Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.

Autor
Maguito Vilela (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Luiz Alberto Maguito Vilela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Edison Lobão, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/1999 - Página 26866
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, ANTONIO VIEIRA, SACERDOTE, VULTO HISTORICO, ASSUNTO, FOME, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, ORADOR, EPOCA, EXERCICIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE GOIAS (GO), DESTINAÇÃO, PERCENTAGEM, ORÇAMENTO, DISTRIBUIÇÃO, ALIMENTOS, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • DENUNCIA, FALTA, DECISÃO, POLITICA, ERRADICAÇÃO, FOME, BRASIL, ATUAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, SENADO, COMBATE, POBREZA, VISITA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, ao cumprimentar todas as autoridades aqui presentes, os representantes da FAO no Brasil, Richard Fuller, Dr. Flávio Luiz Valente, cumprimento o Senador Osmar Dias, a Senadora Marina Silva e outros Senadores pela feliz iniciativa deste requerimento, para que pudéssemos hoje comemorar o Dia Mundial da Alimentação. É realmente importante, e já ouvimos hoje a própria Senadora Marina Silva, o Senador Ney Suassuna e D. Mauro Morelli falando, naturalmente, sobre o Dia Mundial da Alimentação.  

Gostaria de iniciar as minhas palavras usando as palavras do Pe. Antônio Vieira, sacerdote jesuíta que proferiu este sermão na Matriz da Cidade de São Luís do Maranhão, no ano de 1657. É interessante este sermão pregado pelo Pe. Antônio Vieira na quarta dominga da Quaresma.  

Acho que, depois deste sermão do Pe. Antônio Vieira, muitos vão entender programas sociais que, às vezes, são chamados de assistencialistas. Refiro-me a um dos documentos mais lindos que já li na minha vida. Vejam como iniciou Pe. Antônio Vieira:  

Bem me podeis ouvir hoje desassustadamente, por que vos hei de pregar muito à vontade...  

A maior pensão com que Deus criou o homem é o comer. Lançai os olhos por todo o mundo, e vereis que todo ele se vem a resolver em buscar o pão para a boca. Que faz o lavrador na terra, cortando-a com o arado, cavando, regando, limpando, semeando? Busca pão [para comer].  

Que faz o soldado na campanha, carregado de ferro, vigiando, pelejando, derramando o sangue? Busca pão [para comer]. Que faz o navegante do mar, içando, amainando, sondando, lutando com as ondas e com os ventos? Busca pão [para comer]. O mercador nas casas de contratação, passando letras, ajustando contas, firmando companhias? [Busca pão para comer.] O estudante nas universidades, tomando postilas, revolvendo livros, queimando as pestanas? [Busca pão para comer.] O requerente nos tribunais, pedindo, alegando, replicando, dando, prometendo, anulando? Busca pão. Em buscar pão se resolve tudo, e tudo se aplica ao buscar. Os pobres dão pelo pão o trabalho; os ricos dão pelo pão a fazenda; os de espíritos generosos dão pelo pão a vida; os de espíritos baixos dão pelo pão a honra; os de nenhum espírito dão pelo pão a alma, e nenhum homem há que não dê pelo pão e ao pão todo o seu cuidado. Parece-vos que tenho dito muito? Pois ainda não está discorrido tudo.  

Tirai o pensamento dos homens. Lançai-o por todas as outras causas do mundo. Achareis que todas elas estão servindo a este fim, o sustento humano. A este fim nascem as ervas, a este fim crescem as plantas, a este fim florescem as árvores, a este fim produzem e amadurecem os frutos, a este fim trabalham os animais domésticos em casa, a este fim pascem os mansos no campo, a este fim se criam silvestres nas brenhas, a este fim os do mar e os dos rios nadam em suas águas, enfim, tudo o que nasce e vive neste mundo, a este fim vive e nasce. Que digo eu; o que vive e o que nasce? Os elementos que são viventes e a este mesmo fim cansamos e fazemos trabalhar os próprios elementos.  

De maneira, senhores, que a ocupação do Céu e da Terra, e de todo este mundo, a maior pensão, o maior cuidado, e o maior trabalho dos homens, é buscar o pão para a boca. Pois isto, porque todos trabalham, hei-de ensinar hoje o modo, com que se possa alcançar sem trabalho. Todos os homens querem ter pão, e muito pão dous alvitres lhes trago hoje para isso, um para terem pão, outro para terem muito. Esta será a matéria do sermão. Como é toda do corpo perecerá a alguém, que não é necessário pedir graça para ele; antes é o contrário; nenhuma matéria tem mais necessidade de graça que aquelas que têm mais de corpo. Peçamo-la ao Espírito Santo por intercessão da Senhora. Ave Maria"  

E continua o Padre Antônio Vieira: "Bem sei que há muita caridade nesta terra, mas não posso deixar de estranhar uma muito grande falta que aqui há. É possível que numa cidade tão nobre, e cabeça de um estado, não haja um hospital, e que a Misericórdia não sirva mais que de enterrar os mortos?  

