Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-SENADOR PETRONIO PORTELLA.

Autor
Hugo Napoleão (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Hugo Napoleão do Rego Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-SENADOR PETRONIO PORTELLA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2000 - Página 3267
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, PETRONIO PORTELLA, EX SENADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO PIAUI (PI), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, DEFESA, ESTADO DEMOCRATICO.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL – PI. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Senador Antonio Carlos Magalhães, cuja ação pronta, imediata e decidida agradeço, para que essa homenagem pudesse ser, como efetivamente está sendo, prestada nesta hora, neste instante; Exmª Srª Dona Iracema de Almendra Freitas Portella Nunes, Srs. Senadores ex-Presidentes, que sempre honraram esta Casa, Jarbas Passarinho e Mauro Benevides, Sr. Senador Nabor Júnior, Srªs. Senadoras, Srs. Senadores, Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, Sr. Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Reginaldo Castro, quero saudar aqui os companheiros, ex-colegas Humberto Souto, Adhemar Ghisi, Ministros do Tribunal de Contas da União, Ministro José Carlos da Fonseca. Quero saudar a delegação que veio da Assembléia Legislativa do meu Estado – o Deputado Leal Júnior, Líder do meu Partido, o Deputado Robert Freitas e o Deputado Marcelo Coelho -, Exmªs. Srªs. Deputadas Federais, Exmºs. Srs. Deputados Federais, minhas Senhoras, meus Senhores:  

Dezessete horas, tarde do dia 7 de janeiro de 1980. Cemitério do Campo da Esperança. Brasília. Soldados eretos portavam, durante a marcha fúnebre, o esquife com os restos mortais do Senador e Ministro Petrônio Portella, falecido na véspera. O próprio Presidente da República, ministros de Estado, autoridades civis, militares e eclesiásticas, familiares, amigos, populares, todos, entre estupefatos e estarrecidos, assistiam àquele triste evento. Eu mesmo me lembro, com muitas saudades, de Petrônio Portella e da tristeza daquele dia. Eu gostaria de dizer que, em Brasília, o céu chorava. Na sua querida terra, o comércio cerrou as portas. Na verdade, estávamos todos nos despedindo daquele grande piauiense e brasileiro que tecia, por assim dizer, a reconstrução democrática do nosso País.  

O menino de Valença, estudante em Teresina, foi para o Rio de Janeiro, estudar na Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil. Cedo, abraçou a ciência jurídica e, cedo, também, as lides estudantis do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, o famoso Caco, aderindo ao Partido da Reforma, que tinha sustentado a redemocratização do Brasil nos idos de 1945.  

Petrônio, por isso mesmo, teve por parte do então reitor Pedro Calmon, o testemunho de que chegava querendo participar pela porta larga da realização. Petrônio queria, abraçando o Direito, homenagear a Justiça, e Petrônio, dizia ele, era assíduo. "Vaticinei-lhe" – grifo agora – " vaticinei-lhe um futuro brilhante".  

Em verdade, Petrônio Portella teve, imediata ação na advocacia. Raimundo Faoro e Miguel Reale sobretudo, que se manifestaram a seu respeito, eminentes juristas que foram, reconheceram nele realmente alguém que tinha a boa intenção de fixar-se no Estado de Direito Democrático.  

Petrônio foi advogado em Teresina, instalou banca e foi advogar para a antiga União Democrática Nacional, a UDN. Daí para a política foi um passo.  

Na planície, o Deputado Estadual, o líder de Oposição, o Prefeito de Teresina, o bom Governador do Piauí; no Planalto, duas vezes Senador, Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, Vice-Líder, Líder e Presidente da Arena, Líder do Governo, duas vezes Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional e Ministro da Justiça. Mas, como ele mesmo dizia, quer na planície, quer no planalto, ele não esquecia a sua terra querida.  

Eu estava em Teresina, no dia 28 de fevereiro de 1979, Deputado Federal, quando tive a oportunidade de assistir Petrônio Portella receber a Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí. Naquela ocasião, dizia ele que tudo o que havia haurido de sua mocidade era justamente o respeito e o temor a Deus Todo Poderoso, e que nunca lhe faltou autenticidade. E, no Piauí, ele aprendera a não mentir.  

Autenticidade, seriedade, garra, determinação e coragem, eram algumas de suas grifes. Mas a política, esta encaminhou-lhe os passos na própria vida. Petrônio foi, sem dúvida alguma, alguém que pode ser analisado sob três ângulos: o realizador, o estrategista idealizador e o homem de família.  

