Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A CRIAÇÃO DE ESCOLAS DE MEDICINA NO PAIS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. ENSINO SUPERIOR.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A CRIAÇÃO DE ESCOLAS DE MEDICINA NO PAIS.
Aparteantes
Ernandes Amorim, Moreira Mendes.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/1999 - Página 28448
Assunto
Outros > SAUDE. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, CONSELHO REGIONAL, MEDICINA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OPOSIÇÃO, ABERTURA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FORMAÇÃO, MEDICO.
  • LEITURA, DOCUMENTO, ASSOCIAÇÃO MEDICA, BRASIL, AUTORIA, ANTONIO CELSO NUNES NASSIF, PROFESSOR, DESTINAÇÃO, MEDICO, AUTORIDADE, AREA, EDUCAÇÃO, SAUDE, ASSUNTO, REQUISITOS, CRIAÇÃO, FUNCIONAMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MEDICINA.
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, ENSINO SUPERIOR, REGIÃO NORTE, SAIDA, BRASILEIROS, ESTUDO, MEDICINA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, INFERIORIDADE, NUMERO, MEDICO, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, AUMENTO, CONTROLE, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, MEDICINA, BRASIL, CRITICA, FECHAMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, OBJETIVO, RESTRIÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não me manifestei quando do pronunciamento do Senador José Roberto Arruda, em função de não ter qualquer informação prévia sobre a matéria veiculada na revista Veja. Eu aguardo informações para fundamentar minha manifestação em relação ao seu pronunciamento, que é uma resposta dura, a meu ver, à figura política e pública do ex-Governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque. Acredito que o nosso Partido também se manifestará de maneira oportuna sobre o assunto.  

O que me traz à tribuna do Senado Federal é a preocupação com um assunto que está na ordem do dia do Conselho Regional de Medicina de São Paulo e da Associação Médica Brasileira, e que interessa a todos os médicos do Brasil, a todos os profissionais de saúde do Brasil: a criação ou não de novas escolas de Medicina no nosso País.  

Lembro ao Senado Federal que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que tem uma trajetória de grande responsabilidade e maturidade política e de formação, tem tratado o assunto de maneira clara e objetiva, estabelecendo de maneira contundente que é contrário à criação de novos cursos de Medicina no Brasil. Há até uma frase que julgo exagerada, que extrapola a razão normal de um conselho regional de Medicina, segundo a qual "novas escolas de Medicina fazem mal à saúde."  

Confesso que não entendo bem a razão desse slogan, dessa frase, e prefiro imaginar que haja um inconformismo, um incômodo muito grande do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em relação à abertura exagerada e inconseqüente de novas escolas médicas no País, que tenta, com a seriedade dos seus conselheiros, apontar um caminho de mais responsabilidade, de mais coerência e mais qualidade na hora de se tratar deste assunto. Acredito ser esse o posicionamento do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, gostaria de me reportar a um documento, deste ano, muito útil e extremamente importante, que a Associação Médica Brasileira apresenta para os médicos do Brasil, para as autoridades de educação e saúde do Brasil, falando sobre os requisitos mínimos para a criação e funcionamento de escolas de Medicina, que diz o seguinte:  

A Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), bem como o Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, proporcionaram condições extremamente liberais para que os Estados e Municípios pudessem decidir livremente sobre a criação de escolas de medicina e outras na área de saúde. A competência da União, fixada no art. 10, inciso IX, da LDB, foi limitada exclusivamente ao sistema federal de ensino superior. Com isto, nos dois últimos anos, quase uma dezena de novas escolas médicas foram criadas e outras caminham a passos largos, sem a imprescindível necessidade social de cursos.  

Desta forma, a Associação Médica Brasileira empenhou-se em apresentar ao MEC uma contribuição decisiva para disciplinar a abertura de cursos médicos, ao mesmo tempo em que busca encontrar um caminho para que a Lei seja alterada. Para isso espera contar com o apoio do Ministério da Educação e de todo o Congresso Nacional.  

No primeiro Documento do Ensino Médico, editado pela AMB em 1990, a Professora Alice Reis Rosa já conclamava: "Somente sejam criadas escolas de Medicina em condições que lhes permitam promover adequada capacidade dos graduados. É este o primeiro dos procedimentos indispensáveis ao esforço de oferecer médicos competentes à sociedade."  

Este documento elaborado pelos membros da Comissão de Ensino Médico e Pós-Graduação da Associação Médica Brasileira não pretende analisar todos os requisitos para o funcionamento de uma escola de Medicina, mas, de forma sintética, ordenar as exigências imprescindíveis que devem constar de norma jurídica - incluindo sugestões de texto de Lei e Portaria Interministerial - a serem discutidas e aprovadas com base em subsídios adicionais.  

Somente com cursos de graduação capazes de preparar profissionais de sólida formação técnica, ética e humanitária é que poderemos assegurar melhor qualidade na assistência à saúde no Brasil."  

O documento é assinado pelo Professor Antonio Celso Nunes Nassif, figura marcante da trajetória de luta da AMB por qualidade de assistência neste País, e encerra com uma frase de Montesquieu, que diz: "Uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa."  

