Discurso durante a 15ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA 24, DO DIA NACIONAL DOS APOSENTADOS.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA 24, DO DIA NACIONAL DOS APOSENTADOS.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 29/01/2000 - Página 1280
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, APOSENTADO, OPORTUNIDADE, ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, IDOSO, PAIS.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs. e Senadores, transcorreu, no último dia 24, a data consagrada aos aposentados. Eu pergunto se não se trata de ironia, ou de deboche, dedicar uma data aos aposentados, especialmente em um País como o Brasil, que dispensa o mais cruel dos tratamentos àqueles que pararam de trabalhar, em razão da idade, e aos idosos em geral.  

A posição do idoso, no mundo de hoje, já é difícil, diante das transformações que estamos experimentando.  

Um dos mais eminentes velhos de nosso tempo, o italiano Norberto Bobbio, em seu último livro, O Tempo da Memória: de Senectude e outros escritos autobriográficos , tem algumas palavras a respeito deste problema, que não me furto de ler. Diz ele:  

"A marginalização dos velhos em uma época em que a marcha da história está cada vez mais acelerada é um dado de fato que é impossível ignorar. Nas sociedades tradicionais e estáticas, que evoluem lentamente, o velho reúne em si o patrimônio cultural da humanidade, destacando-se em relação a todos os outros membros do grupo. O velho sabe por experiência aquilo que os outros ainda não sabem e precisam aprender com ele, seja na esfera da ética, seja na dos costumes, seja na das técnicas de sobrevivência. Não apenas não se alteram as regras fundamentais que regem a vida do grupo e dizem respeito à família e ao trabalho, aos momentos lúdicos, à cura das doenças, à atitude em relação ao mundo do além, ao relacionamento com os outros grupos, como também não se alteram, e passam de pai para filho, as habilidades. Nas sociedades evoluídas, as transformações cada vez mais rápidas, quer dos costumes, quer das artes, viraram de cabeça para baixo o relacionamento entre quem sabe e quem não sabe. Cada vez mais, o velho passa a ser aquele que não sabe em relação ao jovens que sabem, e estes sabem, entre outras razões, também porque têm mais facilidade para aprender.  

Para aumentar a marginalização do velho contribui também um fenômeno que existe em todas as épocas: o envelhecimento cultural, que acompanha tanto o envelhecimento biológico quanto o social. O velho, como observou Jean Améry no livro Rivolta e rassegnazione. Sull’invecchiare (Revolta e resignação. Sobre o envelhecimento), tende a manter-se fiel ao sistema de princípios ou valores aprendidos e interiorizados no período que vai da juventude à maturidade, ou até mesmo apenas aos seus hábitos, que, uma vez formados, é penoso modificar. Como o mundo ao seu redor muda, tende a fazer um juízo negativo sobre o novo, apenas porque já não o entende, e já não tem vontade de se esforçar para compreendê-lo".  

Portanto, no mundo de hoje, o velho já tende, de certa forma, à marginalização. Esse é um fenômeno universal, devido à sua dificuldade de adaptação às transformações ocorridas. Mas, em um país como o Brasil, esse problema se agrava, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque é uma sociedade que está perdendo a cultura do respeito aos mais velhos.  

