Discurso no Senado Federal

DEFESA DO INSTITUTO DA FAMILIA, DE AÇÕES PROATIVAS DO ESTADO E DA ERRADICAÇÃO DA POBREZA COMO RESPOSTA AO PROBLEMA DOS MENORES INFRATORES.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • DEFESA DO INSTITUTO DA FAMILIA, DE AÇÕES PROATIVAS DO ESTADO E DA ERRADICAÇÃO DA POBREZA COMO RESPOSTA AO PROBLEMA DOS MENORES INFRATORES.
Aparteantes
Amir Lando, Maria do Carmo Alves, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/1999 - Página 28910
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REVOLTA, FUGA, VIOLENCIA, MORTE, INFRATOR.
  • SOLIDARIEDADE, ORADOR, CONFIANÇA, POSSIBILIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MENOR, INFRATOR, ESPECIFICAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, FAMILIA, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, MODELO, ENTIDADE, RECUPERAÇÃO, MENOR, INFRATOR, SEPARAÇÃO, INDICE, DELINQUENCIA JUVENIL, INCENTIVO, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, MARIO COVAS, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, mesmo dispondo de 20 minutos, serei breve, porque tenho um compromisso em seguida, às 9h30. Trata-se de um seminário que está sendo realizado pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores nos espaços da Câmara dos Deputados.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muito me tem causado eu não diria espanto, mas um estado de desconforto, tanto do ponto de vista político como no que se refere ao fato de sermos seres humanos, os episódios da Febem no Estado de São Paulo, que decorrem da superlotação das instituições ligadas à recuperação de menores infratores. Há sucessivas rebeliões e fugas desses menores.  

Os últimos episódios, amplamente divulgados pela Imprensa, nos dão conta de uma das situações mais dramáticas da realidade social brasileira. Este é o ponto nevrálgico da nossa condição humana: o fato de nossas crianças ficarem completamente abandonadas. E, abandonadas, tornam-se embrutecidas, vazias de esperanças em relação ao futuro, incapazes de estabelecerem relações uns com os outros e com a sociedade.  

A sociedade, em alguns momentos, adota uma postura de enternecimento; em outros, de solidariedade; em outros, de alheamento; e, em outros, até de revolta. Essa mesma sociedade não dá o devido trato, a partir das instituições, a esse problema.  

Lamento profundamente o que aconteceu, ou seja, o assassinato brutal daqueles quatro garotos; lamento profundamente que as sucessivas tentativas do Governador Mário Covas tenham fracassado. Sob meu ponto de vista, esse fracasso é, sim, do Governo de São Paulo; é, sim, da sociedade paulista, mas é também um fracasso da sociedade brasileira. Essa é a realidade de São Paulo, é a realidade do Rio de Janeiro, mas, com certeza, em graus diferentes, é a realidade de todo o nosso País no que se refere ao tratamento das nossas crianças e dos nossos adolescentes.  

O relato que ouvi de um dos familiares dos menores que foram assassinados deixou-me - acredito que a todos - estarrecida. Aquela mãe chorava desesperadamente porque seu filho estava sendo completamente esmurraçado, aviltado na sua condição humana por outros menores. Essas cenas deixaram-me numa situação de perplexidade. Da mesma forma fiquei quando ouvi o relato da mãe de um dos menores do CAJE, em Brasília, que contava que o filho havia telefonado alguns minutos antes, pedindo, pelo amor de Deus, que o retirasse da ala dos menores violentos, que o ameaçavam de morte. Infelizmente, as providências não foram tomadas, e o menor foi assassinado.  

Eis o relato de um dos monitores da Febem:  

"Você pode matar uma pessoa com um tiro ou com uma facada. Agora, matar como um rato, destruir a pessoa, transformá-la em um resíduo de nada, achar pouco e ainda fazer um churrasco de picadinho... isso é crueldade"!  

Essas palavras, no meu ponto de vista, resumem tudo, até para não ficar relatando os fatos.  

