Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A REALIDADE PRISIONAL NO PAIS.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A REALIDADE PRISIONAL NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2000 - Página 2081
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • REGISTRO, DIVULGAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PESQUISA, SITUAÇÃO, PENITENCIARIA, PAIS, CONCLUSÃO, ORADOR, INEFICACIA, SISTEMA PENITENCIARIO, EXCESSO, QUANTIDADE, PRESO, PRESIDIO, EFEITO, AUMENTO, CORRUPÇÃO, REVOLTA, FUGA.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, ADOÇÃO, POLITICA, REVIGORAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, MELHORIA, LEGISLAÇÃO PENAL, IMPLANTAÇÃO, PENA, ALTERNATIVA, PRESO, INFERIORIDADE, PERICULOSIDADE, DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, SEGURANÇA PUBLICA.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no final do ano passado, o Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, divulgou o terceiro Censo Penitenciário brasileiro. Como já era esperado, os dados ali contidos não foram motivo de alegria para ninguém. Ao contrário, deveriam ter sido razão de grande preocupação para nossas autoridades, pois são o retrato claro e acabado da ineficiência, da inoperância e do descaso.  

O sistema penal brasileiro, nós bem o sabemos, está passando por uma crise jamais vista em sua história: os presídios estão abarrotados de gente, muito além da sua capacidade; as delegacias foram transformadas em cadeias, misturando-se presos provisórios a condenados, numa promiscuidade que só traz malefícios para todos e as transforma em eficientes escolas do crime.  

A cada ano que passa a situação piora um pouco mais. De acordo com os censos elaborados, a cada dois anos, pelo Ministério da Justiça, em 95 havia 148 mil 760 presos no Brasil; em 97, esse número subiu para 170 mil 602; e em 99, já eram 194 mil 074 os detentos. Embutido nesse número, está um outro que mostra a magnitude do problema carcerário: é aquele do déficit de vagas nos presídios. Em 95, era ele, em números redondos, de 80 mil; em 97, cresceu para 96 mil e, em 99, retornou aos parâmetros de quatro anos antes: novamente 80 mil. Esses dados escondem um indicativo, um tanto auspicioso, de que os governos estaduais e federal estão preocupados com o problema e estão trabalhando na construção de novos presídios. Nesses quatro anos, o número de vagas saltou de 68 mil 597 para 107 mil 049.  

Há que se considerar, no entanto, que o fato de atualmente existirem 194 mil presos em 107 mil vagas significa que, considerando-se o País como um todo, são quase dois detidos ocupando lugar reservado a apenas um. Esse fato torna-se mais estarrecedor se considerarmos que, em presídios como o Aníbal Bruno, da Capital pernambucana, há mais de quatro presos por vaga: 2 mil e duzentos detentos ocupam lugares destinados a apenas 524. Caso, entretanto, estivessem recolhidos nos presídios todos os que já foram condenados e estão com mandado de prisão expedidos, o caos seria total, pois nesse caso estão cerca de 200 mil pessoas, número superior aos 194 mil que já estão cumprindo pena.  

Essa superlotação, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, é regra em quase todos os principais presídios do País, provocando a corrupção, alimentando a promiscuidade e inflamando as rebeliões. A cada dia, temos notícias de fugas de presídios e de rebeliões Brasil afora. Não fora o fato desagradável da perda da liberdade de ir e vir, essas rebeliões são o grito desesperado de pessoas que não conseguem viver como bichos, expostos à sujeira, aos vícios, à promiscuidade e às doenças.  

Nas prisões, as drogas têm o beneplácito da polícia. De acordo com reportagem da revista Época, do dia 09 de novembro de 98, "a droga corre solta e é tolerada para manutenção de uma paz vigiada, paz de ranger de dentes". De acordo com um detento do Aníbal Bruno, de Recife, "a droga é utilizada aqui para amansar os presos".  

Falando da Casa de Detenção de São Paulo, o juiz de execução criminal Octávio Barros faz uma constatação bem severa, em entrevista à mesma revista Época: "Vivemos na ante-sala do inferno", sentencia. Ao analisar os problemas sanitários aí ocorridos, principalmente tuberculose, AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, seu veredito é mais severo: "A Detenção é um caso de saúde pública". Levantamentos feitos nas prisões do Estado indicam que o índice de presos infectados pelo vírus da AIDS é de vinte por cento.  

O veredito final do juiz Octávio Barros sobre o sistema carcerário brasileiro é ainda mais preocupante: "A condição de vida dos presidiários é tão degradante que caberia até indenização por parte do Estado no final da pena. Na minha opinião, essa indenização seria justa".  

