Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DO BENEFICIO DE TARIFA SOCIAL MINIMA COMO CONDIÇÃO PARA PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO SETOR DE DISTRIBUIÇÃO DE AGUA E COLETA DE ESGOTOS.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • IMPORTANCIA DO BENEFICIO DE TARIFA SOCIAL MINIMA COMO CONDIÇÃO PARA PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO SETOR DE DISTRIBUIÇÃO DE AGUA E COLETA DE ESGOTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/1999 - Página 27165
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANUNCIO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA, ABASTECIMENTO DE AGUA, COLETA, TRATAMENTO, ESGOTO, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • APREENSÃO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA DE AGUA E ESGOTO, PERDA, SUBSIDIOS, TARIFAS, POPULAÇÃO CARENTE, REGISTRO, CORTE, ENERGIA ELETRICA, FAMILIA, POSTERIORIDADE, DESESTATIZAÇÃO.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, DECISÃO TERMINATIVA, COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, SENADO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, DESCONTO, POPULAÇÃO CARENTE, TARIFAS, ENERGIA ELETRICA, DEFESA, AMPLIAÇÃO, BENEFICIO, SERVIÇO PUBLICO, AGUA, ESGOTO, ANTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, SETOR.
  • SUGESTÃO, AUMENTO, GOVERNO, CAPITAL SOCIAL, EMPRESA DE AGUA E ESGOTO, ANTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, OBJETIVO, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, MELHORIA, SANEAMENTO.

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o discurso que o Senador Nabor Júnior acaba de proferir, expressando as suas preocupações em relação à privatização das estruturas produtoras e distribuidoras de energia elétrica na Região Amazônica, de certa forma relaciona-se com as preocupações que também desejo trazer agora em torno de questões semelhantes.  

Está em curso a preparação de uma nova etapa de privatizações no País, envolvendo as empresas distribuidoras de água e dos serviços de coleta e tratamento de esgotos, sejam estaduais ou municipais.  

Não creio que seja mais oportuno reabrir feridas mal cicatrizadas ainda em torno das críticas que, em cada Estado, inclusive no meu, se fizeram ao processo de privatização das distribuidoras de energia elétrica.  

Acredito que se pode dizer, com relação aos programas de privatização até aqui realizados, sem que isso possa ofender a quem quer que seja, que, vendendo os ativos, os governos estaduais obtiveram caixa para financiar gastos públicos que, no mínimo, podem ser considerados discutíveis e cuja prioridade pode ser considerada controversa.  

Agora, pretende-se partir para a privatização das empresas de água e esgoto.  

Penso que é meu dever trazer à Casa algumas preocupações que tenho com relação a essa questão. Em primeiro lugar, estamos vivendo um momento em que, cada dia mais, na consciência das pessoas de responsabilidade no País, há o nosso compromisso, o nosso dever, a nossa obrigação de encontrar caminhos que tornem menor o sofrimento das comunidades excluídas, dos miseráveis, dos indigentes da nossa sociedade. Cada dia mais, há a necessidade de encontrar caminhos para vencer esse desafio. Essa vergonha do nosso tempo constitui um peso, um grito veemente, presente na consciência de todos nós.  

Com relação a esse aspecto, não se pode esquecer a experiência ocorrida exatamente com os consumidores de baixa renda após a privatização dos serviços de distribuição de energia elétrica. Havia, no Brasil, uma tarifa social antes das privatizações. No entanto, a mudança sucessiva de critérios foi tornando quimérico, ilusório e enganoso aquele benefício, o privilégio assegurado às famílias de baixa renda de terem a sua energia suprida a um preço simbólico.  

Após as privatizações, segundo a norma vigente, a tarifa social ainda existe, mas, na verdade, em última instância, é a companhia distribuidora de energia elétrica quem decide qual é o consumidor a ser incluído entre os beneficiários da tarifa social.  