Agora, Sr. Presidente, quero aqui ser solidária com todos aqueles que acreditam ser possível dar uma resposta para esses problemas. É claro que não são respostas fáceis, que surgem apenas do melhoramento das instituições de tratamento aos menores infratores. Essas respostas têm de ser estruturais. Têm de estar voltadas para o núcleo familiar. As famílias devem ter condições para acolher suas crianças até a idade em que possam ser responsáveis por si mesmas. Essas respostas têm de ser voltadas para os grandes centros, hoje completamente abarrotados de pessoas. Seres humanos vivem encaixotados em áreas de periferia, em favelas, sem a menor condição de sobrevivência, sem qualquer oportunidade no mercado de trabalho. Isso faz com que as crianças, ao espelharem o seu futuro na realidade dos pais, busquem o mundo da marginalidade como algum tipo de saída para a sua condição de empobrecimento e total falta de perspectiva.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite V. Exª um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte de V. Exª, nobre Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Nobre Senadora Marina Silva, é muito importante o pronunciamento de V. Exª. Aliás, creio que esse é um dos assuntos mais sérios e mais graves do País nos últimos dias. Sou um grande admirador do Governador Mário Covas. Aprendi a ver em S. Exª um homem de caráter, um homem digno e um homem lutador. Angustia-me a situação da Febem em relação ao meu amigo, o Sr. Governador Mário Covas. Não nego que uma das cenas mais dramáticas, que mais me chocou, fazendo com que as lágrimas me viessem aos olhos, foi a cena a que V. Exª se refere: aquelas crianças sendo espancadas ali, e aquela mãe, do outro lado, gritando: "Pelo amor de Deus, não matem o meu filho". Às vezes, as cenas são mais importantes do que mil palavras, porque mostram o fato ali, na hora. Nobre Senadora, não tenho nenhuma dúvida – e creio que V. Exª também não tem – dos bons propósitos e da sinceridade de intenção do Governador Mário Covas. Mas, na verdade, na verdade, eu acho é necessário começar por São Paulo. Diz muito bem V. Exª: se a questão da Febem e dos menores é assim em São Paulo, que é uma potência, como será em outros Estados, que não têm o poder? O Governador Mário Covas disse com todas as letras: "O problema de São Paulo não é dinheiro. Eu tenho dinheiro". O problema do Rio Grande do Sul é falta de dinheiro; o problema do Acre é também falta de dinheiro. Além de todos os outros problemas, temos o problema financeiro. Para mim, há duas questões. Primeiro, não tenho dúvida alguma de que a Febem já deu o que tinha que dar. Esse nome, essa instituição, esse estilo já deu o que tinha que dar. Alguma coisa tem de ser feita. Chama-me a atenção quando o Governador Mário Covas diz que tem dinheiro e que quer construir dezenas de casas de menor no interior. Seriam casas pequenas, com um número pequeno de menores, onde eles ficariam ao lado da família, ao lado da sociedade. Ficariam ali os menores que cometeram infrações menos graves, para que não caia tudo nas casas da Febem. S. Exª usa o argumento de que ninguém quer em sua cidade uma penitenciária ou uma instituição como essa, considerada uma desgraça, que deixa mal a cidade. E estão dizendo que os prefeitos não querem e que as cidades não querem. No Rio Grande do Sul, tive esse problema como Governador. Nesse sentido, quero dirigir-me, por intermédio de V. Exª, ao meu amigo, Governador Mário Covas: Meu amigo, Governador Mário Covas, V. Exª tem o dinheiro. O grande projeto de V. Exª, na minha opinião, é fazer imediatamente o maior número de casas possíveis em cidades do interior e na grande São Paulo. Faça de qualquer jeito. Construa com o apoio da prefeitura, sem o apoio da prefeitura. Com o apoio da sociedade, construa 10, 20, 30, 50 casas de 200, 300 menores em cidades do interior. E, se for o caso, desative, feche aquela unidade maldita da Febem de São Paulo. Há, sim, a pressão da sociedade, das entidades e dos empresários dos Municípios, porque estão acostumados a ver o que acontece em por lá. Entretanto, vai-se iniciar um novo passo no momento em que determinada cidade tiver uma organização moderna, bem-feita, distribuída em duas alas, uma com aqueles que já cometeram alguma infração mais ou menos grave e outra com aqueles que praticamente não têm infração. Será algo novo, longe do que está acontecendo com a Febem. S. Exª tem razão: da maneira como está a Febem, pode-se fazer qualquer coisa e não haverá uma solução. Minha querida Senadora, o Governo de São Paulo gasta R$1.700,00/mês por menor internado na Febem, e o salário família é de R$17,00 por filho. Veja a brutalidade das divergências neste País! Repito: o Governador Mário Covas diz que tem dinheiro - e eu acredito que tenha - e tem um grande projeto: fazer 10, 20, 30, 40, 50 casas de menores em Municípios do interior. E receberá apoio quando a sociedade conhecer a nova filosofia. Não se trata de construir uma unidade da Febem. Os prefeitos do interior temem que a Febem de São Paulo seja levada para um município do interior. Por amor de Deus, isso não adianta. É necessário fazer unidades, não com milhares de menores, um sentado no colo do outro, mas unidades que ofereçam tratamento psicológico e terapia ocupacional, para que efetivamente haja resultados. É o apelo que faço, por intermédio de V. Exª, ao ilustre e querido Governador de São Paulo.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Incorporo ao meu pronunciamento o apelo feito por V. Exª ao Governador Mário Covas.  