Esse caos se implanta e se agrava cada vez mais em nosso País por um desvirtuamento de origem do sistema carcerário. De acordo com o que recomenda, desde a década de 50, a Organização das Nações Unidas, a pena privativa de liberdade deve ser indicada apenas para indivíduos que mostrem grande dificuldade de readaptação à sociedade ou a coloquem em risco. Sua aplicação deve ter em mente dois objetivos: recuperar o infrator, devolvendo-o à sociedade em condições de conviver harmoniosamente com os seus semelhantes, e proteger a população dos indivíduos perigosos e irrecuperáveis.  

Lamentavelmente, nos esquecemos quase completamente disso, ao longo da nossa história. De acordo com nossas leis, é mais fácil enclausurar indistintamente todos aqueles que cometeram qualquer espécie de crime do que preocupar-se com a sua recuperação ou sua readaptação ao convívio social. Por isso, nos nossos presídios, misturam-se bandidos perigosos a outros que foram presos por motivos fúteis e banais. Projeção mostrada na Revista Dignitas, de setembro/outubro de 95, indica que, em termos globais, de dez presos, três se incluiriam nesse rol. Nas regiões Norte e Nordeste, esse índice é ainda maior, atingindo 50 por cento. E o entristecedor de tudo isso é que, no convívio com outros bandidos na prisão, esses indivíduos de lá sairão mais perigosos e mais bandidos do que entraram, transformando-se, agora sim, em perigo para a sociedade.  

Diante desse quadro, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, apenas uma indagação nos vem à cabeça: o que fazer para corrigir tal calamidade?  

Para encontrarmos uma resposta adequada à pergunta, é necessário primeiro que haja uma radical mudança na mentalidade que deve orientar a política carcerária. É preciso que nossas autoridades se convençam de que, mais urgente do que construir presídios de segurança máxima, é criar ambientes em que os presos possam realmente se reeducar. Já está mais do que comprovado que as penas alternativas são muito mais eficientes na consecução desse objetivo do que o recolhimento do indivíduo aos presídios. Mesmo sabendo disso, o número daqueles que cumprem tais penas é de apenas 1.500 pessoas entre nós.  

Pesquisa feita no Rio Grande do Sul pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente – ILANUD indica algumas vantagens desse sistema alternativo, mais difundido lá do que nos outros Estados da Federação: o gasto mensal com um preso que preste serviços à comunidade é de 53 reais, enquanto que com um preso encarcerado tal despesa sobe para 500 reais. A reincidência no crime, que entre presos comuns atingiria 48 por cento, entre os que cumprem penas alternativas baixaria significativamente para doze por cento. Além disso, num sistema de penas alternativas, elimina-se a proliferação de doenças entre os presos e o risco de rebeliões.  

A reportagem da revista Dignitas relembra um outro dado bem significativo do Censo Penitenciário de 95, importante para nortear a ação das nossas autoridades: 74 por cento dos presos não haviam concluído o primeiro grau escolar. Isso vem mostrar mais uma vez que a educação é a base de tudo e que é também a melhor forma de eliminar a violência e a criminalidade. É reconfortante saber que o Presidente Fernando Henrique, ao elegê-la como prioridade de seu governo, está dando o passo mais efetivo para a diminuição da criminalidade entre nós. Se não se eliminarem as suas causas, ela crescerá sem parar, como bola de neve, e de nada adiantará construir mais presídios. Eles sempre serão poucos. Sempre haverá mais presos do que vagas nas prisões.  

Estou convencido, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, de que o primeiro passo a ser dado para solucionar o problema da superlotação dos presídios é dar um tratamento diferenciado àqueles que cometem delitos considerados sem gravidade. Como esses detentos, normalmente, não oferecem riscos graves à sociedade, suas penas deveriam ser obrigatoriamente alternativas e substituídas por um serviço à comunidade. Temos certeza de que o efeito pedagógico dessa atitude será muito maior e efetivamente servirá como correção. Tirando-os das prisões, haverá mais espaço para os outros presos, que poderão ser tratados, pelo menos, com um pouco de dignidade. A seguir, preocupar-se-ia com o tratamento a ser dispensado aos que cometeram crimes mais graves.  

Hoje se discutem alternativas várias para esse problema: municipalização dos presídios, co-gestão em sua administração ou até mesmo a sua privatização. Todas podem ser opções válidas, mas o mais importante é que se batalhe para que sejam eliminadas as causas da violência e da criminalidade, pois isso significará valorização da dignidade humana e menos crimes. É isso, em suma, o que todos nós desejamos.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2000 - Página 2081