Discurso no Senado Federal

ANALISE DA SITUAÇÃO ATUAL BRASILEIRA NO TOCANTE A CONSTRUÇÃO NAVAL E MARINHA MERCANTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. POLITICA INDUSTRIAL.:
  • ANALISE DA SITUAÇÃO ATUAL BRASILEIRA NO TOCANTE A CONSTRUÇÃO NAVAL E MARINHA MERCANTE.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/1999 - Página 29733
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • ANALISE, ESTUDO, EMPRESA BRASILEIRA DE PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES (GEIPOT), PERDA, TRANSPORTE MARITIMO, CONSTRUÇÃO NAVAL, MARINHA MERCANTE, SUGESTÃO, RETOMADA, CRESCIMENTO, SETOR.
  • DEFESA, INCENTIVO, INDUSTRIA NAVAL, EXPORTAÇÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, RECUPERAÇÃO, CONSTRUÇÃO NAVAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o transporte rodoviário não atende de forma satisfatória às necessidades de um País de tão vasta extensão, haja vista a recente greve dos caminhoneiros, que praticamente paralisou o Brasil e que ameaça retornar, caso não sejam atendidas as reivindicações da classe. Por outro lado, o sucateamento das ferrovias nacionais trouxe danos quase irreversíveis para o transporte nacional. O transporte fluvial, abandonado por muitos anos, está voltando a ser explorado, na esperança de se dotar o País de uma rede multimodal de transporte.

O transporte marítimo, a construção naval e a Marinha Mercante brasileira sofreram perdas irreparáveis nessas duas últimas décadas. Em boa hora a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT) elaborou um estudo sobre o Setor Transporte Marítimo - Marinha Mercante e Construção Naval - com a finalidade de auxiliar o Governo Federal a estabelecer metas para o desenvolvimento desse setor tão importante para o crescimento do País. Foram três anos de pesquisas e estudos, que resultaram em um conjunto de sugestões que poderão auxiliar o Governo Federal no estabelecimento de uma política para o setor.

Com a globalização, o Brasil, a fim de conseguir inserir-se no contexto de competição internacional, adotou uma política macroeconômica, para cujo sucesso são necessárias metas específicas. Só assim o País conseguirá aumentar o grau de competitividade, indispensável a uma participação efetiva no mercado mundial.

Sr. Presidente, a indústria de construção naval é uma indústria especializada, que varia conforme o perfil tecnológico da produção de cada país. Segundo o estudo do GEIPOT, a indústria brasileira de construção naval deve, primeiramente, “ser voltada para a exportação, completamente livre e independente das encomendas de armadores nacionais e ser especializada na produção de poucos tipos de navios, sem sofisticação tecnológica, cujo processo de fabricação gere economia de escala, quando produzidos em grande quantidade”.

Entre os argumentos elencados no estudo para a proteção da indústria naval está o da segurança nacional que, segundo o GEIPOT, “depende crucialmente do estoque de navios para operação imediata, e não do fluxo para incorporação futura”. Daí a necessidade de apoio à Marinha Mercante que, entretanto, não deve ser estendido à construção naval civil. Por outro lado, a economia de escala na indústria naval é considerada importante para separar completamente os programas de proteção à indústria naval e os de estímulo à Marinha Mercante.

O estudo é contrário à concessão de subsídios para a indústria de construção naval, sob alegações, entre outras, de que não há significativa geração de empregos no setor e de que os riscos na produção e na comercialização podem se tornar importantes para o financiador.

Sr. Presidente, recordando o histórico da construção naval brasileira, o trabalho mostra como “políticas governamentais adequadas podem fomentar um setor, e como políticas erradas podem destruí-lo”. Lembra como, na segunda metade do século XIX, durante a Guerra do Paraguai, o Arsenal de Marinha produziu belonaves modernas que garantiram à Marinha enorme prestígio junto ao Imperador. Infelizmente, o impulso tecnológico alcançado pela Marinha Mercante foi abortado com a Revolta da Armada. Vencida pelo Exército, a Marinha viu todo o seu programa desmontado.

Durante muitos anos a construção naval brasileira limitou-se a pequenas embarcações. A partir da década de 60 vários Planos lançados pelo Governo deram novo alento ao setor. Esse período áureo terminou em 1982. O estudo considera que o principal erro, situado na raiz dessa decadência, foi a vinculação da construção naval à Marinha Mercante.

Depois de um exame cuidadoso das causas que provocaram o fracasso da indústria naval, o GEIPOT faz algumas sugestões para a reformulação das políticas de promoção, com a finalidade de dar mais uma oportunidade ao setor. “O primeiro passo - afirma - deverá ser a total separação dos programas de promoção da marinha mercante e da indústria naval”. Se assim acontecer, não haverá mais necessidade de políticas hoje existentes, como a que adota restrições ao afretamento do casco nu e o imposto sobre importação de embarcações, por exemplo. 

Considera que só é conveniente canalizar recursos públicos para a construção naval se ela for capaz de produzir para o mercado internacional. Nesse caso, será preciso desonerá-la de impostos, como o fazem quase todos os países do mundo. Por outro lado, a nova política deverá retirar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) os riscos de crédito aos estaleiros. Quanto às dívidas dos estaleiros, seria preciso que os financiadores examinassem, cuidadosamente, a possibilidade de recuperação daqueles que forem capazes de se adaptar à nova política, a fim de que as dívidas sejam reescalonadas. Os demais teriam suas dívidas executadas.

