Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE AMPLA DISCUSSÃO SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA ELETRONORTE.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • NECESSIDADE DE AMPLA DISCUSSÃO SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA ELETRONORTE.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/1999 - Página 25755
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ATUAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE), IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE), SUBSIDIOS, ENERGIA, REGIÃO NORTE, APREENSÃO, SITUAÇÃO, POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO.
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE), CISÃO, OBJETIVO, VENDA, PARTE, LUCRO, MANUTENÇÃO, ESTADO, SETOR, PREJUIZO, ESPECIFICAÇÃO, USINA, MUNICIPIO, TUCURUI (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, GOVERNO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, PRIVATIZAÇÃO, PAGAMENTO, DIVIDA PUBLICA, INFERIORIDADE, AVALIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL.
  • NECESSIDADE, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, SOCIEDADE CIVIL, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, ELETRICIDADE, ESPECIFICAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE), FURNAS CENTRAIS ELETRICAS S/A (FURNAS), COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF).

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a ELETRONORTE, Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A, concessionária de serviços públicos de energia elétrica, foi criada, legalmente, em 1972 e constituída em 1973. A empresa atua em toda a Amazônia Legal, e isso representa 58% do território brasileiro, compreendendo os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.  

Além do suprimento de energia elétrica às concessionárias estaduais e o fornecimento aos grandes consumidores da indústria de eletrointensivos, a ELETRONORTE tem importância fundamental no desenvolvimento regional da Amazônia, pois, além da garantia da oferta de insumo de tamanha relevância, ela responde por estudos de inventários das bacias hidrográficas da região, pela viabilidade técnica, econômica e ambiental de todos os possíveis aproveitamentos hidrelétricos e pela construção e operação das usinas hidrelétricas e termelétricas. Dadas as características da região amazônica, principalmente nos anos iniciais de criação da ELETRONORTE, é possível avaliar as dificuldades encontradas pelos seus técnicos, em um verdadeiro pioneirismo na agregação do conhecimento sobre a região.  

Desde a sua criação, a ELETRONORTE construiu as Usinas Hidroelétricas de Tucuruí, Balbina, Samuel e Coaracy Nunes e as Termoelétricas de Rio Madeira, Santana, Floresta, Rio Acre e Aparecida, além do sistema de transmissão de Mato Grosso, atendendo a Cuiabá e outras importantes cidades daquele Estado e, mais recentemente, o TRAMOESTE e o Baixo Tocantins, no Pará e, também, a linha de transmissão Norte/Sul, em parceria com Furnas. A empresa absorveu, ainda, por determinação do Governo Federal, os Parques térmicos de Manaus, Belém, Porto Velho, Rio Branco, São Luís e Boa Vista, além da distribuição de Manaus, Boa Vista e do Estado do Maranhão.  

A área de abrangência da ELETRONORTE divide-se em seis sistemas: Amapá, Roraima, Manaus, Acre/Rondônia, Mato Grosso e Norte/Nordeste.  

Pois bem, com o advento da Lei 8.631/93, foram extintos todos os mecanismos que propiciavam à ELETRONORTE o ressarcimento dos subsídios concedidos pelo Governo Federal, tanto às empresas estaduais distribuidoras de energia elétrica, como para as indústrias maiores consumidoras. Antes, esses valores eram arcados por todas as empresas do setor elétrico, e não apenas pela ELETRONORTE. A lei foi aprovada, mas não cessaram tais subsídios, o que significou, a partir daí, algo como US$ 300 milhões anuais a menos nas contas da empresa. Para se ter uma idéia, a ELETRONORTE chega a vender energia por, até, seis vezes menos que os seus próprios custos de produção.  

Como se sabe, o sistema elétrico, sem a devida discussão com a sociedade brasileira, é, no momento, prioritário no Programa Nacional de Desestatização. E, como nas demais privatizações, a inclusão de qualquer empresa é antecedida do saneamento financeiro, que pode envolver aportes recursos e/ou processos de cisão, para que sejam entregues à iniciativa privada a melhor parte de cada estatal.  

A exemplo de FURNAS e da CHESF, a ELETRONORTE não foge à regra. Em maio de 1998, com a Lei 9.648, o Poder Executivo recebeu autorização para criar, objetivando a privatização, seis empresas, uma para geração, transmissão e distribuição de energia elétrica em Manaus, outra para os mesmos fins em Boa Vista, uma para geração da usina de Tucuruí, uma para geração nos Estados de Acre e Rondônia, outra no Estado do Amapá e, finalmente, uma para transmissão de energia elétrica nos sistemas interligados do Pará, do Maranhão, de Tocantins e de Mato Grosso.  

No passo da implementação do mesmo dispositivo legal, o Governo Federal decidiu que, especificamente, a criação da empresa de geração de Tucuruí deveria ocorrer através de cisão, isto é, da separação entre despesas, receitas e quadro de pessoal, criando-se uma nova empresa, com nova razão social e completamente independente da ELETRONORTE.  

Em tese, poder-se-ia imaginar uma decisão normal, movida por uma lógica puramente administrativa. Sim, não fossem os tais exemplos anteriores. O objetivo real da cisão é, exatamente, separar o que se convencionou denominar o "filé" da empresa, para transferir a parte mais lucrativa aos investidores privados, deixando o "osso" nas mãos do Estado, que o mantém, apesar dos prejuízos, ou o transfere, também, a terceiros, a preços obviamente subestimados.  