Vede o que há-de dizer Cristo no Dia do Juízo: "Vinde benditos de meu Pai para o reino que vos está preparado desde toda a eternidade. Porque tive fome e me destes de comer, tive sede, e me destes de beber, fui peregrino, e me acolhestes, estive nu, e me vestistes, enfermo, e me visitastes..."  

Vai além o sermão do Padre Antônio Vieira, um dos mais belos que já li em toda a minha vida.  

Tendo em mente essas palavras, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, temos que fazer reflexões profundas neste dia mundial da alimentação. Eu quero voltar aqui aos idos de 1994, quando assumi o governo de Goiás. Muitos diziam que o meu programa de governo era inteiramente fictício e que nunca poderia ser realizado. As elites tentaram torpedear os programas sociais implantados em Goiás; nem mesmo a Justiça ou o Poder Legislativo acreditava nos programas sociais que nós lançamos. Nada obstante isso, eu, como governador, acreditei nos programas sociais e religiosamente, durante todos os meses de meu mandato, entregamos milhões e milhões de cestas de alimento a 147 mil famílias carentes daquele estado.  

Por quê? Porque nós não concordamos com a fome. A fome humilha, a fome envergonha, a fome nos diminui enquanto seres humanos, a fome come a vida. A fome é o pior mal que existe sobre a face da terra. Eu gastei R$6 milhões por mês para matar a fome dos goianos durante os quatro anos do meu governo, destacando para tanto 5% do orçamento daquele estado. Podia faltar dinheiro para a Justiça - e chegou a faltar -, para o Poder Legislativo ou para outras instituições, mas para os famintos, durante o meu governo, nunca faltou o dinheiro que reservei, os 5% do orçamento.  

Srs. Senadores, Srª vice-presidente da minha Comissão, Senadora Marina Silva, sabem por que nunca deixei que uma família passasse fome durante o meu governo, entregando-lhe leite, pão e isentando-a do pagamento da energia e da água? Vou revelar aqui e agora: porque neste País ninguém é capaz de encontrar um bezerro, um animal passando fome nas periferias de qualquer fazenda, de qualquer chácara, de qualquer cidade. Se alguém encontrar um bezerro passando fome neste País, renuncio ao meu mandato de Senador. Não encontra. O bezerro nasce, o fazendeiro vacina, dá ração e alimenta até o último dia, antes de ele ir para o matadouro. Não existe um animal irracional, criado nas fazendas, nas chácaras, nos sítios ou mesmo abandonados passando fome neste País.  

O mesmo não se pode dizer com relação a seres humanos. Crianças, homens e mulheres, velhinhos e velhinhas que deram a vida por este País podem ser encontrados nas periferias, nas calçadas, nas ruas ou nas sarjetas morrendo de fome. Foi por isso que um dia tomei essa decisão. Se não temos um bezerro abandonado neste País, passando fome em qualquer lugar, por que haveremos de deixar homens, mulheres, idosos e crianças a passar fome nas ruas, nas sarjetas das nossas cidades? Foi por isso, não por assistencialismo, nem por demagogia política que instituí os programas sociais em Goiás.  

Por essa razão, hoje estou muito à vontade para dizer que o problema da fome no Brasil é decorrente da falta de decisão política, de coragem cívica e de sensibilidade humana daqueles que comandam este País.  

Já disse D. Mauro Morelli e vou repetir suas palavras: nós seremos capazes de acabar com a fome no Brasil em um ano se quisermos. Basta querermos, basta tomarmos essa decisão política. Um dia essa decisão política há de ser tomada neste País.  