O estudo propõe “que, do ponto de vista do financiamento, toda a produção da indústria naval seja tratada como se fosse destinada à exportação”. Assim, o estaleiro que constrói o navio teria um financiamento pelo prazo de duração da obra e o armador, nacional ou estrangeiro, teria um subsídio redutor da taxa de juros.

Para que a Organização Mundial de Comércio (OMC) não se oponha ao novo programa brasileiro, os Ministérios do Transporte e das Relações Exteriores deverão estar preparados para a defesa das propostas, demonstrando que o subsídio concedido não fere a cláusula standstill, uma vez que apenas substitui um subsídio antigo, que desaparecerá ao longo do tempo.

Sr. Presidente, essas são as principais metas sugeridas pelo GEIPOT para a adoção de uma nova política de construção naval brasileira que, se obtiver êxito, fará com que o Brasil retorne ao mercado mundial. Isso é de enorme importância, tendo em vista a globalização do mundo moderno, da qual não podemos nos afastar.

Não são poucas as dificuldades a transpor, tanto no setor de construção naval como no de Marinha Mercante. Essa última, segundo o estudo em questão, “tem diminuído, ano a ano, sua participação no volume de transporte marítimo de longo curso do comércio internacional e nacional”.

A Comissão de Marinha Mercante foi criada em 1941 visando ao “controle dos fretes, à distribuição de linhas entre empresas, à concessão de subvenções e à supervisão das condições de aquisição, venda e afretamento de embarcações no país”. As receitas para essas ações encontravam-se no Orçamento Geral da União. Mesmo assim, o setor não conseguiu se desenvolver. Várias tentativas foram feitas pelo Governo Federal, inclusive a criação da Taxa de Renovação da Marinha Mercante, conhecida como Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), um imposto ad valorem sobre o frete de importação.

Durante muitos anos a frota brasileira era composta dos navios da Frota Nacional de Petroleiros (Fronape) e da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. Mas a competição internacional derrubou o nível médio dos fretes, colocando o Brasil em uma situação constrangedora em face de outros países. O estudo recorda que “a marinha mercante nacional é um seguro no caso de colapsos no suprimento de transporte marítimo internacional, como o verificado nas guerras”.

O trabalho do GEIPOT conclui por uma política de fomento à Marinha Mercante o que, trará mudanças consideráveis nos meios hoje adotados que confundem construção naval e Marinha Mercante. Embora as sinergias entre as duas sejam muitas, não há como confundi-las. A conclusão dos especialistas é de que é mais interessante para o País beneficiar a Marinha Mercante. Para a separação completa dos dois setores a primeira providência seria a alteração da Lei n° 9.432 que vincula a Marinha Mercante à construção naval, na qual a concessão de vantagens à Marinha Mercante está condicionada à utilização das mesmas junto aos estaleiros nacionais.

Por outro lado, a mesma lei, ao conceder subsídios para a compra de navios, é praticamente beneficente. Na prática, o armador compra 85% de seu navio a taxas subsidiadas e ainda pode pagar parte das prestações com os depósitos recolhidos à sua conta no Fundo de Marinha Mercante. Na realidade quem acaba arcando com todos os custos é o erário público.

Três alternativas são sugeridas para a melhoria da Marinha Mercante: subvenção direta para a compra de navios; taxa de juros subsidiada para financiamento de navios; e subsídio ao transporte por rateio do AFRMM.

O trabalho do GEIPOT aponta diversas distorções na mecanismo atual: falta de transparência; restrições à escolha do perfil da frota; excessivo risco do Fundo de Marinha Mercante (FMM); elevado custo de avaliação de risco de crédito; mudanças de indexadores sempre em detrimento do FMM; subsídio apropriado integralmente na venda do navio; recursos cada vez mais escassos do AFRMM; altíssimo custo da intermediação financeira.

Algumas sugestões são apresentadas, entre elas uma lista de tipos de navios existentes no mercado mundial, de acordo com tonelagem, idade e valor em dólares no mercado internacional, a ser elaborada pelo FMM. Assim, “ao armador caberia a tarefa de obter o melhor preço a ser pago por seu navio, bem como a melhor taxa de financiamento que pudesse encontrar”. Outra sugestão é a não incidência de imposto de importação para navio comprado em qualquer parte do mundo, independente da idade.

Quanto ao subsídio concedido pelo FMM ao armador seria “em 150 parcelas mensais iguais, de modo a equivaler a uma redução da taxa de financiamento obtida independentemente pelo armador”. Os recursos proveniente desse subsídio equalizador seriam “transferidos ao armador ao longo do período de amortização de seu empréstimo em parcelas iguais”.

No último volume do relatório, os técnicos responsáveis pelo trabalho elaboraram um estudo comparado dos modelos de política marítima. Examinaram o protecionismo no transporte marítimo internacional, as políticas marítimas e os modelos de financiamento para a Marinha Mercante em vários países, entre eles, Estados Unidos, Japão, Noruega, Alemanha, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Cingapura, Espanha, França, Grécia, Itália, Reino Unido e países da América Latina.

Sr Presidente, foi um trabalho de fôlego, elaborado por uma equipe competente, que depois de três anos de pesquisas, estudos dos mercados internacionais e análise da situação brasileira, desde o tempo do Império, conseguiu fazer um retrato perfeito da situação atual do Brasil no tocante à construção naval e à Marinha Mercante. Cumprimentamos todos os autores pela paciência e competência. E esperamos que o Governo Federal considere as sugestões feitas para a melhoria de nossos transportes. Especialmente agora, em que vimos quão complexa pode ser uma paralisação em um dos meios de transporte utilizados no País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/1999 - Página 29733