Discurso no Senado Federal

ANALISE DA PARALISAÇÃO DOS JUIZES FEDERAIS, OCORRIDA ONTEM. COMENTARIO A FIXAÇÃO DE TETO SALARIAL PARA O SETOR PUBLICO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • ANALISE DA PARALISAÇÃO DOS JUIZES FEDERAIS, OCORRIDA ONTEM. COMENTARIO A FIXAÇÃO DE TETO SALARIAL PARA O SETOR PUBLICO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1999 - Página 30071
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DIA, GREVE, JUIZ FEDERAL, OBJETIVO, AUMENTO, SALARIO, CRITICA, ORADOR, REIVINDICAÇÃO, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, ASSALARIADO, BRASIL.
  • REGISTRO, FALTA, CONTROLE, REMUNERAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, EXISTENCIA, EXCESSO, SUPERIORIDADE, SALARIO, OPOSIÇÃO, MAIORIA, SERVIDOR, AUSENCIA, REAJUSTE, INFERIORIDADE, SALARIO MINIMO, TRABALHADOR.
  • CRITICA, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, FALTA, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, DIREITOS, MELHORIA, SALARIO, QUESTIONAMENTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
  • DEFESA, URGENCIA, DEFINIÇÃO, LIMITAÇÃO, SALARIO, SERVIDOR, PODERES CONSTITUCIONAIS, OBJETIVO, CORREÇÃO, ACUMULAÇÃO, APOSENTADORIA.
  • REPUDIO, REAJUSTE, ANTERIORIDADE, AUMENTO, SERVIDOR, REDUÇÃO, DIFERENÇA.
  • EXPECTATIVA, AUMENTO, CONSCIENTIZAÇÃO, POLITICA, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, PROXIMIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, sei que estamos vivendo problemas extremamente sérios, mas creio que para tudo há uma forma de se corrigir erros.  

Apesar de todas as dificuldades, tenho muita esperança no nosso País, no nosso povo, na capacidade de esse povo acordar, perceber. o que está acontecendo e procurar interferir no processo político, econômico e social, para que o País possa dar a seu povo melhor condição de vida.  

Desejo-me manifestar sobre algo que pode parecer absolutamente estranho: a paralisação dos juízes federais, ocorrida no dia ontem. É incrível, é absolutamente incrível o nível a que o Brasil chegou. Juízes federais, funcionários públicos, têm uma queixa a respeito dos seus salários.  

O Governo de Fernando Henrique há cinco anos não concede aumento ao funcionalismo público, aos funcionários do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. Apesar disso, se nos compararmos à grande massa de trabalhadores do Brasil, somos absolutamente privilegiados, porque, exercendo função política, exercendo função no Judiciário, além de termos um salário razoável, que dá para manter um bom nível de vida, ainda temos todas as benesses que o poder nos traz: funcionários à nossa disposição, utilização de telefones, utilização da correspondência e possibilidade de contratar funcionários de confiança. Pelo menos para os Desembargadores dos vários Tribunais, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho existe essa facilidade, essa possibilidade, quer dizer, além de receberem um salário que dá para se manterem com dignidade, ainda têm todas essas benesses, da mesma forma que, no Executivo, os Ministros, os dirigentes de estatais e assim por diante.  

Ora, é incrível que, com toda facilidade que têm os juízes, os deputados e os senadores, ainda possa haver protesto por causa de salário.  

Não quero tirar a razão dos juízes, mas fico imaginando o que deve passar na cabeça de um operário brasileiro, de uma professora da escola primária de um Município de qualquer estado do nosso País, de um soldado da Polícia Militar. O que pode passar na cabeça desses cidadãos, que ganham, na sua maioria, um salário-mínimo, quando muito? Pelo menos no meu Estado, um policial militar ganha dois salários-mínimos, arriscando a sua vida no dia-a-dia, na defesa da segurança da população. O que pode imaginar essa gente ao ver os juízes federais, todos aqueles envolvidos no Poder Judiciário, fazerem greve para melhorar seu salário? Diz o documento que um juiz, no início da carreira, recebe R$3,5 mil, além das vantagens que coloquei, mas há juízes que ganham muito mais do que isso. Há um verdadeiro descontrole no nosso País na questão salarial. E citam que alguns chegam a ganhar R$20 mil!  