Como realizador, já tive a oportunidade de dizer, exímio Prefeito de Teresina que fora, ajudou nos seus serviços essenciais e deu primazia à educação. No Governo do Estado, o I Plano Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social. E, de mais a mais, o trabalho indormido pela criação de escolas, hospitais, do Banco do Estado do Piauí, da Cepisa, a Companhia Energética, da Agespisa, Companhia de Saneamento, Águas e Esgotos.  

Na Presidência do Senado, um trabalho relevante em favor justamente do Prodasen. Ele instalou o Prodasen a serviço da modernidade, da cibernética e da informática. Fez uma verdadeira revolução em matéria de publicações do nosso Centro Gráfico - Cegraf, dotando-o de aparelhos modernos, de mecanismos extremamente valiosos. Teve ainda a colaboração decidida do historiador José Honório Rodrigues para a formulação de uma magnífica obra.  

Na Presidência da Arena, reformou o partido e instalou o seu centro de estudos, a Fundação Milton Campos, hoje pertencente ao PPB e dirigida pelo Senador Jarbas Passarinho. Foi, nessa época, o seu primeiro Presidente o nosso Vice-Presidente da República, Marco Maciel, em quem Petrônio depositava grande esperança. Marco dizia que De Gaulle considerava grandes homens públicos aqueles que conseguissem converter as idéias em realizações. E completava: "Petrônio era um desses homens".  

Depois, voltou à Presidência do Senado e aí, sim, veio todo um trabalho em favor da abertura política do Brasil e a continuação do trabalho laboral nas edições históricas e jurídicas do Senado.  

É importante dizer que, como idealizador, valeu-se da imprensa. Ah, quantas vezes assisti a S. Exª, em seu gabinete, aqui em frente, dialogar com os jornalistas! Era uma verdadeira esgrima. Barbosa Lima Sobrinho chegou a considerar que pareciam terçar armas. Petrônio e os bons jornalistas, que, se pudessem, fuçar-lhe-iam as estranhas à busca de informações valiosas. E Petrônio dizia: os jornalistas são ótimos, mas nós temos coisas que não podemos revelar, não podemos dizer, não podemos dar a conhecimento público. É nessa hora que eles se aproximam de nós. São nossos antagonistas. Nesse momento, eles são nossos adversários, porque procuram saber e desvendar os véus daquilo que se procura ocultar. Mas ele dizia que uns e outros, políticos e jornalistas, têm um ponto comum de encontro, que é o bem do Brasil.  

Pois bem, veio, então, o trabalho a respeito do qual o Presidente Antonio Carlos Magalhães acaba de fazer referência: a missão Portella, o diálogo. O diálogo com o objetivo de consultar a sociedade sobre as aberturas que poderiam ajudar o retorno ao Estado de direito. Conversou, então, com Raimundo Faoro, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dom Aluisio Lorscheider, Presidente da CNBB e Luís Inácio Lula da Silva. Conversou com os juristas Afonso Arinos, Prado Kelly, Miguel Reale, com Dom Vicente Scherer, Arcebispo do Rio Grande do Sul, e Dom Eugênio Sales, do Rio de Janeiro. Conversou com a CNI, com a Contag, a CNT, com o Marechal Cordeiro de Farias e fez o epílogo com Ulisses Guimarães.  

Dali, veio, então, a idealização da Emenda Constitucional nº 11, que devolveu predicamentos à magistratura, prerrogativas do Poder Legislativo, e que, no contexto da reforma da Lei de Segurança Nacional, trouxe a extinção do banimento, da pena de morte e da prisão perpétua e o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos. Sim, aquilo foi um passo decisivo e concreto em favor da abertura democrática do Brasil. Faoro disse que só Petrônio tinha condições, naqueles idos, de poder promover aquilo que foi promovido: a conseqüente abertura política no Brasil. E mais, a partir desse instante, foi nomeado Ministro de Estado da Justiça, e seu trabalho continuou. O Senador Paulo Brossard, que a tantos debates assisti aqui, não hesitou em afirmar daquela tribuna, quando da homenagem que o Senado prestara por ocasião do seu falecimento: "Petrônio Portella, não lhe faço nenhum favor, senão estrita justiça ao dizer que voltou a fazer do Ministério da Justiça um grande Ministério". Petrônio Portella fez com que o Ministério da Justiça voltasse a ser exatamente, precipuamente, um ministério da política. E é verdade. E o seu trabalho foi fecundo – pena que curto – à frente do Ministério da Justiça. Lá, trabalhou pela criação dos novos partidos, já viabilizada a sua inauguração através da Emenda Constitucional nº 11. Vieram o PDS, o PMDB, o PP, o PT, o PDT, o PTB. Trabalhou também por algo com que sempre se bateu: o fortalecimento do Conselho de Direitos da Pessoa Humana. Iniciou estudos com vistas ao retorno das eleições diretas para governador em 1982, medida finalmente aprovada meses após a sua morte. O fato é que já se viu, e já se provou, que o trabalho de Petrônio foi muito amplo em favor da democracia.  

