Discurso durante a 21ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A AMEAÇA DE DOLARIZAÇÃO COMPLETA DA ECONOMIA ARGENTINA E A CONSEQUENTE INFLUENCIA QUE ESSA MUDANÇA MONETARIA CAUSARIA A TODA AMERICA DO SUL E AO MERCOSUL.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • PREOCUPAÇÃO COM A AMEAÇA DE DOLARIZAÇÃO COMPLETA DA ECONOMIA ARGENTINA E A CONSEQUENTE INFLUENCIA QUE ESSA MUDANÇA MONETARIA CAUSARIA A TODA AMERICA DO SUL E AO MERCOSUL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 08/02/2000 - Página 1852
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • CRITICA, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), REDUÇÃO, FUNÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, INFERIORIDADE, QUALIDADE, SERVIÇO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, ITAMARATI (MRE), INCOMPETENCIA, NOTA OFICIAL, DESCRIÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, PREJUIZO, POLITICA EXTERNA, BRASIL.
  • APREENSÃO, CONTINUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PROBLEMA, ECONOMIA, ESTADOS MEMBROS, ELOGIO, DESIGNAÇÃO, BOTAFOGO GONÇALVES, EMBAIXADOR, ITAMARATI (MRE), OBJETIVO, REFORÇO, NEGOCIAÇÃO.
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, VINCULAÇÃO, MOEDA, DOLAR, ATENDIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PREVISÃO, RECESSÃO.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, AMERICA LATINA, RISCOS, FALTA, VIABILIDADE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEFESA, LIDERANÇA, BRASIL, ALTERNATIVA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, DOLAR.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uso a tribuna hoje para tecer alguns comentários sobre o Mercosul, iniciativa tão promissora para os países da América do Sul em geral, especialmente os do Cone Sul, e que se encontra hoje em situação de grande dificuldade no prosseguimento de suas ações.  

Antes, porém, de aprofundar tais comentários, farei observações sobre a política de desmonte do Governo brasileiro, fruto da exigência do Fundo Monetário Internacional de se formarem superávits fiscais e se cortarem despesas do Governo indiscriminadamente. Essa política de desmonte que já nos deixou quase sem fiscalização em muitos setores importantíssimos de atuação do Estado brasileiro, afinal, acabou atingindo o Ministério das Relações Exteriores, que tem tradição de qualidade, de eficácia nas suas ações, de respeito internacional que o comportamento de décadas e décadas acabou por inspirar. Mas o próprio Itamaraty começa a sofrer perda de qualidade em decorrência da política de desmonte do Estado, de aviltamento dos salários dos servidores públicos brasileiros.  

Na semana passada, ocorreu novo episódio desagradável a partir de notas do Itamaraty que, segundo informação oficial, seriam notas falsas, mas, na verdade, são notas produzidas dentro do Itamaraty - de alguma forma que não se consegue identificar bem -, distribuídas à imprensa, causando péssima impressão.  

Há um ano e meio, isso aconteceu no episódio das negociações entre o Peru e o Equador, e, quinta-feira passada, ocorreu na entrevista com o novo Presidente do Uruguai, o Presidente Batlle, aqui em Brasília, quando foi distribuída, pela Secretaria de Comunicação do Itamaraty, uma nota que traçava o perfil do novo Presidente e que criou uma situação de constrangimento para o Governo brasileiro, demandando a intervenção do próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, para que não ficasse como pensamento oficial do Governo o perfil que se imprimia naquela nota distribuída pelo Itamaraty.  

Haverá averiguações, mas sabe-se que essas, como no caso do conflito do Peru com o Equador, também não chegarão a responsabilizar ninguém, porque o fato é que essas notas estão sendo produzidas de forma incompetente dentro do próprio Itamaraty, negando sua tradição de qualidade, em decorrência dessa política de desfazimento do Estado brasileiro.  

Sr. Presidente, a nota mostrava o Sr. Presidente Batlle, do Uruguai, como um político, um líder menos ligado ao Brasil e ao Mercosul do que à Argentina e aos Estados Unidos e, por conseguinte, à ALCA. Segundo o Itamaraty, essa nota é falsa na sua confecção e elaboração. Todavia, sabe-se que, no seu conteúdo, ela é verdadeira, isto é, quem a produziu estava com as informações corretas. Entretanto, do ponto de vista diplomático, não seria de bom alvitre, de boa política internacional revelar essas coisas como se fossem da lavra do próprio Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O fato é que não se pode contar com o novo Presidente do Uruguai como um forte aliado do Mercosul no confronto de interesses entre este e a ALCA, a qual significaria absorção dos interesses comerciais de toda a América Latina pela força econômica do gigante Estados Unidos da América do Norte.  