Existem procuradores de universidades federais ganhando mais de R$20 mil; existem funcionário das embaixadas do Brasil com salários que chegam a US$20 mil, que representam quase R$40 mil; existem comandantes da Polícia Militar de determinados Estados - Alagoas e Rio, entre outros - que ganham 30, 35, 40 mil, e há secretários de Assembléias Legislativas ganhando também uma fortuna. Mas e o povo? Onde fica o povo nessa situação, onde fica um cidadão que trabalha, que cumpre as suas tarefas, que vai à escola ensinar, limpá-la ou fazer a merenda, ou o policial que dá segurança à população, se os juízes fazem greve, se ouvimos, no Congresso Nacional, queixas de parlamentares que querem aumento? Imaginem como fica a situação da nossa população!  

Creio que o povo brasileiro deveria tentar compreender as coisas que estão acontecendo e manifestar o seu pensamento, a sua idéia e o seu inconformismo diante dessa desigualdade absurda que existe na nossa Pátria, porque se é pouco o que um senador ou um deputado federal ganham - um salário de R$8 mil mensais, além de todas as vantagens que citei -, imaginem o que são os R$136 mensais que ganham os professores! Na verdade, ganhamos o salário de sessenta professores da maioria das cidades brasileiras!  

Essa desigualdade precisa ser analisada, pois, já que os juizes e alguns parlamentares, que ganham bem, estão-se queixando, por que o povo, que ganha tão pouco, não o faz de maneira mais ostensiva e mais forte, cobrando o seu direito, para que no Brasil exista um pouco mais de igualdade? Por que em países do mundo civilizado, onde as pessoas têm acesso à educação e são informadas, onde os meios de comunicação não pertencem às elites e, portanto, informam de maneira mais honesta a população, a desigualdade é menor, é quase insignificante? Por que o Brasil não pode chegar a esse nível? Se os juízes estão reclamando, creio que o povo brasileiro deve-se dar as mãos para reclamar com muito mais força e, evidentemente, com muito mais razão.  

Há uma desorganização total no setor público. Essa questão do teto salarial já virou uma novela a respeito da qual não se tem coragem de se tomar uma posição. Entendo que as autoridades máximas deste País, os dirigentes do Congresso Nacional, o Presidente da República, o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal devem buscar agilizar e definir essa situação. Não dá mais para se ficar postergando um tema de tamanha importância, porque há muitos parlamentares - calcula-se que mais de cento e quarenta - recebendo, além do salário de R$8 mil, aposentadorias por funções que exerceram em cargos públicos, o que chega a R$16 mil mensais.  

Portanto, muitos Parlamentares no Congresso Nacional ganham em torno de R$24 mil por mês, o que não pode continuar! Considero um absurdo que o teto salarial venha a ser de R$12,700 mil quando a maioria do povo ganha um salário de miséria.  

Entretanto, é melhor estabelecer com rapidez esse teto do que continuar privilegiando um pequeno número de pessoas que ganha muito acima de R$12,700 mil neste País. E ainda há os que têm coragem de sair às ruas para fazer greve mesmo tendo um salário maior do que este! É evidente que há preocupação. Quando se fala em estabelecer um teto, o entendimento que temos da questão é que se trata de fazer uma redução no salário daqueles que ganham acima do teto. Não significa que, estabelecido o teto, os Senadores e Deputados Federais, por exemplo, tenham que ter os seus salários corrigidos para o teto. Isso seria inadmissível!  

Não podemos ter um centavo de aumento enquanto esse aumento não for dado a todo o funcionalismo público do nosso País! Não podemos aceitar, seria uma indignidade qualquer Parlamentar defender um aumento para atingir o teto enquanto permanece congelado o salário de mais de 90% dos funcionários do nosso País.  

Portanto, o teto deve ser imediatamente definido, mas para corrigir a distorção dos que recebem muito além do teto no somatório das suas aposentadorias com o seu próprio salário, e não para aproveitar-se o teto para fazer uma correção generalizada nos salários dos Deputados Federais, Senadores, Deputados Estaduais e, conseqüentemente, dos Vereadores.  