De acordo com a proposta da AMB, definem-se seis perfis: o objetivo do projeto, os recursos humanos necessários, o corpo discente, os recursos físicos, o corpo administrativo e o corpo profissional.  

Sr. Presidente, este é um assunto de enorme importância para o nosso País e diz respeito à representatividade dos profissionais de saúde e ao interesse pelo seu futuro de vinculação ao trabalho que tanto o honra, porque a alma do homem é o seu trabalho. Ao mesmo tempo, há uma grande preocupação de não incorrermos em preconceitos, em uma atitude que possa discriminar a formação em saúde em algumas regiões deste País.  

Tanto eu como o nobre Senador Moreira Mendes já registramos neste plenário uma afirmação do Embaixador da Bolívia no Brasil de que há 8 mil estudantes brasileiros fazendo cursos na área de saúde e outras, cursos que não estão sendo julgados, não passam por um juízo crítico, por uma análise, um critério de qualidade. Ao mesmo tempo, na Amazônia brasileira, temos inúmeros Municípios, de até 20 mil habitantes, onde não dispomos ainda de nenhum médico residente.  

Portanto, há que se questionar qual é a necessidade e qual o melhor caminho para se tratar deste assunto. Pessoalmente, entendo que a Associação Médica Brasileira ainda não tem claro se é o número de médicos que é excessivo ou se é a população que não tem condições de acesso à assistência médica. Não estamos oferecendo ao médico o necessário, o básico, para ele se inserir como cidadão, como um profissional responsável pela vida humana e pela qualidade de vida da nossa população.  

Temos hoje uma carência extrema de especialistas em áreas de grande necessidade. Podemos citar a área de geriatria. Teremos daqui a pouco 34 milhões de idosos no País e não temos profissionais preparados e nem sendo formados para isso. Temos 32 milhões de pessoas alérgicas e não temos especialistas preparados para atender a essas pessoas. Mais de 80% dos municípios brasileiros não têm a figura do cardiologista, do neurocirurgião, do endocrinologista, de uma série de médicos com especialidades fundamentais à saúde da população.  

Portanto, fazemos este questionamento à AMB, aos Conselhos Regionais de Medicina, ao Conselho Federal de Medicina: qual é a necessidade do profissional que temos? Qual é o perfil do profissional que queremos colocar à disposição do povo brasileiro, que esteja inserido na sociedade e tenha a capacidade de exercer com dignidade a sua profissão?  

Não podemos olhar para o médico como uma peça de mercado. Isso é ferir toda a história da saúde pública brasileira, da saúde pública universal, da Medicina, que tem uma das mais belas histórias a mostrar para a humanidade. Não podemos tratar o médico apenas como uma peça, deixando que o dinheiro, a força do capital, determine quem deve ou não entrar no mercado para o exercício profissional.  

Peço que a AMB faça uma reflexão muito profunda sobre esse assunto. Cuba trabalha com um médico para cada 200 pessoas, e as escolas não sofreram nenhum abalo. A área de formação médica continua a prosperar tranqüilamente, tentando atender à vocação e à necessidade populacional. O nosso País tem o dever de não deixar as suas regiões desprotegidas, de ter uma política de grande alcance e de atenção às necessidades de saúde da população e, ao mesmo tempo, de se colocar numa condição em que o dinheiro seja o menos importante na escala de valores, e o papel do salvador de vidas tenha toda a atenção, para determinar uma política que possa mudar os indicadores de doença e de mortalidade no País.  

Imagino que estamos num momento muito especial. Não discordo do ponto de vista de que devemos nos preocupar com o surgimento de novas escolas médicas. E a AMB é muito feliz quando estabelece critérios muito exigentes para a abertura de novas escolas. Deveríamos talvez fechar a metade das escolas médicas do País, porque não oferecem condições mínimas para a formação de um profissional qualificado e pronto para contribuir com a sociedade. Mas não simplesmente fechar, pensando restritivamente no mercado de trabalho.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - V. Exª me concede um aparte, Senador Tião Viana?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao nobre Senador Moreira Mendes.  