Entendo que a concepção dos centros de recuperação de menores está completamente errada. Primeiro, devido ao fato de as crianças que cometem infração em menor grau ficarem junto com crianças e adolescentes que cometem infração em maior grau. Esses últimos já têm uma prática de infrações e contravenções típica dos adultos que praticam esses crimes na sociedade. E aqueles que são submetidos a uma convivência com esses menores infratores, necessariamente, ou passam a ter as mesmas práticas, ou são completamente massacrados dentro das unidades, porque o código de honra dentro da unidade de recuperação de menores infratores é a lei do mais forte. Lá, respeita-se mais aquele que é capaz de provocar maior intimidação, aquele que submete os outros a um maior nível de constrangimento. Esta é a lei do mais forte: para ser respeitado, tem que mostrar que é um "bandido respeitado". Falo ente aspas, porque não quero aqui chamar crianças e adolescentes de bandidos, mas esse é o código que prevalece.  

Ora, um menino que cometeu um pequeno deslize, na convivência com esse tipo de postura, assume esses valores como um sinal de fortaleza e até mesmo de caráter, porque aquele que demonstra medo e fraqueza é tido como um covarde. Logo, a unidade destinada a recuperar crianças e colocar nas suas cabeças novos valores, ao contrário, transmite-lhes exatamente aqueles valores que gostaria de corrigir.  

Um outro aspecto a que me refiro é o fato de essas unidades não constituírem grupos de recuperação do ponto de vista do ensino.

 

V. Exª fala que são gastos mil reais por mês com cada um desses menores. Vamos pensar em quanto custa a bolsa-escola para as famílias que têm crianças nas escolas: com certeza, não se compara ao valor que V. Exª mencionou. Com esse dinheiro, dentro das unidades, seria possível fazer funcionar escolas profissionalizantes, de forma a permitir que os menores saíssem de suas celas, dos seus quartos, da área em que estão confinados, para ir a uma escola decente, com uma diretora, com professores para as diversas matérias, com uma secretaria, com um horário adequado. Dessa forma, ele sairiam do ambiente do presídio, da lógica do presídio.  

Com uma iniciativa como essa, poder-se-ia apresentar a essas crianças e a esses jovens um outro referencial: o referencial de que aprender é melhor do que o aparente caminho fácil de expropriar alguém através da violência. Seria possível mostrar-lhes que a vida em comum, o convívio com os colegas, com os companheiros é melhor do que a situação isolada de ser poderoso, de ser valente; seria possível mostrar-lhes que essa valentia os leva a uma vida passageira, submete os seus semelhantes a uma vida passageira.  

Ao ler o relato do presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Febem, numa entrevista que ele deu à revista Veja, fiquei estarrecida e, ao mesmo tempo, enternecida. Ele conta que o mesmo menino que coloca medo no mais hábil funcionário, que coloca medo em toda uma equipe, à noite chora no seu travesseiro, sentindo saudade da mãe, do pai, dos irmãos.  

Fico imaginando como é dramática a situação de um jovem que vive essa realidade, pois sou mãe de quatro filhos, tenho dois filhos adolescentes, uma de 18 anos e um de 16 anos. Como é gratificante vê-los dormir, entrar no quarto, verificar se o pé está de fora e cobri-lo com um cobertor! Como é gratificante podermos conversar sobre suas notas, dar opiniões e aprender com eles - graças a Deus, estou aprendendo muito com os meus adolescentes: novos conceitos, novas formas de vida e, com certeza, até novas formas de me vestir e de me comportar. Eu aprendi aqui com um adolescente que conviveu conosco por algum tempo - Darcy Ribeiro, eterno adolescente do povo brasileiro -, que se você não quer envelhecer, por favor, aprenda com os jovens.  