Além, disso, sabe-se que os recursos auferidos nas privatizações foram, até aqui, utilizados para fins de pagamento de juros e demais encargos da dívida pública federal. Apesar deste endividamento permanecer crescendo a taxas geométricas, ele já consumiu os US$ 70 bilhões resultantes de todos os leilões de privatizações, até a presente data. Assim, o que se arrecadar com a venda de Tucuruí, não será revertido, com certeza, para qualquer projeto de desenvolvimento regional ou, mesmo, setorial, na Amazônia.  

Mas, o pior não é a transferência de tais recursos, diretamente, para os credores internacionais. É que, todos os sistemas da ELETRONORTE, com exceção exatamente de Tucuruí, são deficitários em termos econômico-financeiros, exatamente porque a energia vendida para a indústria e para a sociedade da Amazônia é subsidiada, para incentivar o desenvolvimento regional e porque a população não tem condições de arcar com custos de geração através de usinas térmicas. Dados de 1997 dão conta de que o Sistema Amapá deu prejuízo de R$ 20,129 milhões, o Sistema Roraima de R$ 25,7 milhões, o Sistema Manaus de R$ 47,5 milhões, o Sistema Acre/Rondônia de R$ 22,8 milhões, o Sistema Mato Grosso de R$ 39,7 milhões e o Sistema Norte/Nordeste de R$ 99,5 milhões. Esses R$ 255,329 milhões totais, foram cobertos, exatamente, pela Usina de Tucuruí.  

Após a cisão, caberia à ELETRONORTE os prejuízos das demais cinco empresas criad’as a partir da Lei 9.648/98, além dos subsídios às empresas eletrointensivas e a uma população de 13 milhões de pessoas, espalhadas por 4,9 milhões de km2. Ou, a privatização de todo o sistema.  

Em agosto último, o Sr. Presidente da ELETROBRÁS apresentou à Comissão de Minas e Energia da Câmara Federal, uma nova proposta de modelagem de cisão e privatização da ELETRONORTE, contemplando a criação de quatro holdings, uma empresa de geração e uma de transmissão. Não há, na nova proposta, alterações significativas que permitam alterar o diagnóstico sobre a privatização do sistema elétrico da Amazônia e sobre os impactos sobre o desenvolvimento regional e nacional.  

O aceno do Governo Federal aos Governadores da Amazônia se dá no sentido da privatização, uma a uma, das empresas elétricas, revertendo os respectivos resultados aos Estados onde elas se localizam. Duas questões se colocam: a primeira, a falta de viabilidade econômico-financeira dessas empresas, a menos que se elimine os subsídios às indústrias e ao consumo da população, hipótese politicamente pouco provável. A outra questão é que, dado o método de avaliação das empresas estatais utilizado pelo Programa Nacional de Desestatização, os preços mínimos a serem definidos serão, com certeza, relativamente diminutos e as promessas aos Governadores resultarão vãs. Como se sabe, tal método antecipa para valores presentes os fluxos de caixa futuros das empresas, dados alguns cenários alternativos. Ora, se essas empresas são deficitárias e se os cenários não se alterarem substancialmente, os valores estimados para os preços mínimos resultarão insignificantes.  

É evidente que esse modelo sofreu críticas de instituições e técnicos envolvidos no assunto. A Federação Nacional dos Urbanitários, por exemplo, concluiu que a cisão de Tucuruí traria, entre outras as seguintes conseqüências:  

1. A desestruturação do setor elétrico na Amazônia.  

2. A degradação dos parques térmicos dos estados do Acre, Rondônia, Roraima e Amapá, trazendo, como conseqüência, ocorrências de freqüentes blecautes nestes estados, com sérios impactos na sociedade local.  

3. A degradação do parque térmico da capital do Estado do Amazonas, trazendo como conseqüência, um forte racionamento de energia elétrica em Manaus, polo importante de geração de emprego, farte ao grande parque industrial existente e com possibilidades de expansão;  

4. A insolvência das novas empresas geradoras de base térmica a óleo combustível, com aumento do nível de desemprego na região;  

5. A total incapacidade de investir, tanto com recursos próprios, por não os ter, como com recursos de terceiros, por não ter capacidade de geração de caixa para pagá-los, em melhorias no sistema elétrico da Região Norte;  

6. A grande probabilidade de não haver recursos para honrar o pagamento dos salários dos trabalhadores e as obrigações sociais, trazendo, como corolário, o desemprego e a miséria.  

Por todas essas questões, julgo imprescindível uma discussão mais ampla sobre a privatização do setor elétrico brasileiro, e, em particular para nós, representantes da Amazônia, sobre um modelo energético que anteceda qualquer reestruturação do sistema elétrico da região.  

Aliás, esse debate não deveria se circunscrever a casos isolados de privatização de unidades hidrelétricas específicas. Há que se discutir a própria decisão política de incluir o sistema elétrico no programa de privatizações, sem que a sociedade brasileira pudesse opinar, através do Congresso Nacional ou de outras representações legítimas, sobre a alienação de atividade de tamanha importância estratégica. É bom lembrar que, nos Estados Unidos, o setor elétrico permanece, na sua quase totalidade, nas mãos do Estado, principalmente sob o controle das forças armadas americanas. Aqui, as nossas melhores unidades de geração e de transmissão de energia são incluídas no programa, como qualquer outra atividade, a título de " fazer caixa".  

É por isso que, às reações mais contundentes contra as privatizações de Furnas e da Chesf, também antecedidas de processos de cisão, devemos somar todos nós, representantes da Amazônia, em torno da necessidade de uma profunda discussão sobre a privatização da ELETRONORTE. Não se trata de uma questão de cunho regionalista. É uma questão de soberania nacional.

 

Era o que eu tinha a dizer,  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/1999 - Página 25755