Contei há poucos dias, Sr. Presidente, na reunião da Comissão de Infra-Estrutura, um fato muito curioso que me relatou um engenheiro da Aneel que foi ao Piauí realizar uma fiscalização e que, por determinação superior, examinou também a aplicação da tarifa social naquele Estado. Lá, inteirou-se dos critérios que já estavam aprovados pelo ente nacional que gerencia o assunto. Quais são os critérios para que um consumidor seja considerado de baixa renda? Os critérios são tais que o engenheiro me disse ter voltado do Piauí convencido de que ali não há ninguém pobre.  

Na verdade, estou dizendo isso porque as famílias humildes, que não tinham condições de ligar a energia elétrica, de puxar os fios da rua para as suas casas, precisaram de um programa governamental que lhes abrisse as portas para esse benefício do recebimento de energia elétrica. Entre as famílias pobres, sem condição de custear a simples ligação da energia elétrica às suas casas, e que receberam esse serviço mercê de programas governamentais que as dispensavam dessa despesa, algumas conseguiram depois comprar uma geladeira usada, a prestação, para que a dona da casa faça um sorvete ou um picolé que o seu filho venderá na rua, com isso, melhorando a renda familiar; ou para fazer um engomado para fora com ferro elétrico; ou para costurar, enfim. A energia elétrica passou a ser usada não apenas para clarear a sala das casinhas humildes, mas como uma ferramenta capaz de diminuir um pouco a pobreza daquela família, trazendo assim um benefício real para uma família brasileira anônima.  

Após as privatizações, a tarifa social transformou-se em uma ficção. Continuou existindo, mas a conta que passou a chegar na casa da família de baixa renda saiu de R$2,00 ou R$3,00 reais por mês para R$30,00, R$35,00 ou R$40,00. Sem poderem pagar a nova conta, essas famílias ficaram apenas vendo a sua energia ser cortada.  

Foi isso que inspirou a apresentação que fiz ao Senado Federal, com o apoio do Senador José Agripino e de vários outros Srs. Senadores, de um projeto instituindo a tarifa social, que tenho a alegria de comunicar ao Plenário que já foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Infra-Estrutura. E, não havendo, como espero que não haja, recurso para apreciação pelo Plenário, acredito que, na próxima semana, estará a caminho da Câmara dos Deputados.  

Estou contando essa história para que a Casa se aperceba de que, se nada for feito, o drama que viveram essas famílias com a privatização das distribuidoras de energia elétrica vai repetir-se com a privatização das empresas distribuidoras de água e provedoras dos serviços de saneamento.  

Então, creio que é exatamente este o momento apropriado para se trazer uma contribuição que evite isso. Pretendo propor à Casa, como uma proposição a tramitar regularmente, mas propor também à comissão que estuda as causas da pobreza no Brasil que recomende a quem de direito os cuidados que passo a expor.  

Primeiro: que se faça agora, antes de se iniciar a privatização, enquanto essas estruturas são públicas, um cadastro dos usuários dos serviços de água e esgoto no Brasil que pagam tarifa mínima e que esse cadastro contenha dados relativos a pelo menos três anos passados. Assim procedendo, evita-se a tentação - compreensível - de se mudar a regra do jogo agora para que a lista das pessoas fique menor. Feito esse cadastro com dados discriminados para cada cidade deste País, ficaria estabelecida, nos contratos de privatização que viessem a ser celebrados, a obrigação de o investidor que assumisse o controle acionário dessas entidades manter a tarifa mínima pelos serviços de água e esgoto para aqueles que hoje a pagam. Além disso, seria também inscrita uma cláusula contratual condicional da privatização estabelecendo os critérios para que futuros usuários que neles se encaixarem tenham também assegurada a tarifa mínima.  

Agora, há um outro aspecto para o qual eu pediria a atenção da Casa, porque tenho certeza de que talvez possa lançar luz sobre um desafio que temos, todos nós, em relação à questão do abastecimento de água e esgoto no Brasil.  

Não há nenhum estado brasileiro, nenhum, do mais pobre ao mais rico, que possa dizer que toda a sua população está servida de água de qualidade, água pura, sadia, garantida, e de serviços de esgoto adequados, capazes de representarem um equipamento protetor da sua saúde. Nenhum estado brasileiro oferece a todos os seus habitantes esses serviços. Isso quer dizer que, em todos os estados do Brasil, ainda há necessidade de se realizarem grandes investimentos em água e esgoto.  