Nestas palavras minhas que já vão indo para o seu curso final, também gostaria de esclarecer um detalhe importantíssimo: Petrônio tinha que usar toda a sua dialética, toda a sua retórica para enfrentar, conversar, dialogar com os adversários, com os correligionários, formular idéias, ter pensamentos, agir com firmeza, segurar decisões, enfim, tinha que ter essa grande habilidade, e ele a teve justamente quando necessário à palavra do grande estrategista que ele foi.  

Também gostaria de consignar que o ponto alto de sua ação no Ministério da Justiça foi a anistia. A oposição, à época, dizia que queria uma "ampla, geral e irrestrita", e acabou sendo, porque uma fórmula de Raimundo Faoro permitiu a sugestão da redução de todas as penas da Lei de Segurança Nacional, com o que voltaram os banidos para o Brasil e os prisioneiros foram soltos antes do tempo. Com isso, aqueles que estavam presos em face do "famigerado" Decreto-Lei nº 477 – professores e estudantes – foram também soltos.  

Eis a vida gloriosa de um glorioso homem. E quanto à parte familiar?

 

Sr. Presidente, tive a ventura e a felicidade de conviver, àquela época, tanto na chácara Valença, em Brasília, quanto na casa da Av. Kennedy, em Teresina, com a família: D. Iracema, Petrônio Filho, Patrícia e Sônia. Seu lar era uma harmonia. Aqui em Brasília, em uma chácara perto de Sobradinho, ele costumava reunir muitos amigos, e entre os mais assíduos e freqüentes estava o seu irmão Elói Portella. Aliás, uma curiosidade! A vida tem seus caprichos: levou três irmãos ao Senado Federal, Petrônio Portella, Lucídio Portella e Elói Portella. Não creio que tenha havido no Império ou na República uma circunstância dessa natureza. Iam lá o seu irmão Elói, o seu concunhado Wilson de Egito Coelho, o médico Luís Carvalho, o poeta Hindemburgo Dobal Teixeira, o educador Paulo Nunes, as esposas, e o então professor e diretor da Faculdade de Direito da UnB, hoje Deputado Federal Paes Landim. Eram tertúlias, conversas. Nós procurávamos agradar ao chefe, fazendo-lhe elogios sobre o que ele tinha dito durante a semana. Ele não ficava zangado por isso. Ele gostava daquela roda que formávamos.  

Em Teresina, sua casa era uma romaria: familiares, amigos, populares, a todos ele recebia com encantamento, com fidalguia. Ele era um grand seigneur , combinado com a simplicidade que vinha dos tempos do menino de Valença.  

Essa simbiose fez com que esse grande homem público tivesse um lar. E relembra Carlos Castello Branco: ele casou-se com a filha do Governador Pedro Freitas, mas a política nunca interferiu no amor que os dois tiveram do começo do casamento até os últimos dias, até o dia em que Deus julgou chegada a hora de levá-lo para outra missão, talvez.  

Quem fazia referências a essa circunstância, além de Carlos Castello Branco, era o próprio Miguel Reale, que ficara encantado com a personalidade de D. Iracema Portella.  

Mas há um fato – e vou concluindo, Sr. Presidente – muito interessante de uma entrevista que seu filho, Petrônio Portella Nunes, deu à Manchete. Na ocasião, perguntaram-lhe: seu pai era católico? Petrônio, não hesitou, respondeu: meu pai era católico praticante e ele rezava todas as noites ao lado de minha mãe. Vejam que coisa bonita!  

Quero dizer que foi uma honra ter sido amigo de Petrônio Portella, ter convivido com ele e ter haurido um pouco dos seus muitos ensinamentos. Foi ele importantíssimo na minha geração e na geração de muitos do meu tempo. Disse a seu respeito Golbery do Couto e Silva: a morte ceifou-lhe a ascensão certa à suprema magistratura da Nação. O resto, diria eu, parafraseando Shakespeare, "o resto é silêncio".  

Muito obrigado.  

(Palmas) 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2000 - Página 3267