O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Nobre Senador Tião Viana, V. Exª ocupa a tribuna mais uma vez com a competência e o conhecimento que lhe são peculiares. Desta feita, traz ao debate uma questão de extrema importância para a Região Norte, sobretudo para os Estados de Rondônia, Acre, Roraima e Amapá: a dos cursos de Medicina. Os estudantes rondonienses, acreanos e mato-grossenses são obrigados a procurar universidades bolivianas porque não encontram espaços em nossos Estados. Ainda há pouco li em meus manuscritos os levantamentos que fiz, porque hoje pensava em proferir aqui um pronunciamento exatamente nessa esteira de raciocínio, da necessidade da criação de cursos de Medicina, de Veterinária, de Enfermagem na Região Norte. Pode ser que o Sul e o Sudeste tenham excesso de médicos - não sei, ouço informações sobre isso -, mas nós, da Região Norte, certamente temos dificuldades com essa mão-de-obra especializada. Tanto é verdade que, no exercício da atividade de Parlamentar, tenho encaminhado vários pedidos de prefeituras do interior do meu Estado ao Ministério do Trabalho, com o fim de regularizar a situação de médicos estrangeiros, sobretudo peruanos e bolivianos, para prestarem serviços nessas localidades distantes. É um contra-senso. No Brasil, impõem-se uma série de restrições e dificuldades para a criação dos cursos de Medicina e de Veterinária, o que contribui para que nossos estudantes busquem ensinamentos em outros países; contudo, depois, esses cursos não são reconhecidos no Brasil. Felicito V. Exª por tratar de assunto tão relevante para nossos Estados. Finalizando, tal qual V. Exª, admito que devamos ser criteriosos na criação de novas faculdades; no entanto, não podemos fazer discriminações. Essa é a questão que defendo. Os Estados de Rondônia, Acre, Amapá, Roraima e Tocantins devem ter o mesmo tratamento dos outros Estados quanto aos cursos superiores, notadamente quanto ao curso de Medicina.

 

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Moreira Mendes, que, por ser de Rondônia, da Amazônia brasileira, está vivendo na pele o problema da falta de profissionais para os municípios do interior.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao nobre Senador Ernandes Amorim.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) - Senador Tião Viana, nós, que somos da Região Norte, conhecemos de perto o problema da falta de médicos. O pior são as mães e os pais cujos filhos estudam na Bolívia, que se formarão em Medicina, mas não terão seus registros reconhecidos para trabalhar no Brasil. Tendo em vista a evasão de reais ou dólares do Brasil para manter os estudantes na Bolívia, já era tempo de o Governo Federal e o Ministro da Educação tomarem conhecimento desse fato, buscando resolver o problema. Não sei por que há milhares e milhares de Faculdades de Direito formando advogados para defenderem advogados, formando advogados para não terem clientes. Por que não criar mais Faculdades de Medicina? Veja-se o esforço do Senador Carlos Patrocínio e de outros Senadores, desde que ingressei nesta Casa, para instalarem uma Faculdade de Medicina no Tocantins. Será que há alguém preocupado com a saúde, com a educação? Será que o Ministro não enxergou isso? Na Região Norte, existem Municípios que não têm nenhum médico. É preciso trazê-los de outro local. Se em Rondônia, por exemplo, há médicos servindo a três cidades, imaginem nos outros Estados! Ainda assim, ninguém toma providências. Felicito V. Exª por abordar este assunto. Tomara que os responsáveis pela área da Educação ouçam essas reclamações e nos atendam! Muito obrigado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço-lhe o aparte, eminente Senador Ernandes Amorim. Concordo plenamente com V. Exª. Talvez o caminho inicial que se deva tomar neste País junto ao Ministério da Educação, à AMB e ao Conselho Federal de Medicina seja estabelecer o motivo que leva oito mil brasileiros, forçados ou estimulados pelo mercado de trabalho, a fazerem curso de formação superior na Bolívia ou em outros países da América Latina.  

O segundo ponto seria definir o nível de qualificação desse profissional que retorna ao País, como também o critério de tratamento adotado para os médicos dos países vizinhos que atuam na Amazônia e noutros Estados brasileiros sem o acompanhamento rígido dos nossos Conselhos e das entidades públicas brasileiras.  

O terceiro ponto seria estabelecer critérios de seleção e de qualificação que nos permitissem avaliar, de fato, a qualificação atual das escolas de ensino médico no Brasil.  

Feito isso, poderíamos até discutir a abertura de novas escolas. Parece-me que o procedimento de apenas frear a abertura de novas instituições é muito equivocado e precipitado, tratando o ensino apenas como peça de mercado, atendendo talvez ao corporativismo médico. Além disso, isso poderia ferir profundamente os Estados que começam a ter personalidade própria, a afirmar uma postura pública, regional e até nacional.  

Dessa forma, pelo respeito histórico que tenho pela Associação Médica Brasileira, pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo e pelo Conselho Federal de Medicina, faço um apelo para que haja discussão mais aprofundada sobre esse assunto. Precisamos encontrar um ponto comum para não discriminar e não proibir a realização de sonhos de grande parte da população brasileira. Muitos almejam ser, um dia, um profissional à altura de seus direitos e das liberdades que fazem parte da luta e da formação social deste País, mas ainda não foram contemplados com essa possibilidade.  

Para terminar, deixo o exemplo de figura renomada da Medicina deste País - o Professor Adib Jatene. Se não fosse sua condição própria e familiar que lhe permitisse sair, quando criança, de um seringal do interior do Acre, lá do Município de Xapuri, e chegar a uma escola médica em São Paulo, talvez não tivéssemos o avanço que tivemos na cardiologia brasileira, porque ele não poderia ter sido médico.  

Assim, discriminar, não; ter critérios de qualificação, sim; e tratar com a mais absoluta seriedade, solidariedade e igualdade todos os Estados e regiões do Brasil.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

¿


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/1999 - Página 28448