Srªs e Srs. Senadores, precisamos refletir muito neste dia dedicado mundialmente à alimentação.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me um aparte, Senador Maguito Vilela?  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Com muito prazer, Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Cumprimento-o pelo seu pronunciamento quando aqui recorda as belas palavras de Padre Vieira, bem como a reflexão hoje aqui externada por D. Mauro Morelli. É, de fato, extremamente importante assegurarmos a todos os brasileiros, sobretudo às crianças, uma alimentação. Mas não apenas uma simples ração, devemos encontrar meios para que tenham uma alimentação gostosa e que, inclusive do ponto de vista regional, esteja de acordo com os hábitos dessas crianças, desses seres humanos. Só assim, essas pessoas poderão se desenvolver. Gostaria também de cumprimentá-lo pela energia com que V. Exª vem desenvolvendo o seu trabalho à frente da presidência da Comissão Mista que examina as causas da pobreza e procura soluções para erradicá-la. Tenho percebido a vontade sincera de V. Exª de encontrar as soluções para resolver o problema de tanta desigualdade neste País, e assegurar que todas as pessoas partilhem da riqueza desta Nação, estejam com o suficiente para suprir as suas necessidades vitais. Espero, Senador Maguito Vilela, que possamos chegar a essa conclusão: que é perfeitamente possível e está ao nosso alcance, já no ano 2000, erradicar a fome e a miséria. É possível fazer isso no prazo exíguo de um ano. Isso depende, porém, de convencermos todos os nossos pares no Congresso Nacional e depende, sobretudo, de convencermos o Presidente Fernando Henrique Cardoso e a sua autoridade econômica principal. A propósito, Presidente da Comissão Mista: gostaria de aqui propor que V. Exª, tendo em vista que nas próximas segunda, terça e quarta-feira a comissão oficialmente visitará os municípios de Pernambuco, de Alagoas e do Ceará onde a pobreza, a miséria encontra-se em estado gravíssimo, em nome de todos os membros da Comissão, convide o Ministro Pedro Malan a nos acompanhar nessa visita. E cito São José da Tapera, Município de Alagoas, onde o índice de mortalidade infantil é o mais alto, que o Ministro possa nos acompanhar para que possamos ouvir os anseios, as angústias, os reclamos, as sugestões e, em conjunto, possamos pensar sobre a melhor solução para o problema. Por que razão, conforme assinalou D. Mauro Morelli, o Brasil tem que estar pagando uma proporção tão alta dos recursos do Tesouro Nacional para o serviço da dívida interna e externa e não para acabar com a fome e a condição de miséria da nossa população? Meus cumprimentos a V. Exª.

 

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Maguito Vilela, penso que a homenagem que o Senado presta ao Dia Mundial da Alimentação veio em boa hora. De fato, não há desgraça maior na vida das pessoas do que a fome. Não conheço outra superior a essa. Todos somos sensíveis a essa situação que ocorre no Brasil e no mundo inteiro, pois 1/4 da população mundial se encontra nessa situação de tragédia. Estou convencido de que todo o Senado da República pensa dessa maneira, assim como também pensa o Governo. O Ministro Pedro Malan, ainda há pouco referido pelo Senador Eduardo Suplicy, tem sensibilidade igual a nossa, sofre tanto quanto nós com as dificuldades do povo pobre do nosso País, e trabalha intensamente no sentido de superar as dificuldades que ainda existem. Quanto ao programa que V. Exª fez no seu Estado, posso dizer com segurança que é um programa admirável, pois estive lá e presenciei, e deveria ser repetido em todos os Estados da Federação brasileira.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, peço um pouco de paciência, porque esse tema é realmente palpitante e não poderia deixar de conceder o aparte ao nobre Senador Casildo Maldaner.  

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - O tema é palpitante, mas o tempo já está ultrapassado.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Serei breve, Senador Maguito Vilela. Desde o início, quando V. Exª assumiu uma cadeira nesta Casa, vem defendendo temas importantes como esse de hoje. Diz muito bem o Senador Suplicy, acertou-se em colocar V. Exª na Presidência da Comissão Mista da Pobreza nesta Casa. E quando se levanta a questão da satisfação de uma necessidade biológica para que a pessoa possa viver, concordo com a Senadora Marina Silva quando diz que deveria ser criado um novo conceito de cesta básica, incluindo não só a alimentação, mas também a educação, o trabalho, a moradia e o lazer. Por isso, cumprimento V. Exª neste instante.  

O SR. MAGUITO VILELA (PMDB - GO) - Agradeço o Senador Edison Lobão, o Senador Casildo Maldaner e o Senador Eduardo Suplicy pelos apartes que reforçam muito o meu pronunciamento.  

Estaremos no Ceará, Alagoas e Pernambuco, na próxima semana, visitando as cidades mais pobres deste País. É lógico que poderia convidar o Ministro, mas sei que, neste momento, seria quase impossível. Mas o importante é que nós, que conhecemos realmente esse problema, juntemo-nos a todos os Senadores da República, a todos os Deputados Federais, ao Presidente da Câmara, ao ilustre Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães, que fez com que todo o Brasil discutisse esse assunto, a fim de que possamos encontrar a solução para que o orçamento social tão desejado por todos nós seja uma realidade, podendo, assim, acabar com a fome e reduzir a pobreza neste País. Penso que esse é o grande desafio de todos nós neste final de século, neste final de milênio.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

S


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/1999 - Página 26866