido – que ainda não sabemos qual é – seja de maior concentração ainda. Diante desse quadro, seria natural que nós víssemos o Governo Fernando Henrique acelerar a reforma agrária em 1999, no seu quinto ano de Governo.  

Pois bem, o dado oficial que me foi dado pelo Ministro Raul Jungmann diz que, entre 1º de janeiro e 15 de setembro, foram assentadas 30 mil a 31 mil famílias, o que significa, em relação aos dados dos primeiros quatro anos do Governo Fernando Henrique, uma desaceleração. É bem verdade que o Ministro Raul Jungmann explicou-me que está ocorrendo o mesmo fenômeno dos outros anos: nos primeiros meses do ano, no primeiro semestre, as coisas não andam tão depressa porque há uma certa lentidão burocrática, uma certa desorganização, e só agora vão se acelerar, pois ele pretende cumprir a meta de assentar 85 mil famílias neste ano.  

Eu poderia até compreender esse argumento se se tratasse de um novo Governo, de um novo Ministro. Acontece que é o quinto ano do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e é o mesmo Ministro Raul Jungmann. Então, não compreendo bem porque está havendo a desaceleração.  

Gostaria de ressaltar que, na Marcha, as mil pessoas que estão viajando desde o Rio de Janeiro estão sendo muito bem recebidas em todas as cidades por onde passam, sobretudo, em Petrópolis, Juiz de Fora e Belo Horizonte - eu já tinha esta estado com eles em Areal, no Município de Itaipava. Os prefeitos de todas as cidades os têm recebido muito bem, e o próprio Governador de Minas Gerais recebeu-os no Palácio, teve um diálogo muito positivo com eles.  

Mas, em Uberlândia, o Prefeito Virgílio Galassi preferiu não os receber. Quando eu soube disso, liguei para o seu gabinete, porque queria dizer-lhe que, apesar de suas divergências com eles - afinal, em Uberlândia, tenho a consciência de que os grandes proprietários de terra o estão pressionando para não lhes dar as boas-vindas -, são pessoas que vêm de 23 Estados, estão visitando Uberlândia e gostariam de falar a ele. Diria também que, mesmo tendo um ponto de vista divergente, nada melhor do que um bom encontro, uma conversa em que as pessoas possam dizer das suas divergências; se S. Exª é um crítico do MST, dos trabalhadores rurais sem terra, que, por vezes, resolvem ocupar áreas improdutivas para mostrar a necessidade e a urgência de se fazer a reforma agrária, diga isso a eles, mas lhes dê as boas-vindas.  

Como não recebi telefonema de volta, estranhei, e disse à imprensa que estava aguardando resposta. Ontem, o Prefeito Virgílio Galassi, de Uberlândia, enviou-me um telegrama dizendo que, infelizmente, em razão de um compromisso anterior, uma audiência muito longa, não pôde atender ao meu chamado. Mas, pelo menos, S. Exª teve a gentileza de enviar-me um telegrama. E eu gostaria de lhe dizer, da tribuna do Senado, e de reiterar que quem sabe ele ainda possa recebê-los, porque os caminhantes já devem estar saindo de Uberlândia, para dizer-lhes: "– Até os chamei de vagabundos, mas eu queria mesmo era conversar com vocês." – porque ele assim os chamou quando foi pedida a audiência. Penso que seria próprio que ele transmitisse o que pensa e os ouvisse; afinal de contas, trata-se do prefeito de uma das maiores cidades de Minas, de uma das cidades que têm maior ritmo de desenvolvimento.  

O Senador Romero Jucá acaba de adentrar o plenário e percebe que o Senado, presidido pelo Senador do PMDB, Nabor Júnior, encontra-se quase que ocupado pelo PT. Por isso, S. Exª vai respirar melhor, pensando que, finalmente, o Senado tem a presença do PFL. Seja bem-vindo.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Do PSDB.  

O Sr. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Do PSDB, perdão.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Esquerda do PSDB.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Ele disse que é a esquerda do PSDB.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - A esquerda do PSDB?  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - SP) - Imagine como está a direita!  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT- SP) - Muito bem.  

Então, eu gostaria, Sr. Presidente, de ressaltar que está acompanhando essa marcha o pensador brasileiro, economista, intelectual, cientista político, César Benjamin, que me disse que já gravou 20 horas de reflexões desde a saída – porque ele está caminhando desde Petrópolis.  

Gostaria de transmitir aos meus companheiros que, infelizmente, tenho de viajar, por isso registro o meu apoio ao companheiro César Benjamin e outros membros da Marcha Popular pelo Brasil, e dizer quão importante será que nós, no Congresso Nacional, e mesmo o Governo Federal, venhamos a dar as boas-vindas aos caminhantes da Marcha Popular pelo Brasil.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/1999 - Página 24592