Na minha infância e juventude, a família era composta de três gerações, sempre: pais , avós e os filhos, e às vezes quatro gerações, porque havia um bisavô ou bisavó sobrevivente, e esses avós e bisavós eram reverenciados dentro da estrutura familiar como aqueles que sabiam – era o saber de experiências feito da fala canoniana – eram estimados, e jamais deixavam o lar. Quando o deixavam era para viver as suas próprias vidas, mas assim mesmo procurados pelos filhos e netos, para deles receber conselhos e manifestar-lhes carinho. Impensável internar um avô num asilo, mesmo de luxo. Era algo que marcava toda a família sob o estigma da maldade; extirpar um velho da família, naquele tempo, era algo que deixava os filhos e netos desse velho marcados pela sociedade. Era um opróbrio para os membros da família. Portanto, os velhos ficavam dentro de casa, nas dos filhos ou nas suas próprias casas, cercados de carinho e respeito não apenas no seio da família, mas também nas ruas, nos transportes coletivos, nas salas de espera, em todos os lugares. Quando chegava um velho, todos lhe cediam o lugar. Um velho ficar em pé, naquela época, era algo que também enchia de vergonha quem não se lembrava de levantar-se para acomodá-lo – era encarado como um grosseirão, um mal-educado, uma pessoa que não tinha respeito por alguém que o merecia.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – Concedo-lhe o aparte, Senador Bernardo Cabral.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL – AM) – Senado Jefferson Péres, V. Exª traz à reflexão do Senado, sem nenhuma dúvida, uma das coisas que se começa a perder de vista no nosso País – e o faz com propriedade –, que é o problema da velhice. No nosso País, infelizmente, hoje, quem ultrapassa a casa dos 60 anos é considerado um velho; é marginalizado, desrespeitado. Há até a célebre invectiva "É um velho!", no sentido desprimoroso. E se esquecem de que é nessa idade que a capacidade de discernir se amplia, a tolerância se agiganta. V. Exª se lembra do velho ditado, muito usado no Oriente, no qual se pergunta se há um velho em casa; se não há, que se o adquira, e logo, porque é fonte de sabedoria. Quando Churchill completou os seus 80 anos, um repórter, ao entrevistá-lo, perguntou-lhe se ele já tinha cumprido todo o seu objetivo na vida, se estava pronto para a prestação de contas, lá em cima, ao Senhor. E ele respondeu com aquela fleuma de sempre, com o seu charuto entre os dedos, dizendo: "Sim, já estou preparado para prestar contas. Espero que Deus não tenha pressa em me chamar." De modo que quero cumprimentá-lo, porque também eu já começo a ver que o meu horizonte se estreita, quando o jovem está tão longe. À medida que se caminha para a maturidade, o horizonte se estreita, mas, em compensação, é bom saber que aquela turma revolucionária dos 32 – a chamada Classe dos 32 – continua sendo ativa, inclusive neste Parlamento. Meus cumprimentos a V. Exª.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – Nobre Senador Bernardo Cabral, V. Exª se refere à turma dos 32, à qual nós dois pertencemos. V. Exª menciona Churchill, aquele velho septuagenário que, em idade provecta, salvou a Inglaterra na II Guerra Mundial. E menciona os povos do Oriente. Ainda há pouco, nobre Senador, eu li que, na Coréia do Sul, sociedade muito equilibrada e onde não existe miséria – pobreza sim, miséria não –, uma das causas de não ter mazelas sociais tão graves quanto a nossa é, exatamente isto: lá, a cultura de respeito ao velho não permite o desamparo dos mais idosos. Os parentes têm a obrigação moral, muito vigiada pela sociedade, de prover o sustento dos mais idosos que não têm renda própria. Veja que, no Brasil, a Constituição, que V. Exª ajudou a elaborar, é determinante nesse sentido, como também o Código Civil. Tanto a Constituição quanto o Código Civil determinam, impositivamente, que compete aos descendentes prover a manutenção dos ascendentes que não têm como fazê-lo.  

Essas minhas considerações vêm à propósito do Dia dos Aposentados. O que comemorar no dia de hoje, Sr. Presidente, num País onde, além desse desrespeito generalizado ao velho, o aposentado já não pode desfrutar, como antes, do ócio com dignidade? Os milhões de aposentados do INSS recebem proventos simplesmente aviltantes, e, mesmo os do serviço público, apontados como privilegiados, estão longe, na média, de receber remuneração condizente. Mal têm como sequer, comprar os remédios dos quais dependem. Um País onde o aposentado se retira da repartição ou da empresa, deixa de trabalhar e não consegue um novo emprego para suplementar-lhe a renda, às vezes, é praticamente expulso da família, não recebe, também fora de casa, tratamento respeitoso, e não tem como, sequer, Senador Carlos Patrocínio, V. Exª que é médico, comprar medicamentos para sobreviver, é um país vergonhosamente injusto.  

Vemos agora a CPI dos Medicamentos levantar fatos estarrecedores em termos de superfaturamento, vemos o Presidente do Cade denunciar a existência de cartéis, e o Governo parece impotente para coibir isso. Portanto, num País que trata assim os seus aposentados e os seus velhos, de modo geral, pergunto: comemorar o quê?  

Quando eu era jovem, não havia Dia do Aposentado. Todo dia era dia do aposentado e do velho, porque eles eram bem tratados 365 dias por ano. Hoje, inventa-se o Dia do Aposentado, que soa como uma cruel bofetada nas faces de milhões de brasileiros que se vêem jogados à marginalidade, para vergonha de todos nós.  

Sr. Presidente, não tenho soluções para isso, não estou aqui para apontar caminhos, apenas para constatar tristemente esse perverso fenômeno social dos nossos dias.  

Era o que tinha a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/01/2000 - Página 1280