Discurso no Senado Federal

ALERTA PARA OS INDICIOS DE PRESSÃO INFLACIONARIA NA ECONOMIA BRASILEIRA.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ALERTA PARA OS INDICIOS DE PRESSÃO INFLACIONARIA NA ECONOMIA BRASILEIRA.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1999 - Página 33309
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, RETORNO, INFLAÇÃO, IMPORTANCIA, PROVIDENCIA, GOVERNO, PRESERVAÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA.
  • APREENSÃO, OMISSÃO, GOVERNO, COMBATE, RETORNO, INFLAÇÃO, EFEITO, REPASSE, CUSTO, DESVALORIZAÇÃO, CAMBIO, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, AGRICULTURA, PETROLEO, TARIFAS, SERVIÇO PUBLICO.
  • CRITICA, PIMENTA DA VEIGA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), DECLARAÇÃO, AVALIAÇÃO, ECONOMIA.
  • APREENSÃO, LOBBY, ELEIÇÕES, PREJUIZO, DECISÃO, GOVERNO, COMBATE, INFLAÇÃO, PREVISÃO, TENSÃO SOCIAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES ( Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está aceso no semáforo da economia brasileira o sinal amarelo, sinalizando que existem fortes pressões inflacionárias sobre a economia. E se medidas acautelatórias não forem tomadas, se o Governo não levar em conta esses sinais com muita responsabilidade, há perigo, sim, de um recrudescimento da inflação, já que ela estava há algum tempo sob controle.  

Creio que a esta altura, Sr. Presidente, por mais dura que seja a crise de estagnação que vive o País, o pior que pode nos acontecer seria uma derrota nesta batalha contra a inflação. Iríamos jogar fora cinco anos de luta tenaz com a qual se conseguiu manter sob controle uma inflação que foi incontrolável durante 40 anos.  

O Brasil teve a mais perversa das inflações do mundo, Sr. Presidente. Não é força de expressão, e nem estou apelando para o achismo. Durante 25 anos fui Professor de Economia Brasileira e de História Econômica na Universidade Federal do Amazonas, e sei do que estou falando. É certo que houve inflações muito maiores e mais graves do que a nossa. Basta lembrar as hiperinflações alemã e austríaca dos anos 20, e as hiperinflações húngara e chinesa dos anos 40, que foram verdadeiramente aberrantes. Porém, a inflação brasileira foi singular por duas características, que eu saiba por intermédio da literatura econômica, não ocorreu em nenhum outro país. O Brasil foi o único País do mundo que teve inflação de dois ou mais dígitos durante 40 anos seguidos, com alguns ligeiros recuos, como no período Campos Bulhões, mas sempre acima, com dois dígitos ou mais. Em segundo lugar, foi a única, absolutamente a única, com todos os preços da economia indexados, o que tornava extremamente difícil combatê-la. Foi preciso que economistas brasileiros, aos quais devemos "tirar o chapéu", usassem de muita criatividade e, com muito engenho e arte, inventassem a URV, que foi, sem precedentes nos livros de teoria econômica, uma invenção para um fato novo, que era a indexação generalizada, persistente e demorada por tantos anos. Foi como conseguimos, afinal, domar o monstro inflacionário.  

Faz cinco ano apenas, Sr. Presidente. A memória da indexação não desapareceu de todo do nosso imaginário. Ninguém pense que a inflação está morta, porque, aliás, a inflação não morre nunca, ela precisa ser mantida sempre sob vigilância e combate constantes.  

Mas, Sr. Presidente, eu não vejo, da parte do Governo, nem unidade de ação, nem preocupação real com o fenômeno. Eu não sei se é um discurso para o público externo, que procura passar confiança à população, ou se realmente membros proeminentes do Governo, inclusive o Presidente da República, estão dando pouca importância a uma ocorrência que pode ter conseqüências graves para o País, se não for levada na devida consideração.  