Se os nossos jovens continuarem sem o apoio das instituições, se os nossos jovens continuarem sendo tratados da forma como estão sendo tratados por essa sociedade brutal e perversa, não haverá jovem para nos ensinar e, com certeza, ficaremos todos velhos. Não aquela velhice que nos dá sabedoria, que nos dá consistência para também ensinarmos aos nossos jovens, mas velhos no sentido de estarmos perdendo vitalidade: vitalidade moral, vitalidade intelectual e, o que é pior, a vitalidade espiritual e humana. É isso o que está acontecendo por causa desse sistema perverso que deposita pessoas em verdadeiras lixeiras humanas, como é a Febem.  

Concordo inteiramente com o Senador Simon: a Febem já deu o que tinha que dar. Vamos estudar um outro modelo: pode ser a construção de casas para colocar os menores em grupos mais reduzidos; pode ser a construção de unidades que separem os menores que praticaram infração em maior grau daqueles menores que ficarão apenas algum tempo e depois voltarão para o seio da família; pode ser um programa de acompanhamento voluntário, por pessoas que estariam se dedicando a essa causa junto com as famílias.  

O que precisar ser feito deve ser feito. São Paulo poderá ser um exemplo; se lá se obtiver algum sucesso, daremos uma esperança para o Brasil. Ontem, o Governador Mário Covas assumiu diretamente o controle e a direção da Febem.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - 50% do tempo dele vai ser gasto com a Febem.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco-PT-AC) - Exatamente. Agora, não tem retorno: ou se dá uma resposta para essa questão ou o Governador Covas, por mais boa vontade que tenha, estará trazendo não apenas o fracasso para o seu governo, para o Estado de São Paulo, mas estará sinalizando o fracasso das instituições brasileiras no tratamento da violência, estará evidenciando o descaso e o desrespeito com a parte mais frágil e mais potente da sociedade brasileira, que são as suas crianças e os seus jovens.  

Sempre me perguntam a que árvore eu comparo a Amazônia. As pessoas pensam que é com uma castanheira, um comaru-ferro ou alguma dessas árvores muito fortes que temos lá. Digo, no entanto, que comparo a Amazônia a uma samaúma, porque a samaúma é frondosa - é a maior árvore que temos na Amazônia -, mas, ao mesmo tempo, é a mais frágil de todas, não agüenta um pequeno vento, não agüenta absolutamente nada e já está no chão com os seus galhos completamente retorcidos.  

A parte mais bonita, mais potente da sociedade são as suas crianças, os seus jovens, mas eles são também a nossa parte mais frágil, são o nosso calcanhar-de-aquiles. Conhece-se o grau de elevação de um povo pela forma como trata dois segmentos da sociedade: em primeiro lugar, as suas crianças e os seus jovens e, em segundo lugar, os seus idosos. Se trata bem os jovens, se trata bem as crianças, merece a nota nove. Se trata com desrespeito, com completa falta de atenção os seus idosos, não chegará à nota 10. O intermediário sabe se defender, mas os jovens e os idosos precisam do respeito da sociedade e da proteção das instituições: se por algum motivo não têm os meios para o seu sustento no núcleo da família, que a sociedade os sustente a partir do que já contribuíram ou a partir daquilo que poderão contribuir. Só assim continuaremos enquanto raça humana, enquanto espécie - espécie que, infelizmente, aprendeu a prática autofágica de devorar-se a si mesma.  

Estamos imitando a serpente que se alimenta da própria cauda. Ao fazermos o que estamos fazendo com as nossas crianças, estamos comendo a nossa própria cauda. Não podemos deixar persistir essa lógica perversa das instituições financeiras que oferecem capital a baixo custo para empresas estrangeiras privadas, como é o caso agora do BNDES em relação a essa empresa estrangeira, como foi o caso, inclusive, da Ford na Bahia. Se alguém for à Europa ou aos Estados Unidos, por exemplo, e contar o que acontece na Febem, o que acontece com os nossos pobres no Nordeste, o que acontece com as nossas crianças, com os idosos, com os excluídos e que, ainda assim, o Governo está dando dinheiro às empresas estrangeiras para comprarem as nossas estatais ou para irem se instalar em determinados pontos do nosso País, ninguém entenderia. Seria incompreensível para eles essa lógica de dar dinheiro a empresas multinacionais, poderosas, ricas, altamente capazes de se articular no mercado internacional, e não haver recursos para atender a essas questões elementares da nossa sociedade.  