Ao fazerem a sua greve, a sua mobilização, os juízes, em defesa do seu movimento, fazem algumas críticas. S. Exªs dizem que é, por exemplo, uma perversidade o congelamento dos seus salários nos últimos 5 anos quando o Governo Federal aumentou os salários de funcionários de cerca de 120 carreiras, que considera estratégicas, e que receberam reajustes de até 800% desde o lançamento do Plano Real. Portanto, eles alegam que determinados segmentos do funcionalismo público receberam aumentos de até 800% e eles tiveram os seus salários congelados. Alegam ainda que pessoas que têm funções menos importantes, digamos assim, do que as de um juiz ganham mais do que o juiz.  

E nesse aspecto, creio, S. Exªs têm razão. Isso acontece inclusive no Legislativo, no Senado, na Câmara e nas Assembléias Legislativas. Observamos que há secretários legislativos de muitas Assembléias Legislativas que têm salário até 5 vezes maior do que o salário do próprio Deputado Estadual, devido ao acúmulo, ao somatório de gratificações, ao tempo de serviço e a uma série de irregularidades consideradas "legais" pelo próprio Poder Judiciário.  

Nesse aspecto os juízes têm razão, mas é preciso corrigir o erro. Ao se pensar em aumento salarial, deve-se pensar no aumento salarial do povo brasileiro como um todo e na aproximação, no achatamento dessa diferença inaceitável entre os que ganham mais e os que ganham menos. Deve-se pensar em aumentar o salário daqueles que ganham menos para que a diferença seja cada vez menor e o Brasil possa, um dia, pensar em ser igual a qualquer país europeu, onde a diferença entre os que ganham mais e os que ganham menos não ultrapassa dez vezes – em muitos países essa diferença é de apenas de um para três.  

Outra reclamação dos juízes – inclusive S. Exªs questionam as manifestações e decisões do Presidente do Senado Federal, Senador Antonio Carlos Magalhães – é que, enquanto o juiz, no início de carreira, ganha R$3,500 mil, o Senado Federal teria aberto concurso para guarda de segurança pagando o salário de R$6 mil – precisamos apurar isto. Não tenho conhecimento disso, mas estão no Jornal do Brasil de hoje manifestações dos juízes que fazem essa denúncia. Dizem eles que o Senador Antonio Carlos Magalhães abriu concurso público para guarda de segurança do Senado com o salário inicial de R$6 mil. Isto precisa ser desmentido, para que a opinião pública não se confunda com uma denúncia desse tipo, de muita gravidade. É preciso que se esclareça. Eu, como membro da Mesa do Senado da República, não tenho conhecimento da abertura de concurso público para guarda de segurança com o salário inicial de R$6 mil, o que seria um verdadeiro absurdo diante das dificuldades por que passa a população brasileira. E o que tenho visto, ao longo dos últimos anos, é a terceirização de todo serviço desse tipo no Poder Legislativo e nos Legislativos estaduais, nos vários cantos do nosso País.  

Portanto, Sr. Presidente, é até compreensível a greve dos juízes, embora seja estranha, pois é a primeira vez na História do nosso País que assistimos a um movimento como esse. Quem sabe os juízes, agora, por estarem com os salários congelados há cinco anos – eles estão se queixando embora seus salários sejam razoáveis comparados aos da maioria do povo brasileiro e eles tenham mordomias e benesses que a maioria do povo brasileiro não tem –, por estarem sofrendo na pele essa dificuldade, por estarem sentindo o decréscimo no seu nível de vida, tornem-se mais sensíveis com a situação de dificuldade, de miséria, de desemprego por que passa a população brasileira. Essa, sim, é uma questão extremamente séria.

 

Portanto, o que julgo importante e positivo no movimento dos magistrados do nosso País é que ele pode chamar a atenção e levantar o próprio povo brasileiro para um processo de discussão mais honesto, mais sério dos problemas que o Brasil enfrenta, da política econômica desenvolvida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, da forma como está sendo feita a venda do patrimônio público brasileiro, do aumento da nossa dívida interna, que atingiu agora 50% do Produto Interno Bruto, do nosso endividamento externo, da política econômica que o País tem de adotar para cumprir regiamente com o pagamento do serviço da dívida externa.  