Sr. Presidente, o Presidente da República disse ontem que, "a inflação só subiu um pouquinho, zero vírgula qualquer coisa". Ora, Sr. Presidente, eu já nem levo em conta o IGPM deste mês, que chegou a 2,39%. Mesmo tomando como indicador o IPC, que é o que serve de parâmetro para o Banco Central, ele passou, Sr. Presidente, nos últimos meses, de 0,35 para 1,15. Ou seja, esse aumento pequenino foi, na verdade, de 200% - isso é altamente preocupante. É preciso saber se isso indica uma tendência ou um fenômeno passageiro, como querem os otimistas do Governo. Talvez haja uma queda em dezembro, é natural! Do lado da oferta haverá recuos, como o preço do boi em pé, que está caindo, e alguns outros de natureza sazonal. Mas, Sr. Presidente, quase todos os produtos e serviços estão com sinalização para o alto. É preciso não minimizar isso, Sr. Presidente!  

Foi apenas um choque de oferta? Certamente não é, ou então os preços, em sua grande maioria, não estariam subindo. Diz-se que não há perigo, porque a demanda está contida pela defasagem salarial sobretudo, e pela recessão da economia. Mas, Sr. Presidente, qualquer manual de economia ensina que há dois tipos de inflação: inflação de demanda e inflação de custos, como V. Exª, que tem formação de economista e militou há alguns anos na Cepal, sabe. Inflação de demanda não haverá no Brasil tão cedo, mas inflação de custos está havendo, Sr. Presidente! Conseqüência da desvalorização cambial, em primeiro lugar, que ainda não foi repassada totalmente, por exemplo, aos preços da agricultura, cujos insumos subiram enormemente, e há vários preços agrícolas defasados. Os preços do petróleo, Sr. Presidente, ainda não foram repassados para os combustíveis internamente, porque a Petrobrás ainda está importando petróleo a US$16 o barril, por força de contratos antigos. Só agora, a partir de dezembro, esses contratos começarão a vencer e já estaremos importando petróleo a US$25 o barril, ou mais. Ou seja, um aumento substancial, que a empresa estatal não poderá absorver sem repassá-los para os preços. As tarifas públicas vão continuar subindo, Sr. Presidente. A energia elétrica e telefone, em razão dos contratos de concessão que mantiveram os preços indexados - o Governo desindexou tudo, mas concedeu às empresas que compraram as estatais o privilégio de manter os preços dos seus produtos - energia elétrica e telefone - indexados por mais cinco anos. Não há como o Governo impedir isto. O indexador delas é o IGP. Se o IGP subir 15%, e elas quiserem, vão reajustar as tarifas em 15%, e nem a ANEEL nem a ANATEL poderão fazer absolutamente nada. E teremos aí, Senador Ney Suassuna, as tarifas subindo e pressionando o Índice Geral de Preços.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Concedo um aparte ao nobre Senador Ney Suassuna.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Preocupa-me, Senador Jefferson Péres, ver que V. Exª tem toda a razão. Infelizmente há essa vinculação. Conseqüentemente teremos o custo dos serviços básicos aumentando.  