E o que se pretende fazer agora nesta etapa de privatização? Vendem-se as empresas, vende-se o ativo de que o Poder Público dispõe naquela empresa, o estado, o município recebe o dinheiro pago pelo investidor e vai, com esses recursos, fazer caixa e, esperemos, dar a esse dinheiro o melhor destino possível.  

Sem prejuízo da privatização da empresa, penso, entretanto, que o caminho não deveria ser esse. A sugestão que quero fazer é no seguinte sentido: se se deseja privatizar uma empresa de água e esgoto, que se defina qual é o montante do seu capital atual - se for necessário reavaliar, que se reavalie e atualize. Este será o valor do ativo que poderá ser vendido.  

Uma vez definido esse valor do ativo, cada controlador atual - o ente público que hoje controla essas empresas -, em vez de vendê-lo ao investidor estrangeiro, chamará um aumento de capital social por meio da emissão de ações novas em um montante tal que quem as comprar passe a ser um acionista maior do que o Estado. Se um patrimônio vale R$ 200 milhões, será feito um aumento de capital de pelo menos R$201 milhões, de tal modo que quem comprar as novas ações ficará com mais ações do que o proprietário atual, o que lhe garantirá o controle acionário.  

Por que penso que essa seria uma alteração importante? Ora, poder-se-ia usar de duas formas o dinheiro que um grupo estrangeiro viesse a pagar, hoje, para adquirir o controle de uma empresa de água e esgoto. Esse dinheiro seria entregue ao caixa do Tesouro, permitindo que o estado ou o município se retirassem da empresa. Ou, de outra forma, os recursos se destinariam, realmente, ao caixa da empresa prestadora de serviços. Como esse dinheiro não seria oneroso, não seria dinheiro emprestado, dinheiro a pagar - seria dinheiro que chegaria de fora para comprar ações de uma empresa brasileira - recursos novos estariam entrando no Brasil sem onerar a dívida pública, estariam entrando para financiar esses investimentos que faltam para se levar água e esgoto à casa de quem não os tem.  

Em outras palavras: o que estou propondo é que o Poder Público, se quer privatizar - embora eu pense que esse tipo de serviço não deveria ser privatizado -, que pelo menos transforme essa privatização numa oportunidade de captar recursos que vão resolver ou ajudar a resolver um problema reconhecidamente grave. Se alguém me disser que em algum estado, em algum município não existe necessidade de se gastar mais dinheiro para ampliar os serviços de água e de saneamento, tudo bem, o Governo poderá direcionar os recursos para outros investimentos. Eu não tenho nada contra isso. No entanto, não se pode admitir que em estados que têm apenas 10%, 15%, ou 20% da sua população servida de água e esgoto o Governo se retire. Se o investidor estrangeiro, interessado nesse ramo de atividade, está disposto a aplicar alguns milhões de reais que poderiam ser utilizados na ampliação do abastecimento d’água, na ampliação do serviço de saneamento, não se pode admitir que, em vez disso, esse dinheiro sirva apenas para pagar a retirada do Poder Público dessa atividade.

 

A sugestão que faço, portanto, além de permitir mobilizar recursos não onerosos para o financiamento de programas de água e esgoto - e que, portanto, em nada agravam esse triste problema da dívida pública no Brasil -, traz consigo uma outra vantagem. É que o Estado é, de certa forma, obrigado a permanecer, ainda que sem o controle acionário, com o direito e o dever de exercer a sua vigilância dentro dessas entidades que, afinal de contas, prestam um serviço público que tem a ver não apenas com o conforto das pessoas, mas tem a ver com a vida dos nossos concidadãos.  

Inspirado pelo pronunciamento do Senador Nabor Júnior e pelas suas preocupações, eu quis, também, trazer as minhas a esta Casa na manhã de hoje com relação à privatização das empresas de água e esgoto.  

Obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/1999 - Página 27165