Enfim, é preciso discutir todos esses assuntos e não apenas o salário de um segmento social, pois se os juízes estão reclamando dos seus salários é porque sentem que algo está errado. Para onde está indo o dinheiro deste País, que não permite ao seu povo condição digna de vida? Por que países muito menores, muito mais pobres, com uma densidade populacional extremamente maior do que a nossa podem dar à sua população uma condição de vida infinitamente mais digna do que a que tem o povo brasileiro? Se eles podem, por que não podemos?  

Erros existem na condução da política, na maneira de o Poder Público conduzir este País, e precisam ser corrigidos. E não serão – e aí é que o povo precisa ter uma consciência muito clara do problema – as autoridades que farão isto, não serão apenas o Presidente, os juízes, os Deputados, os Senadores. Isto é algo que tem que nascer do povo, apoiado, evidentemente, por todos aqueles que têm dentro de si o sentimento de indignação contra a injustiça, o sentimento de indignação contra a miséria, contra a pobreza, contra a exploração.  

Essas pessoas, unidas ao próprio povo, têm de, cada vez mais, crescer em nível de organização social, de poder de cobrança, de poder de escolha e de definição dos dirigentes de sua cidade.  

Agora haverá as eleições municipais. Vamos eleger vereadores e prefeitos. Será que o povo deve continuar acreditando em quem leva para os palanques a Sheila do É o Tchan ou o grupo Olodum para fazer um comício, ou será que o povo deve acreditar em quem tem proposta, história e trabalho?  

As pessoas precisam prestar atenção à política. A política é o único caminho viável para se corrigirem os erros das nossas relações sociais. O povo, o cidadão comum deve, cada vez mais, prestar atenção em quem escolhe para prefeito e para vereador. Nas eleições de 2002, deve-se prestar atenção à escolha de Deputado Estadual e Federal, de Senador, de Governador e de Presidente da República. É preciso que o povo esteja mais próximo da política, conheça o partido ao qual pertence o candidato, conheça a sua história, a sua luta, saiba qual o seu compromisso, analise quem está financiando a sua campanha. Política não pode ser só dinheiro ou impressão de força e de poder.  

Hoje é muito comum no Brasil, em decorrência dessa distorção na própria legislação eleitoral, os grandes partidos disporem de um grande tempo na televisão. Agora estão querendo reduzir o tempo de um terço, que era igual para todos, para um décimo. Os grandes partidos dispõem de um tempo extenso para fazerem sua propaganda política, enquanto uma liderança séria, direita, respeitada e honesta, que faz política por dedicação, por amor, aparece apenas por dois minutos na televisão. O povo associa isso a poder. Quem aparece mais é quem vai ganhar a eleição, é quem tem o poder de definir qualquer coisa. E o povo segue por esse caminho, porque não quer perder o voto. O voto útil tem de acabar. O povo deve votar em quem acredita, porque essa também é uma maneira de mudar a sociedade brasileira, de melhorar a qualidade dos nossos políticos em todos os níveis, em todos os segmentos.  

Concluo o meu pronunciamento dizendo que entendo ser importante e útil o movimento dos juízes brasileiros. Mas creio que eles deveriam participar desse processo de mobilização não apenas com o interesse de aumentar seus próprios salários. Eles deveriam ter sensibilidade, porque são pessoas influentes, com muito poder de decisão; são a elite da sociedade, como também o somos. Portanto, poderiam influenciar, de uma maneira geral, a transformação dessa própria sociedade. Foi importante o movimento, embora inusitado. Não creio ter visto algo semelhante em qualquer parte do mundo: juízes de um país fazendo greve. Aconteceram, recentemente, greves de policiais militares, estes, sim, tinham muito mais razão de fazer greve do que os próprios juízes. Mas entendo que essa greve pode também chamar a atenção dos Poderes constituídos deste nosso País e do próprio povo brasileiro para se levantarem a fim de resolver as nossas dificuldades.  

Continuo com muita fé. Continuo acreditando na capacidade da população, na mudança que os tempos proporcionam à medida que a conscientização do povo aumenta. E esse aumento é crescente, não há decréscimo no aumento de consciência da população. Há um crescimento permanente e constante da conscientização, com o qual, quem sabe, no Brasil haverá uma sociedade mais justa, à semelhança do que ocorre nos países mais desenvolvidos do nosso planeta, onde o povo tem acesso à informação e à educação.  

Era essa a manifestação que desejava fazer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1999 - Página 30071