Diante de uma série de acontecimentos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vai-se delineando uma situação nada auspiciosa ou promissora para o Mercosul porque a instituição passa por extrema dificuldade. Em uma entrevista, o Embaixador Botafogo Gonçalves declarou que o Governo brasileiro chegou a cogitar, no fim do ano passado, desinteresse pelo Mercosul, conseqüentemente, desligar-se dele e, evidentemente, condená-lo à extinção, porque o Mercosul sem o Brasil ou sem a Argentina estará fadado à extinção.  

Sr. Presidente, penso que algo de muito grave está se passando nessa instituição, sobre a qual se colocaram grandes esperanças por parte dos brasileiros, dos argentinos, dos paraguaios, dos uruguaios, dos bolivianos e de outros povos da América Latina, principalmente nós, políticos brasileiros e Governo brasileiro, que nos empenhamos na formação do Mercosul e no seu desenvolvimento.  

Mais uma vez o Governo brasileiro dá mostras de seu interesse no fortalecimento do Mercosul e não na sua extinção ao designar o Embaixador Botafogo Gonçalves, um dos mais competentes e brilhantes de que nosso Itamaraty dispõe, um homem com experiência incontestavelmente rica e sólida, de missões bem desenvolvidas, com êxito, para, como Ministro Extraordinário, tratar da consolidação e do desenvolvimento do Mercosul.  

O fato, Sr. Presidente, é que, em virtude da difícil situação econômica dos nossos países, estão surgindo embaraços de tal natureza para a continuidade da existência do Mercosul que começamos a duvidar dele.  

Eu mesmo, Sr. Presidente, devo confessar que duvido que o Mercosul possa subsistir nos próximos anos ou - quem sabe? - nos próximos meses. De um lado, a situação da Argentina é dificílima, pois o País se atrelou à moeda norte-americana, mediante a política de currency board, para citar a expressão corrente no mercado internacional. Esse atrelamento à moeda americana e a situação de endividamento generalizado das empresas contabilizado em dólar impossibilita a revisão da cotação da moeda argentina em relação ao dólar, porque isso traria uma conseqüência catastrófica para a economia.  

A Argentina não pode desvalorizar a sua moeda, mantendo-a em situação inteiramente irreal - como estava a nossa moeda em relação ao dólar antes da desvalorização ocorrida no ano passado – pois o seu comércio internacional fica inviabilizado. A Argentina está condenada a ter déficits crescentes na sua balança de pagamentos, por ser obrigada a manter uma taxa de câmbio em que a cotação do dólar é inteiramente irreal.  

As relações comerciais do Brasil com a Argentina estão fadadas ao insucesso. É claro que a Argentina está condenada a ter um déficit crescente e gigantesco em relação ao comércio com o nosso País. Não será possível manter isso durante muito tempo.  

O novo presidente argentino, Fernando de la Rúa, eleito pelo povo argentino como sendo de oposição à política que vinha sendo praticada pelo Presidente Carlos Menem, adota as mesmas diretrizes políticas do seu antecessor, porém mais aprofundadas e mais radicalizadas. Enfim, o atual Presidente está seguindo as mesmas determinações do Fundo Monetário Internacional adotadas anteriormente pelo Sr. Carlos Menem, mas de forma mais drástica e mais dramática, para obter um empréstimo de U$7 milhões ou U$8 milhões, capaz de salvar a Argentina de uma situação de iminente bancarrota.  

É óbvio que esse remédio não surtirá efeito. A economia argentina vai entrar em recessão. Ela não tem condições de recuperar o equilíbrio da balança de pagamento, a menos que mude a relação da sua moeda com o dólar, mas isso é impossível em virtude de lei e do endividamento a que as empresas foram levadas. Nesse momento, a alteração do câmbio causaria uma catástrofe na economia argentina.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para a economia argentina não haverá outra solução senão a dolarização completa, aberta, ostensiva e legal. Não adianta resistir. Quanto à decisão tomada recentemente pelo Governo do Equador, lembramos em nosso pronunciamento aqui no Senado que o Presidente daquele país declarara que não havia outra solução para o Equador senão dolarizar a sua economia. Sabemos que a Argentina está na mesma situação. É fatal e absolutamente certo que ela também vai dolarizar a sua economia, o que não só inviabilizará completamente a instituição do Mercosul como também se constituirá numa pressão ainda mais forte para que o Brasil igualmente venha a dolarizar a sua economia.  

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio da palavra do Ministro Pedro Malan, afirma que o Brasil jamais dolarizará a sua economia porque não tem a mesma dimensão do Equador.  

Sr. Presidente, acredito que o Sr. Pedro Malan e o Sr. Fernando Henrique Cardoso estejam sendo sinceros nesse momento. A questão é que o Brasil ficará numa situação difícil. Quando os países da América Latina, um a um, tiverem dolarizado sua economia, nosso País será cercado por nações ligadas ao interesse norte-americano e não lhe restará, daqui a algum tempo, outra alternativa, como não restou ao Equador e como está acontecendo com a Argentina.  