Preocupa-me, Senador Jefferson Péres, ver que o Presidente administra outras áreas de forma diferente. Por exemplo, para resolver a questão das mensalidades escolares, o Governo editou uma nova medida provisória corrigindo a anterior, e determinou às escolas que, em caso de inadimplência, só poderão tomar qualquer providência, se houver necessidade, no final do ano. Então, é engraçado. Quando se trata de questões do Governo, Sua Excelência obriga e vincula; quando se trata da seara alheia, da iniciativa privada, é determinado um jogo exatamente ao contrário. Pimenta nos olhos dos outros é refresco; no dele, não. O Governo permite - inclusive na maioria dos casos há grupos estrangeiros - que façam essa vinculação a que V. Exª tão inteligentemente se refere, e que vai custar caro, porque se trata de insumo básico para qualquer atividade produtiva no País. Razão por que me congratulo com V. Exª. Preocupa-me o fato de não ver saída para esse tipo de política, uma política que ingere na economia de forma completamente diferente para as diversas áreas. Quisera eu que V. Exª não tivesse razão. Eu gostaria de estar discordando do seu ponto de vista, mas, infelizmente, não posso fazê-lo. Tenho de me curvar e dizer que V. Exª está com o dedo na chaga. Realmente é isso que acontece.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - V. Exª tem inteira razão, Senador Ney Suassuna. O Governo não cumpre o seu dever de fornecer educação pública universal e de qualidade. No entanto, julga-se no direito de interferir na iniciativa privada para impor regras leoninas, como faz com as escolas. Evidentemente, se os custos das escolas sobem, elas terão de elevar os seus preços. Se o Governo ofertasse educação de boa qualidade a todos, como acontece em qualquer país civilizado, as escolas particulares poderiam elevar em até 1000% suas anuidades, como quisessem, porque isso não é responsabilidade do Governo. Como o Governo não faz isso e o ensino público é de má qualidade e insuficiente, a classe média corre para as escolas particulares. O Governo se julga, portanto, no direito de tabelar e de impor regras às escolas particulares. E o faz sem autoridade, porque eleva as tarifas públicas das empresas estatais e concede às empresas concessionárias o privilégio de reajustá-las durante cinco anos pela inflação vigente no país. Uma indexação realmente escandalosa.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois fatos me preocupam mais: o otimismo e a falta de unidade do Governo. Ouço o Presidente da República dizer que a inflação subiu apenas um pouquinho. Vejo o Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, vir a público e dizer que o Copom* está errado, ao deixar de sinalizar com viés de baixa dos juros, sinalizando com viés neutro, porque tem absoluta certeza de que a inflação vai cair para o ano. Ora, o Sr. Pimenta da Veiga não é Ministro da área econômica. Por que, então, S. Exª tem que dar palpites sobre assuntos que são da alçada do Ministério da Fazenda, do Banco Central e de outros Ministérios? E como S. Exª pode ter certeza de alguma coisa? Quem é que tem certeza de alguma coisa em matéria de economia no Brasil e no mundo de hoje, Srs. Senadores? Mas o Ministro das Comunicações tem absoluta certeza de que a inflação vai cair. Como eu gostaria de ter tanta certeza quanto esse Ministro do Governo Fernando Henrique Cardoso.  

E é isto que eu temo, Sr. Presidente: não temos um Banco Central com autonomia. Vejam bem, não se trata de dar liberdade e independência ao Banco Central, como se diz. Penso que várias atribuições teriam de ser retiradas do BACEN. Poder-se-ia criar uma agência autônoma, fiscalizadora do sistema financeiro, deixando ao Banco apenas a sua função primacial, que é a de ser o guardião da moeda. Aí sim, como guardião da moeda, ele deveria ter autonomia, para não ceder às pressões de Ministro algum e nem mesmo do Presidente da República, e para fazer com que a política monetária fosse direcionada no combate à inflação.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. PRESIDENTE

(Geraldo Melo) - Senador Jefferson, antes de V. Exª conceder o aparte ao Senador Casildo, tomo a liberdade de interrompê-lo, para prorrogar a Hora do Expediente, na forma regimental.  