O Senador Pedro Simon disse que, segundo o Governo Covas, o problema em São Paulo não é de dinheiro. Se não é dinheiro, então me preocupo mais ainda, pois talvez estejamos diante de uma evidência de que as nossas instituições estão morrendo, de que estamos falhando na nossa capacidade criativa e inventiva de resolver os nossos próprios problemas. Talvez estejamos tão acostumados a querer resolver e amenizar os problemas daqueles que não têm tantos problemas como nós - como é o caso dessas multinacionais que ajudamos todo o tempo -, que não saibamos mais como nos ajudar naquilo que é essencial e elementar à vitalidade da nossa sociedade.  

A Srª Maria do Carmo Alves (PFL-SE) - Permite V. Exª um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo aparte à ilustre Senadora Maria do Carmo.  

A Srª Maria do Carmo Alves (PFL - SE) - Senadora Marina Silva, gostaria de louvar a preocupação de V. Exª. O pronunciamento de V. Exª é extremamente importante e fundamental para as nossas crianças. No entanto, gostaria de externar também a minha preocupação a esse respeito. Muitas vezes, as políticas sociais, tanto do Governo quanto das organizações não-governamentais, pecam por desviarem-se do foco. A família é que deve ser o foco das atenções fundamentais de qualquer programa que queira recuperar as nossas crianças. É no seio da família que a criança vai aprender os princípios básicos da vida, os seus valores íntimos, os seus valores fundamentais. Assim, associo-me às suas preocupações, que são justas e louváveis, mas gostaria também de registrar que as nossas políticas econômicas, de desenvolvimento social, de valorização humana, enfim, todas as políticas devem voltar-se para a família, pois é nela que é formada a personalidade das nossas crianças. Se não tivermos esse cuidado, o resultado será esse a que todos os dias assistimos pela televisão e que é profundamente preocupante. Concordo ainda com V. Exª quando diz que se mede um país pela atenção que dá às suas crianças e aos seus idosos. Porém, permita V. Exª que eu discorde do modo como essas questões estão sendo tratadas. Com relação à criança, é a família que temos que focalizar, porque é ali que se forma o pai, que está sem emprego, sem trabalho, sem renda. Quanto aos idosos, insisto que precisamos entender que eles necessitam de respeito. Não podemos tratar os nossos idosos como pessoas que querem apenas viver em bailes ou usufruindo do lazer. Não. Precisamos oferecer aos nossos idosos alternativas de trabalho. Estar aposentado não significa morrer para a vida. Depois dos 50 anos não se consegue trabalho algum. Não pode ser assim. Depois dos 50 anos, nós, mulheres, que passamos da fase reprodutiva, mas não da fase produtiva, temos que ser encaradas como pessoas que ainda têm um grande potencial para ajudar na reconstrução deste País. Parabenizo V. Exª por esse pronunciamento e solidarizo-me inteiramente com as suas preocupações, porque são decisivas para o crescimento do nosso País. Muito obrigada.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/ PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e incorporo-o ao meu pronunciamento.  

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que o foco, como V. Exª...  

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - A nobre oradora permite-me um aparte antes de concluir?  

A SRª MARINA SILVA

(Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Nobre Senadora, V. Exª aborda um tema que constitui, hoje, um escândalo e uma vergonha nacional, e o faz com o conhecimento, a razão e a emoção que só o coração de mãe pode ter. Estamos numa situação privilegiada, os nossos filhos estão distantes da situação dos meninos de rua que as condições sociais criam, mas temos de encarar que essa forma de correção, na verdade, não é correção alguma. Como bem disse V. Exª, trata-se de um processo de destruição. O sistema carcerário – se pudermos ampliá-lo para o Brasil como um todo – é um verdadeiro moinho do crime ou do mal ou da destruição do caráter, da personalidade e, por que não dizer, da estrutura física dos nossos condenados. Não estamos, de maneira alguma, corrigindo, mas cada vez mais fazendo afundar na delinqüência aqueles que, como bem disse V. Exª, estão em condições diversas, em graus diversos de criminalidade e são jogados no mesmo buraco da destruição. Como dizia Ferri, menos Direito Penal e mais Direito Social. Este é o ponto fundamental. Se não quiséssemos buscar Ferri, poderíamos consultar Thomas Morus, que, ainda em 1500, referindo-se ao êxodo rural que começava na Inglaterra com a criação dos rebanhos de carneiros, narrava que as pessoas eram despedidas de suas glebas e jogadas nas ruas das cidades sem emprego. Essa é uma situação que se repete. Até quando vamos ficar insensíveis a essa gestação do mal que se faz por um sistema econômico injusto e cada vez mais destruidor da esperança do povo brasileiro? Até quando vamos permanecer – e hoje providências já estão sendo esboçadas, como o combate à fome e à miséria – distantes como se fôssemos "alices" no País da miséria? Esta é a questão: temos, realmente, de combater as causas do mal, da pobreza, da miséria, da exclusão social, pois nosso sistema de correção não cumpre o papel de recuperar o delinqüente mas o de aprimorar mais ainda o delinqüente na delinqüência. Esta é a realidade. V. Exª mostra esse drama, essa vergonha nacional, que se repete constante, periódica e sazonalmente, e que não é novidade. Ainda há poucos meses, há poucas semanas, vimos esboçar-se algo semelhante, e assim meses e anos atrás. Esse é o ciclo da desgraça e da destruição. É hora de dar um basta, como diria João Cabral de Melo Neto, antes que "o mar da nossa conversa invada a terra inteira". Está de parabéns V. Exª e quero agradecer-lhe o aparte.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e incorporo-o ao meu pronunciamento.  