O México, outra grande economia da América Latina, praticamente já aderiu à dolarização também. Que alternativa restará ao Brasil senão, igualmente, ajoelhar-se e entregar-se e à economia do dólar, abrindo mão da moeda nacional – o real – e conseqüentemente da sua soberania?  

Isso acontecerá fatalmente, Sr. Presidente, se o Governo brasileiro, a curto e a médio prazo, no máximo, não tomar decisões que conflitam profundamente com a atual diretriz econômica que adota, a fim de mostrar à América Latina e à América do Sul que existe outra alternativa – além da dolarização – e que o Brasil é capaz de assumir a liderança. Se nosso País não proceder desse modo, evidentemente, as economias da América Latina entregar-se-ão uma a uma ao dólar – a Argentina e logo depois o Uruguai. Sabe-se da óbvia simpatia do novo Presidente Batlle pela economia e pela nação norte-americana e pela sua capacidade de condução dos assuntos econômicos.  

Então, o Brasil vai ficando cercado de economias dolarizadas, sem capacidade de apresentar uma alternativa a esse caminho que fatalmente terá que seguir – talvez não para a gestão do Sr. Fernando Henrique, mas para a do próximo Presidente. Que opção restará? Que medida ainda pode tomar o novo Presidente da Argentina, Fernando de la Rúa, senão acabar levando a economia argentina à dolarização? Os compromissos que ele recebeu do presidente anterior o obrigam a tomar esse caminho. Então, criam-se condições concretas que vão impedir os países da América Latina de procurar soluções que não sejam o atrelamento ao dólar.  

Lembro-me de um pronunciamento do Senador Eduardo Suplicy, realizado na semana passada, no qual S. Exª abordou exatamente esse assunto. Hoje, ao tomar conhecimento dessa gafe do Itamaraty, veio-me novamente à mente a idéia de que o Brasil deve tomar agora, a curto prazo, a decisão de mudar a sua política econômica, voltando-se para um processo de desenvolvimento autônomo interno, isto é, baseado no seu mercado interno, também voltando-se mais profundamente para os mercados das nações irmãs da América do Sul, no sentido de traçarem, em conjunto, um programa de desenvolvimento. Tal política de desenvolvimento teria que ser também de justiça social, porque só é possível um projeto desenvolvimentista que tenha fundamento no mercado interno, e num mercado interno com poder aquisitivo elevado pela política social.

 