Informo a V. Exª que ainda restam quatro minutos para o final de seu pronunciamento. Portanto, solicito ao aparteante que se atenha ao tempo regimental.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (BLOCO/PDT - AM) - Com muita honra, Senador Casildo Maldaner, concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Jefferson Péres, quero apenas dizer a V. Exª que me sinto gratificado com o seu pronunciamento. Vi na listagem que V. Exª era o quarto orador inscrito, por isso procurei encurtar o meu discurso para que, antes da Ordem do Dia, V. Exª pudesse nos dar essa verdadeira aula...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (BLOCO/PDT - AM) - Muito obrigado.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - ...recordando os bons tempos de Professor de Economia, função que V. Exª exerceu nas universidades brasileiras. Hoje, V. Exª vem à tribuna nos dar essa contribuição. Partindo-se do princípio de que a inflação pode surgir ou em função da demanda ou em função da alta do custo, V. Exª coloca, com muita clareza, a situação em que vive o Brasil hoje, a insegurança e a falta de unidade com que setores do próprio Governo estão a conduzir o processo, inclusive com Ministros fazendo pronunciamentos referentes a assuntos que não são de sua área específica. Dessa forma, as decisões não convergem para um único objetivo final, o que tranqüilizaria os brasileiros. Em função do que vem ocorrendo, há uma certa intranqüilidade. Não há dúvida alguma, Senador Jefferson Péres, de que isso está ocorrendo, porque até os contratos de petróleo - a que V. Exª se refere - terão seus custos alterados a partir de janeiro, pois encerram sua vigência nesse mês. Por tudo isso, há uma certa insegurança, um certo temor de que a inflação em breve volte a explodir, até em função de que certos setores da sociedade estão há cinco anos sem reposição salarial, o que não significa aumento. Esses setores, em função de vários mecanismos embutidos e corrosivos, e que um dia explodirão, não estão sequer repondo o seu poder aquisitivo. Atualmente, a preocupação com a volta da inflação é quase que generalizada no Brasil, não há a menor dúvida. Por isso, quando V. Exª vem à tribuna para nos dar essa verdadeira aula de economia, demonstrando sua preocupação, que, na realidade, é o pensamento da maioria da sociedade, merece o nosso aplauso.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner, pelo aparte e pela gentileza de haver abreviado o seu discurso para me permitir ocupar a tribuna.  

Dois outros fatos me preocupam, Sr. Presidente, além dessa falta de unidade de Governo. Temos um Presidente com baixa popularidade, ansioso e ávido por tê-la de volta e, portanto, tendente a adotar medidas populares. Sua Excelência está sob essa pressão psicológica. Ademais, temos um ano eleitoral pela frente. Será que esse Governo resistirá às pressões em favor da gastança por parte de prefeitos e governadores para ganharem as eleições? Sua Excelência será duro na condução da política monetária e na contenção dos gastos públicos? O Governo acaba de adiar, pela segunda vez, o pagamento das dívidas refinanciadas dos Estados - o prazo, que era de 12 meses, agora ficou para as calendas, uma vez que não se fixou nova data. Esse Governo terá forças, num ano eleitoral, de ser duro no combate à inflação, Sr. Presidente? Ou vai querer que o Banco Central sinalize sempre com viés de baixa para os juros e os reduza excessiva e prematuramente?  

Sr. Presidente, quero juros baixos também. Eu gostaria muito que a taxa de juros fosse zero, o que seria ideal. Mas o controle das taxas de juros é, sim, e será sempre um eficiente instrumento de combate à inflação, quando necessário.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - A estabilidade da moeda é bem mais importante para o Governo do que o resultado da eleição.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Tenho certeza de que o Governo pensa assim, Sr. Presidente, principalmente os governadores e os prefeitos. Tenho absoluta certeza disso. (risos)  

Entretanto, não sei se o Governo terá forças ou condições para manter a política antiinflacionária que vem sustentando há cinco anos. Se a inflação se agravar no próximo ano, as pressões sociais serão tremendas, serão muito fortes, uma vez que a defasagem salarial é grande, tanto no serviço público quanto no setor privado. Não sei se essa caldeira social poderá ser tampada, sem provocar uma explosão.  

Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos um difícil cenário pela frente. Espero que o Governo não jogue fora cinco anos de esforço em sua luta contra a inflação.  

Finalmente, parodiando o famoso slogan do Brigadeiro Eduardo Gomes, Sr. Presidente: o preço da estabilidade é a eterna vigilância. Oxalá o Governo permaneça vigilante, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso não empobreça o seu histórico, chegando ao final do Governo com a batalha contra a inflação perdida.  

 

z *


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1999 - Página 33309