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, se o ponto mais importante do tratamento da problemática do menor infrator é a família, com certeza as ações de combate às infrações praticadas por menores se darão por um amplo programa de geração de emprego e de novas possibilidades de vida para aqueles que hoje estão completamente à margem da sociedade.  

Não me canso de repetir esse número: 78 milhões de pobres, segundo alguns pesquisadores do IPEA; 43 milhões de pessoas vivendo com menos de US$1 por dia.  

Esses menores, com certeza, saem do seio dessas famílias. Que não se diga que eles são assim porque têm uma personalidade que ontologicamente já está no seu ser. Não! São crianças como qualquer criança, que poderiam ter um outro destino se seus pais tivessem emprego, pudessem colocá-los na escola, e eles pudessem viver como crianças. É claro que as famílias de classe média, as famílias que têm emprego, que tem boas condições de vida também têm menores que cometem crimes, que cometem infrações. Aqui mesmo, em Brasília, ocorreu o lamentável episódio do índio que foi queimado vivo. Esse fato denota que existe um problema na nossa sociedade, uma doença social que atinge todos, em todos os níveis. Mas é claro que a doença está afetando, num grau incomparavelmente maior, aqueles que são desprovidos de qualquer possibilidade de sobrevivência.  

Portanto, temos de nos ater a ações estruturais de combate à pobreza, como estamos tentando fazer na Comissão, e a ações concretas de combate à criminalidade e à marginalidade infantil, a partir de programas concretos.  

Rogo a Deus que o Governador Mário Covas, dedicando 50% do seu tempo à Febem, consiga uma saída para esse problema, pois assim evitará que o mau exemplo de São Paulo seja repetido em todo o Brasil, juntamente com o eco da nossa impotência, do nosso fracasso no tratamento dos nossos problemas mais gritantes. Quem sabe de lá possa também sair o eco de esperança de que é possível dar uma resposta, mesmo quando a situação chega ao ponto caótico a que chegou a Febem do Estado de São Paulo?  

Sr. Presidente, como Senadora, como mãe, como pessoa, estou inteiramente solidária com as ações que venham a ser tomadas para dar uma resposta à situação dos menores infratores, inclusive pela minha condição social, de onde vim, como vivi. Agradeço a Deus porque, mesmo com a situação de pobreza, tive uma família que me deu todos os referenciais que hoje tenho. Infelizmente, boa parte dos menores que estão naquele depósito, naquela lixeira humana, não tiveram e talvez não tenham oportunidade de encontrar algo semelhante. Se eles não têm família, espero que a sociedade possa se constituir, a partir das instituições, na família de que eles precisam, pelo menos para o básico e essencial, para a educação, para a sua introdução no convívio social, já que o mais importante, que é o amor, o afeto, o carinho, infelizmente, para quem não tem pai ou a mãe – e nem é preciso ser necessariamente o pai biológico –, realmente não é possível. E essa carência lamentalvelmente leva ao empobrecimento da relação humana dessas pessoas.  

Conheço muitas pessoas que não tiveram pai e mãe e, no entanto, conseguiram viver talvez até com muito mais amor do que nós, que tivemos tudo isso.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/1999 - Página 28910