Ou o Brasil faz isso agora, começando por enfrentar a dificuldade da balança de pagamentos, instituindo um controle de câmbio, um controle de fluxo de capitais, e dá o rumo para a América do Sul e para a América Latina, mostrando às outras nações que existe uma alternativa, ou estaremos condenados, com ou sem a vontade do Presidente Fernando Henrique e do Sr. Ministro Pedro Malan, a também entrar na esteira da dolarização, visto que estaremos cercados de países que não terão outra solução senão adotar a moeda norte-americana e abdicar das suas respectivas soberanias.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB – RJ) – Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Senador Roberto Saturnino, quero manifestar aqui a afinidade de nossas preocupações com respeito aos temas que V. Exª está trazendo hoje a esta Casa. Primeiro, ressaltando a importância do Mercosul para o Brasil e de uma atitude efetiva de grande entrosamento com a Argentina, o Uruguai, o Paraguai, possivelmente o Chile, convidando os demais países que têm afinidade e proximidade territorial conosco, para caminharmos na direção de uma espécie de comunidade, não apenas uma simples zona de livre comércio, mas uma zona que, tal como hoje constitui exemplo a Comunidade Econômica Européia, possa se tornar uma área econômica comum, podendo, inclusive, as pessoas estarem trabalhando ora num país, ora noutro; estudando ali ou aqui, ou onde entender que é o melhor para o seu desenvolvimento, e que o entrosamento entre esses países do Mercosul tenha um sentido do ponto de vista dos trabalhadores, dos seus direitos sociais. Avalio mesmo que, quando, por exemplo, no Brasil, pensamos em instituir o direito de garantia de uma renda mínima, deveríamos estar interagindo com os países do Mercosul para que isso seja uma política comum, e não apenas do Brasil. Seria interessante que o Estado do Rio de Janeiro tivesse, como também o Estado de São Paulo, o Estado de Alagoas, e assim por diante, que não fosse simplesmente uma política estadual ou municipal, mas um direito inerente à cidadania. V. Exª traz aqui hoje também o tema do risco de dolarização das economias dos países vizinhos do Brasil em toda a América Latina. O Equador, embora não fazendo fronteira com o Brasil, tem uma proximidade conosco muito grande, e o fato de o Presidente e o Ministro da Economia daquele país terem asseverado que não havia outra alternativa senão a de dolarizarem sua economia representa uma decisão extremamente séria e que deve ser analisada com atenção pelo Executivo e por nós, no Congresso Nacional. Daí por que, na semana passada, propus, Senador Roberto Saturnino – e penso ser importante contar com a colaboração de V. Exª, amanhã, na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos –, a constituição de um grupo de trabalho ou de uma subcomissão da CAE, ou mesmo a realização de um fórum para assuntos monetários internacionais, que tivesse, como sua primeira preocupação, hoje, o estudo e a avaliação dos riscos de dolarização na América Latina. O Presidente da CAE, Senador Ney Suassuna, de pronto, abraçou a proposição, no sentido de que venhamos a discutir, aqui, no Senado Federal, quais os riscos que a América Latina está correndo. Assinalo, Senador Roberto Saturnino, que, no Congresso dos Estado Unidos, a chamada Joint Economic Committee, que reúne a Casa dos Representantes e o Senado Federal, durante o ano passado, realizou algumas audiências sobre o tema da dolarização, em que, ainda que houvesse proposições a favor e contra, algumas vozes propunham que os Estados Unidos estimulassem a dolarização das economias de alguns países da América Latina. E o próprio Secretário do Tesouro, Larry Summers, na ocasião em que ali compareceu, chegou a mencionar que, para os Estados Unidos, haveria aí uma grande vantagem, já que um país que viesse a adotar o dólar como sua moeda propiciaria aos Estados Unidos a receita de senhoriagem. Mais do que isso, seria para os Estados Unidos como que um empréstimo sem a necessidade de pagamento de juros. Assim, viveríamos uma situação bizarra, segundo a qual, países relativamente mais pobres estariam, ao utilizar a moeda de um país mais desenvolvido, criando possibilidades de maior desenvolvimento econômico daquele país. Portanto, é muito importante que venhamos a aprofundar a análise do tema. Por essa razão, cumprimento V. Exª.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB – RJ) – Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, cumprimentando-o também pela iniciativa da proposição de constituição de uma comissão especial destinada a avaliar o tema, a partir da qual poderemos ter maior e mais detalhado acesso a todas as informações internacionais, acesso inclusive ao conteúdo de audiências realizadas pela Comissão do Congresso americano que tratou do assunto. Enfim, é um tema que, queiramos ou não, está na pauta das decisões governamentais da América do Sul.  

Tive também informações de que o Governo argentino está estudando a possibilidade de dolarização. Diante disso, convenhamos, Sr. Presidente: ou o Brasil oferece uma alternativa, ou não restará outro caminho ao Governo do Presidente Fernando De la Rúa que não dolarizar a economia argentina, como não restou ao Equador. A Argentina atualmente tem todas as suas empresas endividadas em dólar; tem a sua moeda atrelada, por uma lei, à cotação do dólar. É impossível uma revisão da moeda argentina que não seja resultante de uma proposição, partida do Brasil, de uma comunidade econômica sul-americana, nos moldes da Comunidade Econômica Européia, como muito bem salientou V. Exª. Assim, ou o Brasil toma a iniciativa de, pelo menos, acenar que, num prazo não muito longo, será viável a constituição dessa comunidade econômica, ou todos os países da América do Sul, um a um, irão se atrelar à economia americana e dolarizar a sua moeda por falta de perspectiva, por falta de alternativa.  

A iniciativa está com o Brasil. A designação do Embaixador Botafogo Gonçalves é uma promessa. Reconheço tratar-se de um homem muito competente, que tem, na cabeça e no coração, a idéia de defesa da economia e dos interesses brasileiros; tem perfeita consciência da situação de conflito histórico existente entre os interesses brasileiros e os norte-americanos. É, pois, um homem capaz de conduzir, com competência, uma política de unificação econômica da América do Sul, com base numa iniciativa brasileira, eis que apenas o Brasil tem densidade, tem dimensão para propor uma alternativa dessa natureza. Ou fazemos isso agora, Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, ou assistiremos, daqui a alguns poucos anos, inclusive o Sr. Fernando Henrique e o Sr. Pedro Malan, talvez não mais como Presidente e não mais como Ministro, à decisão de um Governo brasileiro de dolarizar também a sua economia por uma alternativa que não foi tomada quando era ainda possível. Agora ainda é possível, se houver coragem, determinação e clarividência por parte do Governo brasileiro da necessidade de se começar a fazer sua própria política. A começar pelo controle de câmbio, porque é ali que está o gargalo. É o controle dos fluxos de capital, é a insubmissão em relação ao mercado financeiro internacional. Ou o Brasil adota agora esta decisão, ou vamos assistir aos países sul-americanos, um a um, renderem-se ao dólar, e não nos restará também outra alternativa, num futuro não muito longínquo, que não seja seguir o mesmo caminho.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/02/2000 - Página 1852